bora cronicar
Ah!, Se Fosse em Marajó City…
Há dois dias, publiquei no blogue a crônica “O Júri, a Lei e o Sentimento de Justiça”, escrita pelo meu grande amigo, juiz de direito do Estado de Pernambuco, Dr. Andrian de Lucena Galindo.
A crônica bombou no blogue. Ao final do primeiro dia, já era a mais lida dos últimos sete dias. E não saiu mais do topo! No dia da crônica do Dr. Andrian, o blogue teve mais visualizações do que vinha tendo e a participação de todos os amigos, seja nos comentários no blogue, seja pelo twitter, foi bem intensa. Merecidos elogios foram por ele granjeados. A crônica foi escrita num ritmo adorável, que parecia fazer com que as palavras flutuassem em uma leitura que não cansa e, antes, descansa; massageia a alma. Some-se a esse delicioso ritmo, a mensagem que a crônica passou, sobre humanidade, sobre a vida ser muito maior e mais rica do que a lei previamente posta. Confrontou, em verdade, a Lei com a Justiça. E Dr. Andrian, o narrador e personagem, tomou a decisão exata para realçar a riqueza da vida. Viu-se entre a dignidade e a Lei, quase em opostos, e, sem titubear, optou por dignificar a vida, optou pela salomônica decisão que levou a todos um agradável (e tão necessário) sentimento de efetiva justiça!
O caso que ele contou era pra ser efetivamente cômico. Mas ele fez do caso, poesia e ensinamento! Durante os quatro anos em que fomos colegas aqui no Estado do Pará, aprendi demais com o jeito tranquilo e tão ponderado com que ele leva a vida, com que distribui a justiça em sentenças que são, sempre, lições de sabedoria. Eu jamais saberia escrever a crônica como ele o fez. Ah!, não… eu acho que não saberia ver tamanha humanidade… meus olhos, já “viciados” pelo delicioso cotidiano marajoara, veriam a situação pelo viés do cômico, do inusitado. O fato todo aconteceu em Breu Branco, cidade ao sul de Belém, próximo de Tucuruí. Eu, porém, fiquei inevitavelmente pensando como seria, se fosse em Marajó City…
Pra começo de conversa, Antônio, o réu, certamente teria um apelido do tipo Jon-Uêine. E, pra não ter morrido antes do júri, o promotor já não teria sido o Cava-Cova, que logrou este apelido, porque cada réu que denunciava, morria antes do júri e, assim, não conseguíamos inaugurar o Salão do Júri. Até que um dia, durante o júri do Cara-de-Cuspe*, foi o próprio Cava Cova quem morreu, tendo acabado a “maldição”.
Pois para mim, teria chegado a notícia, pelo Goela, que o Jon-Uêine teria matado o “Buchada”. E o Jon-Uêine, interrogado, negaria o fato:
— Matei não senhor, Doutor.
— Mas Jon, o Tonelada (policial militar conhecido de Marajó City) disse que te encontrou com a faca ensanguentada, ao lado do morto!
— Isso é verdade, doutor.
— Então? Vai dizer que a faca com o sangue do Buchada foi parar na tua mão por mágica?
— Doutor, eu não nego que a faca era minha. E não nego que o sangue era do Buchada. Mas não matei ele, doutor!
— Tá, Jon, então o assassino matou e colocou a faca na tua mão?
— Não, doutor, eu que peguei a faca por causa do duelo!
— Hein? Vocês duelaram?
— Não, doutor! “Duelo" é o goró, a cachaça que eu tinha conseguido e o Buchada queria pegar. Foi daí a confusão, doutor!
— Então, quer dizer que tu mataste o Buchada, por causa da cachaça?
— Matei não senhor!
— Mas Jon, tu não deste a facada nele?
— Sim senhor!
— Então foste tu que mataste ele, Jon!
— Não senhor!
Ai, ai, ai… esse “ai, ai, ai” eu só pensei. Mas estava curioso demais pra entregar-me! Continuei:
— Mas então não estou entendendo, Jon.
— Doutor, eu dei a triscada nele, mas não matei.
— “Triscada”?
— É doutor! Triscada. Foi só isso!
— Explica essa história, Joh!
— Doutor, presta atenção: — e se ajeitou na cadeira com autoridade! — Eu tava com o duelo bebendo devagarinho! Ele ficou brechando. Daí, quando eu larguei a garrada do duelo no chão, pra dar uma urinada na árvore, ele veio e pegou, doutor! Foi daí que saí pra defender o que é meu, porque a gente pode defender o que é da gente, não é verdade?
— Mas não matando por causa de uma cachaça, né Jon?!
— Mas não matei, doutor!
— Mas então, pelamordedeus, o que tu fizeste?
— Doutor, não matei. Eu peguei a faca e só fiz dar uma triscadinha. Pois daí saiu a buchada pra fora. Mas não era pra tanto, doutor. Eu mesmo já levei furada mais forte. Outro dia mesmo, o Manobra levou uma furada muito maior, do Mariosa, furada pra matar, doutor, e não morreu! Ta todo dia tomando uma no açougue do Retalho.
— E o que tem isso, Jon.
— Isso, doutor, que não matei!
— Mas ele morreu, Jon! Morreu! Morte matada! Tu mataste!
— Não, doutor. Não matei. Eu só fiz dar uma triscadinha; ele que era morredor!
…
Pois é… acho que em Marajó City, as coisas seriam mais ou menos assim…!
Luís Augusto Menna Barreto
27.6.2019
- Vide a crônica “O Fila-Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri”, publicada em duas partes nos dias 14 e 22 de outubro de 2017, aqui no blogue!
- * O próprio Dr. Andrian, várias vezes contava-me um poema nordestino em que o matuto falava: “eu só fiz dar uns risquinhos, o cabra que é morredor”. Eu me permiti a “licença" literária de emprestar a história do Dr. Ândrian, com o poema que ele sabe de cor!
Kkkkkk
ResponderExcluir"Só uma triscadinha"...E massa é a tranquilidade do Jon- Uêine...
Tô rindo até ano que vem dele dizer: "Ele que era mordedor"...Tadinho do Buchada!!!
Adoreeeiiiii!!!!! 🤣🤣
Caboclo fraco esse Buchada !!! Vai entender?! So triscou e já morre??! Tinha era que ficar vivo pra levar uma peia!!! 😅😂
ExcluirCorrigindo: Morredor*
ResponderExcluirComigo acontece o tempo todo... e sempre coloco a culpa no corretor!! rsrsrsrs
ExcluirPelamordideussss!!! Kkkkkkkkkkk
ResponderExcluirMas não é?! Só no Marajó, mana! Deusulivre!!!
ExcluirFoi só uma "triscadinha" e o fracote, com a buchada pra fora, morreu kkkkkkkkkkkkkk Mas não foi Jon quem matou, foi Deus, ele só deu o iniciamento com uma triscada
ResponderExcluirMal e mal encostou a paca, Nice...! Caboclo morredor é assim, fica aí, morrendo por qualquer coisinha toda hora!
ExcluirEsse Marajó e seus moradores espetaculares dão um show em qualquer história, gostei da sua versão poeta. Ri muito 😂😂😂😂😂
ResponderExcluirEu tenho certeza que no Marajó, não seria muito diferente disso!
Excluir... e eu não resisti. Meti a colher no angu do meu amigo e transportei pra Marajó City essa crônica deliciosa!
Adorei, Luís. Os personagens, os apelidos, os diálogos,a linguagem popular é sempre divertida e enriquecedora. Agora já conheço um pouquinho de Marajó. Obrigada por este deleite. Parabéns
ResponderExcluirGuria.... Marajó City é o ambiente da maioria das crônicas que escrevi!
ExcluirAcho que são por volta de 70 crônicas de Marajó City! Eu cheguei a publicar 3 ou 4 no projeto ‘bora cronicar’! Elas sempre foram muito bem recebidas!!!
Uma das características das Crônicas de Marajó City é que no título normalmente vão três ou quatro nomes dos personagens!!!
Eu espero que tu conheças outros títulos de Marajó City!!!
Há um projeto para daqui um ano... que talvez traga Marajó City ao conhecimento de muito mais leitores!!!!
Muito boa!!! Kkkk Adoro esses personagens! E na versão gaucha, tchê!Quero ler um causo daqueles ! Abraço!
ResponderExcluirMas que ideia boa....!!! Vou pensar numa versão gaudéria!!!!! Obrigado, Denise!!!
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