sexta-feira, 15 de julho de 2016

crônica - Os Casos da Tonha, do Botóquis e da D. Mocinha

Os Casos da Tonha, do Botóquis e da D. Mocinha

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 10.03.2016.
Comentários na postagem original:  11.
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Incrível como o Marajó fez ter histórias pra contar!
Estas aconteceram no Juizado Especial Criminal em Breves, no Marajó. Toda a quarta-feira tinha audiência criminal no juizado, que trata dos delitos de menor potencial ofensivo, como brigas sem maiores conseqüências, desacatos, e ameaças. Pois é, ameaças. Essas acontecem muito.
Só que ameaça pra ser ameaça, tem que meter medo no ameaçado. Não adianta ser aquela coisa de “tu vai ver só”, em que nem mesmo quem fala acredita que o ameaçado vá ver alguma coisa que lhe meta medo.
Foi o caso da Tonha com a Augustinha. 
Tonha era uma mulher grande. Não era apenas gorda. Era grande! E tinha cara de braba. Já a Augustinha era chamada assim, no diminutivo porque era uma mulher pequena, franzina. Vi que o caso era ameaça, e, assim que as duas sentaram uma em cada lado da mesa, fui logo falando pra Tonha:
“O que houve, D. Tonha, que a senhora andou proferindo ameaças?”
“Não ameacei ninguém, não doutor. Foi ela (e apontou com o beiço para Augustinha) que me ameaçou encher de porrada”.
“Hein?"
“Pois não foi, doutor? Ela me disse que se me pegar olhando pro marido dela de novo, vou pegar muita porrada.”
Augustinha quieta, não falava nada. Ficava ali, olhando pra mesa, com uma expressão de “isso nem é comigo”.
Perguntei pra Tonha:
“E a senhora está com medo de que lhe aconteça alguma coisa?”
“Mas doutor! E isso aí (apontou com o beiço pra Augustinha) vai bater em alguém?! Medo nada! Tô é com pena dessa infeliz!”
Ora, ali mesmo, encerrei o processo, porque sem impor temor de algum mal injusto, não se caracteriza ameaça!
Mas nem todo o caso era assim. Algumas vezes encontrei uns que eram bons de ameaça! Por exemplo, o “Botóquis” (estava escrito assim o apelido no Termo Circunstanciado). O Botóquis era o tipo de sujeito que não levava desaforo pra casa. E, pra ele, um outro homem qualquer dançar com alguma moça que tinha recusado dançar com ele na festa, era um desaforo grande. E como o Botóquis tava muito longe de ser um deus grego, era fácil ser recusado. Daí que o pessoal, quando via que o Botóquis tava na festa, cuidava pra ver com que mulher ele ia falar. Por via das dúvidas, se a mulher chegou perto do Botóquis e saiu, mesmo que pra ir no banheiro, nenhum homem mais falava com a pobre moça... Mas tinha sempre um desavisado qualquer, que não sabia da história ou que ja tinha bebido o tanto necessário pra não lembrar mais com quem o Botóquis tinha tentado falar e levou o fora! Daí, coitado do caboclo! Se o Botóquis pegava o cara, batia. Mas batia muuuuuito! Veio daí o apelido: diz que depois de uma surra do Botóquis, o caboclo somente ficava com a cara desamassada com muito botox! Se o caboclo via o Botóquis olhando meio que por baixo da aba do boné que usava, tava marcado! Só aquele olhar, já era uma ameaça. E ninguém nem cogitava em não ficar com medo!
Outra que era boa de ameaça era D. Mocinha, que de mocinha não tinha nada.
Pois assim foi o caso! Feito o pregão, entrou como autora do fato (quem fez a ameaça), D. Mocinha! (“Mocinha” era o primeiro nome MESMO daquela senhora). Eu me assustei quando vi. Acho que nunca tinha visto um rosto tão enrugado! Entrou com passo firme, o que estranhei, porque pelo rosto tão enrugado e meio curvada pra frente, pensei que tivesse já beirando os 70 anos. A vítima era uma mulher nova em relação a ela, aparentava ter uns 40 anos, um pouco mais um pouco menos.
O caso era de ameaça! D. Mocinha havia ameaçado a vítima. A história era que D. Mocinha tinha uma pequena fruteira e empregava seu neto, a quem D. Mocinha prometera fazer Padre. Daí, quando ia alguma mulher na fruteira, e demorava mais que um instante falando com o neto, D. Mocinha já achava que era o diabo em forma de mulher querendo desencaminhar o neto. Pegava uma faca comprida e saía correndo atrás da dita cuja e ameaçando furar. Dizem que em Breves tem umas três ou quatro com furos de D. Mocinha. Mas aquela era a primeira vez que alguma teve coragem de comunicar na delegacia.
Pois aquela vítima que estava ali era mais uma entre tantas que dizem que D. Mocinha ameaçava. Confesso que olhando para aquela criatura pequenina e já com o peso de tantos anos nas costas, estava torcendo para não ser verdade; ou para que houvesse uma proposta leve do Ministério Público que D. Mocinha acatasse e se visse livre. Perguntei:
“Mas a senhora ameaçou mesmo a vítima, D. Mocinha?” E torci para que ela negasse e a vítima, dadas às circunstâncias, fosse no mesmo caminho. Mas que nada!
“Ameacei não, doutor! Não foi ameaça. Foi PROMESSA! Vou furar essa rapariga que quer desencaminhar meu neto santo”.
O resultado é que não houve jeito! Não teve entendimento e nem D. Mocinha aceitou nada do que propôs o Ministério Público, por mais brando que fosse! Daí falei:
“Mas D. Mocinha, a essa altura da sua vida, a senhora ainda vai querer se incomodar com um processo? Por que não aceita a proposta do Ministério Público?”
“Não sou mulher de aceitar favor, doutor. Vivi até aqui, com o suor do meu trabalho!
Pois é. Mas eu tava curioso pra saber a idade daquela coleção de rugas que D. Mocinha trazia na pele. Para matar minha curiosidade, pedi a célula de identidade de D. Mocinha, que logo pegou uma sacola plástica toda enroladinha e de dentro tirou a célula e estendeu-me! Não consegui disfarçar o susto:
“Mas a senhora tem 51 anos, D. Mocinha?” Exclamei!
“Pois é doutor. Sei que não parece.”
Até hoje eu agradeço por nesse momento ter falado apenas: 
“… é…” 
Porque D. Mocinha arrematou:
“Mas isso é porque me cuido, doutor, não sou como essas raparigas de hoje que experimentam tudo que é porcaria e se estragam cedo!”
… 
Acho que na hora pensei: será que o Botóquis já tinha batido na D. Mocinha?!


Por Luís Augusto Menna Barreto



23 comentários:

  1. Kkkkkk olha é fácil achar esses tipos por aí,o botóquis é só sair para uns bailes da vida rsrs agora a dona Mocinha...pensa numa auto estima hem hahaha

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  2. Amigo suas histórias revelam como se produzem relações entre viventes, sem que entendamos as vezes o comportamento de cada um na história. Fatos sem carimbos mas editados de nuanses que nos levam a observar fins que não esperávamos. Prefiro assim pois não mascaramos o final. Salvem-se os que puderem.

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  3. O final foi muito bom. Totalmente inesperado! "Será que o Botóquis já tinha batido na D.Mocinha? "😀😀😀

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    1. Vai que ela tenha recusado alguma dança com ele..... rsrsrsrsrsrs

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    1. No Marajó, todos são!!! Por isso aprendi a amar o lugar... também pela natureza, mas principalmente pelas pessoas!

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  5. Eu estou precisando da auto estima da dona Mocinha...
    E o botóquis"se achando né?!!!!
    Muito legal essas histórias...

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  6. Caro Menna,

    Aqui na minha terra, quando a moça recusa uma dança, é comum dizer que "o homi foi injeitado pela figura" ou "a figura deu xabu". Já vi isso acontecer ao vivo algumas vezes e a festa acabar. Em relação a isso também temos aqui o "sujeito cabadô de festa". É bem esse o tipo que você tão bem descreve em sua crônica. Gostei muito,

    Abraço

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    1. Por aqui, tem bastante "xabu"... e, lamentavelmente, nas segundas alguns aparecem em forma de papel na minha mesa.....!!

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    2. Gostei dessa de xabu virar papel, e papel virar trabalho para o Meritíssimo.

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  7. Sempre muito divertido ler tuas crônicas!!!
    😂😂😂😂😂

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    1. Sempre gosto de encontrar-te aqui e ver teus comentários...!!!!!!!!!!

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  8. Esses casos, contados do seu jeito, tornam-se muito engraçados. Quando os estou lendo, faço pausas pra rir. Mas depois, sinto remorso. De ter achado tanta graça da vida dessas pobres criaturas, que mais parece uma colcha de retalhos, surrada, desbotada, remendada, numa tentativa de cada um ir tocando a vida do jeito que der.Você também emociona, amigo; por trás desse humor está a alma que compreende as mazelas dos que cruzam o seu caminho, todos os dias, nesse longínquo Marajó.

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    1. Eles mesmos se riem... e a vida vai sendo levada com alguma alegria...!
      Maria... vem no Marajó... vem ver essa maravilhosa colcha de retalhos!!

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  9. Na crônica “Os Casos da Tonha, do Botóquis e da D. Mocinha”, o autor Menna Barreto escolheu três atributos, que comumente são depreciados pelos padrões da nossa sociedade, para desenvolver seu texto: baixa estatura, acrescida de aparência franzina; feiura, completada de agressividade; e aparência de envelhecimento pela presença de rugas.

    Essas três características são encaixadas em personagens diferentes, Augustinha, Botóquis e Mocinha. E o tecer da crônica é realizado pelo escritor, ao costurar três fatos diferentes na constituição de um único texto.

    Com eficácia absoluta, a linha de costura, intrafatos e entrefatos, usada pelo autor, gera o aspecto cômico da crônica, quando ressalta de forma caricatural, a “coragem” e a aparência franzina de Augustinha; a “valentia” e a feiura do Botóquis; a “natureza intrépida” e a pseudo jovialidade de Mocinha.

    Enfim, como os demais textos desse gênero escritos por Menna Barreto, esta crônica prima pela qualidade.

    Parabéns, meu cronista predileto!

    A grande pena é um defeito técnico ter interposto uma noite nua entre nós.

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    1. Escritora..... sempre admiro e aprendo demais com teus comentários... Aprendemos todos os amigos do blog que vem aqui e tanto apreciam teus ensinamentos...!

      ... ms confesso que não entendi o "defeito técnico"...???????????

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    2. Não???!!!! Não entendeste??!!

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  10. Meu pai... imagino a cara da D.Mocinha, devia fumar um cigarrinho de palha não fumava não Menna? rsrs impossível não rir, imagino sua reação, as caras e boca da Tonha para apontar a Augustinha, rsrs muito bom!

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    1. Ah... por aqui tem muitas boas histórias que ainda virarão crônicas...
      ... adoro conta-las...!!!!!
      Mil obrigados, amiga!!!!!

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