bora cronicar
Memória Seletiva
Papa-Capim; Rola-Rola, Arranca Toco, Arrasa Quarteirão e Inácio Gaiola; Eram protegidos pelo Espalha Gato. Formação clássica, os dois meias eram Rapidinho pela direita e o craque Deixa Que Eu Chuto. Clássico trio de atacantes com dois pontas e um centro avante: Corre-Corre, Reservinha e Esquerdinha.
O que é isso? Meu time de futebol de botão. Botões puxadores. Um de cada cor, com tamanhos e espessuras diferentes, escolhidos criteriosamente para o melhor desempenho em cada posição. Eu os colocava com galhardia no Estrelão, e via o adversário engolir em seco, já prevendo a goleada! Nunca esqueci dos nomes que eu dava a cada um dos Botões Puxadores do meu time!
Sim, eu lembro! Outra:
“Para ser poeta era preciso sofrer com desespero os embates da paixão desordenada e sentir na vida boêmia os negros pesares do infortúnio. Era preciso descrer da felicidade e morrer jovem.” Essa frase é de alguém chamado Dino Fontana, que eu confesso, não sei quem é ou quem foi. Eu li a frase em algum livro de literatura, recomendado pela Professora Francelina, no segundo ano do 2º grau, quando a gente estava estudando o romantismo na literatura.
Eu li essa frase uma vez na minha vida. E ficou ali: arquivada na minha memória!
"Iracema" de José de Alencar, eu li duas vezes. Mas na primeira eu já decorei toda a primeira página, que começa com “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba…”. Nunca esqueci.
Eu sei também o final de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que eu nem gostei, mas achei o final divino, e sei o final de Cem Anos de Solidão, palavra por palavra.
Ah!, e eu sei que a força de atração ou repulsão é diretamente proporcional às cargas elétricas e inversamente proporcional ao quadrado da distância. Aprendi na aula de física da professora Zeliza! Eu também sei a fórmula de Bhaskara, mas essa nem vou me gabar, porque tem um montão de gente que nunca mais esqueceu (acho que essa traumatizou muitos e apaixonou alguns).
Tudo bem. Tu deves estar-se perguntando, caro leitor, o que uma coisa tem a ver com a outra? Que diabos a escalação do meu time de futebol de botão que eu jogava com o Cuca, aos 9 anos de idade, tem a ver com Iracema ou com a força das cargas elétricas?
Vou dizer: eu lembro! Nunca esqueci!
Por que eu lembro disso? Ah… Essa é a pergunta! Não faço idéia! Eu simplesmente lembro!
Sei a escalação da seleção de 82, aquela famosa que perdeu pra Itália por 3 x 2 no Sarriá. Mas isso não é vantagem nenhuma, porque muitos da minha geração jamais esqueceram aquela escalação.
Mas querem saber? Eu não lembro o nome da Sophia que trabalha todos os dias na mesma equipe profissional que eu. Na verdade, o nome dela não é Sophia. Mas eu nunca lembro e, então, eu olho pra ela e vejo: “Sophia”! Daí, eu a chamo assim e ela tem a delicadeza de não ficar chateada comigo. Aliás, agora que ela vai ler isso e descobrir que eu a chamo de Sophia com “ph”, acho que ela vai ficar mais feliz ainda.
A mesma coisa acontece com a Isabella (com dois “L”), cujo nome também tenho muita dificuldade de lembrar! Ou com a Vera Mossa (não, não a jogadora de vôlei da seleção), a que trabalha na equipe também. Eu a chamo assim, justamente porque ela é alta e joga vôlei, uma ponteira com pancada forte. Daí, como nunca lembro o nome dela, eu a chamo de Vera Mossa, como uma homenagem!
Um tempo atrás, a Ana comprou uns dispositivos que são uns quadradinhos pouco mais grossos do que um cartão de crédito, porém menor. A Ana disse pra eu colocar um no chaveiro do carro e outro na minha carteira. Eles são localizadores. Emitem um som, quando acionado o aplicativo pelo celular e mostra na tela do celular a localização deles. Porque eu vivo esquecendo onde larguei a carteira ou a chave.
Ontem mesmo, uma amiga vendeu-me um alfajor, e, quando eu fui pagar, descobri que eu esqueci a carteira em casa. Inclusive a de motorista e os documentos do carro! E estava bem tranquilo, andando por aí, inclusive na BR!
Acontece, que pelo rumo que minha vida tomou, eu penso que tem muita coisa que eu poderia “deletar" e ocupar o espaço francamente ativo da minha memória com informações mais importantes! Por exemplo: eu trocaria agora mesmo a lembrança da fórmula de Bhaskara, pela lembrança dos nomes das servidoras que trabalham na minha equipe!
Eu trocaria a escalação do meu time de futebol de botão (eu anoto em um papel e deixo na gaveta, se eu precisar lembrar) pela lembrança de onde largo as chaves, ou minha carteira.
Hoje mesmo, no trabalho, eu penei para encontrar o artigo trezentos e trinta e… bah!, esqueci! Sério! Eu vi hoje mesmo, quando um colega estava trocando idéias comigo sobre a improcedência liminar da ação! Eu sabia que isso existia e estava regrado no Código de Processo Civil, eu até disse pra ele, porque isso o ajudou a solucionar um problema! Daí, ele me perguntou: “qual o artigo?” E eu não sabia! Espremi a memória tentando achar, e nada! Nadinhas.
Depois de alguma pesquisa no índice remissivo, consegui encontrar, mas houve esforço. E eu já esqueci e sei que amanhã, já nem vou lembrar que é ali pelo artigo trezentos e pouco! Pois eu trocaria agora mesmo a fórmula da força das cargas elétricas por alguns artigos de lei, especialmente os mais usados!
Amanhã mesmo, eu tenho um caso na minha mesa, que vai resolver-se pela interpretação da previsão legal da possibilidade de renovação compulsória de contratos de alugueres não residenciais… e eu sei que existe a previsão legal, mas não sei o artigo!
Isso é algo que eu deveria ter na memória! Isso é meu dia a dia! Eu trocaria o final de Memórias Póstumas de Brás Cubas por esses artigos, trocaria a frase de Dino Fontana, trocaria…
…
Não! Ok, pra tudo há um limite! Passo o resto da vida procurando todas as vezes o mesmo artigo, mas não negocio “Iracema" nem “Cem Anos de Solidão”!
Luís Augusto Menna Barreto
5.6.2019
Pensei que só eu tivesse essa dificuldade de gravar nomes.... Eu já desisti e não Luto mais com isso, simplesmente arranjo um apelido carinhoso, o da Vera Mossa é Avatar e pelo sorriso que ela dá acho que gostou, aqui no fórum a maioria já me trata somente pelo apelido 😁. Gostei muito de saber que não sou a única a sofrer essa amnésia, sem querer comparar meus afazeres e minhas aptidões com as suas que são da melhor qualidade e competência. Para quem trabalha dessa maneira e tem tempo ainda pra ler, escrever com essa sabedoria de nós proporcionar um acontecimento corriqueiro transformado em uma bela crônica e, sem deixar de lado a família tem todo o meu respeito.... Quero ser assim qdo eu crescer 😁
ResponderExcluirLola...... nem sei o que dizer com esse teu carinho!!!! E obrigado pelo café, que encontrei quentinho na garrafinha térmica!!! Delicioso!!!!
ExcluirAh, as coisas mundanas ocupando o lugar de momentos envolventes, livros fascinantes , filmes adoráveis, pessoas inesquecíveis... Uma amiga justificava meus esquecimentos dizendo que a mente era seletiva, rsrsrs e eu me perdoava porque sou uma pessoa que perde celular, chave, óculos, carteira! Já viajei de carro sem habilitação ,várias vezes, cheguei dias adiantado nas consultas, ou atrasada , tenho cenas hilariantes com isso. Mas eu tbm guardo até hoje tatuado na minha alma, o primiro dia que li "Aventuras de Tibicuera" e imaginava-o entrando na imensa floresta. Tenho em mim, pedaços de Coração de Vidro onde o azulão, dona Candoca, o peixinho vermelho transitam livremente pelas minhas histórias...Choro quando penso na morte do Portuga em " Meu Pé de Laranja Lima" e com a Pollyana ainda brinco do Jogo do Contente. Esses livros fazem parte da minha estante aqui na escola e empresto para os alunos na tentativa de que eles também levem consigo pedaços de carinho transformadas em palavras e frases. Tuas crônicas são fascinantes , me fazem refletir , confesso que rolou uma lágrima quando lembrei de tantas coisas lindas. Abraço forte , muito obrigada por compartilhares tantas coisas lindas.
ResponderExcluirDenise.... Obrigado eu. Teu comentário que é uma deliciosa crônica!
ExcluirOs livros, esses ficam em mim... (até os que não gostei - poucos, muito poucos)... Realmente, não negociaria com eles, como disse na crônica.
E tu me lembras livros que também li. Sim, quantas vezes chorei, junto com a mãe e a mana, com Meu Pé de Laranja Lima...
Jamais trocarei O Escaravelho do Diabo, Mistério no Cinco Estrelas, Um Cadáver Ouve Rádio e qualquer um da maravilhosa coleção Vagalume!
Esqueço o nome das pessoas, mas não dos sorrisos que recebo. Esqueço aniversários, mas lembro dos abraços.
Talvez eu esqueça dessa crônica... mas não vou esquecer teu comentário!
Obrigado, Denise!
Esqueço nomes, datas...Jamais esqueço o bem que me fazem!! Jamais!!!
ResponderExcluirEntão, lembras de tudo que é realmente importante....!!!!!!!!
ExcluirBom dia, Michele, obrigado por sempre vires aqui!!!
As coisas que não posso esquecer, tenho que anotar, ainda assim, acontece rsrs mas tem lembranças do passado gravadas na mente, algumas maravilhosas, outras nem tanto, e por nada se apagam. Nosso cérebro é uma máquina perfeita. Amei a crônica.
ResponderExcluirBem... o meu cérebro nem é tão perfeito... queria um "aplicativo" que fizesse uma limpeza e organização: colocasse "na frente" aquelas coisas que mais preciso lembrar e colocassem lá nos arquivos do fundo aquelas lembranças que muito de vez em quando são necessárias... e um monte eu gostaria de deletar...!
ExcluirAh... como é bom saber que gostaste, e como é bom sempre encontrar-te aqui a cronicar!!! Sabes que por aqui, já existe uma poltrona com teu nome gravado! Tens lugar cativo!
Obrigada pelo carinho poeta, é sempre muito bom estar aqui com vcs. Com essa cadeira com meu nome, me fez sentir importante rsrsrs
ExcluirTu és importante!!!!!!
ExcluirVivo dizendo que qualquer dia esqueço a cabeça em algum lugar! Agora vejo que nào preciso me apavorar! rsrsrs
ResponderExcluirUm dia desses aconteceu algo preocupante...abri a geladeira pra guardar umas roupas...ai meu Deus, levei um susto 😂😂😂😂 e virei piada!!! 😂😂😂 Que Deus nos proteja! 😊
Armelinda... roupa na geladeira, é a primeira vez que ouço falar... mas diz aí: havia alguma fruta no roupeiro??
ExcluirA gente passa cada uma, hein?! E aquela de a gente sair procurando os óculos com eles bem em cima do nariz?! Nem sei contar quantas vezes já fiz isso! Outra vez eu tava no telefone e de repente comecei a procurar o celular!!!!! Pode isso?
Como diz minha irmã: de perto, ninguém é normal!!! rsrsrsrsrs
Show!!! Bem isso, memória seletiva. Lembro coisas da infância, e custo a achar o celular, principalmente quando esqueço de dar carga kkkk. E nunca consegui decorar "Eduardo e Mônica" kkkkkk!!! Abraço meu amigo!!!
ResponderExcluirTatay!!! Como assim nunca devoras-te Eduardo e Mônica??????
ExcluirMeu Deus.... isso leva pra tarja preta, guria!!!!
TODOS decoramos Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo e Navio Pirata!!!!
Quanto ao celular..... bem, demorei pra responder, porque tinha perdido ele!!!