quarta-feira, 5 de junho de 2019

bora cronicar - Memória Seletiva

bora cronicar

Memória Seletiva

Papa-Capim; Rola-Rola, Arranca Toco, Arrasa Quarteirão e Inácio Gaiola; Eram protegidos pelo Espalha Gato. Formação clássica, os dois meias eram Rapidinho pela direita e o craque Deixa Que Eu Chuto. Clássico trio de atacantes com dois pontas e um centro avante: Corre-Corre, Reservinha e Esquerdinha. 
O que é isso? Meu time de futebol de botão. Botões puxadores. Um de cada cor, com tamanhos e espessuras diferentes, escolhidos criteriosamente para o melhor desempenho em cada posição. Eu os colocava com galhardia no Estrelão, e via o adversário engolir em seco, já prevendo a goleada! Nunca esqueci dos nomes que eu dava a cada um dos Botões Puxadores do meu time!
Sim, eu lembro! Outra:
“Para ser poeta era preciso sofrer com desespero os embates da paixão desordenada e sentir na vida boêmia os negros pesares do infortúnio. Era preciso descrer da felicidade e morrer jovem.” Essa frase é de alguém chamado Dino Fontana, que eu confesso, não sei quem é ou quem foi. Eu li a frase em algum livro de literatura, recomendado pela Professora Francelina, no segundo ano do 2º grau, quando a gente estava estudando o romantismo na literatura. 
Eu li essa frase uma vez na minha vida. E ficou ali: arquivada na minha memória!
"Iracema" de José de Alencar, eu li duas vezes. Mas na primeira eu já decorei toda a primeira página, que começa com “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba…”. Nunca esqueci.
Eu sei também o final de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que eu nem gostei, mas achei o final divino, e sei o final de Cem Anos de Solidão, palavra por palavra.
Ah!, e eu sei que a força de atração ou repulsão é diretamente proporcional às cargas elétricas e inversamente proporcional ao quadrado da distância. Aprendi na aula de física da professora Zeliza! Eu também sei a fórmula de Bhaskara, mas essa nem vou me gabar, porque tem um montão de gente que nunca mais esqueceu (acho que essa traumatizou muitos e apaixonou alguns).
Tudo bem. Tu deves estar-se perguntando, caro leitor, o que uma coisa tem a ver com a outra? Que diabos a escalação do meu time de futebol de botão que eu jogava com o Cuca, aos 9 anos de idade, tem a ver com Iracema ou com a força das cargas elétricas?
Vou dizer: eu lembro! Nunca esqueci! 
Por que eu lembro disso? Ah… Essa  é a pergunta! Não faço idéia! Eu simplesmente lembro! 
Sei a escalação da seleção de 82, aquela famosa que perdeu pra Itália por 3 x 2 no Sarriá. Mas isso não é vantagem nenhuma, porque muitos da minha geração jamais esqueceram aquela escalação. 
Mas querem saber? Eu não lembro o nome da Sophia que trabalha todos os dias na mesma equipe profissional que eu. Na verdade, o nome dela não é Sophia. Mas eu nunca lembro e, então, eu olho pra ela e vejo: “Sophia”! Daí, eu a chamo assim e ela tem a delicadeza de não ficar chateada comigo. Aliás, agora que ela vai ler isso e descobrir que eu a chamo de Sophia com “ph”, acho que ela vai ficar mais feliz ainda. 
A mesma coisa acontece com a Isabella (com dois “L”), cujo nome também tenho muita dificuldade de lembrar! Ou com a Vera Mossa (não, não a jogadora de vôlei da seleção), a que trabalha na equipe também. Eu a chamo assim, justamente porque ela é alta e joga vôlei, uma ponteira com pancada forte. Daí, como nunca lembro o nome dela, eu a chamo de Vera Mossa, como uma homenagem!
Um tempo atrás, a Ana comprou uns dispositivos que são uns quadradinhos pouco mais grossos do que um cartão de crédito, porém menor. A Ana disse pra eu colocar um no chaveiro do carro e outro na minha carteira. Eles são localizadores. Emitem um som, quando acionado o aplicativo pelo celular e mostra na tela do celular a localização deles. Porque eu vivo esquecendo onde larguei a carteira ou a chave. 
Ontem mesmo, uma amiga vendeu-me um alfajor, e, quando eu fui pagar, descobri que eu esqueci a carteira em casa. Inclusive a de motorista e os documentos do carro! E estava bem tranquilo, andando por aí, inclusive na BR!
Acontece, que pelo rumo que minha vida tomou, eu penso que tem muita coisa que eu poderia “deletar" e ocupar o espaço francamente ativo da minha memória com informações mais importantes! Por exemplo: eu trocaria agora mesmo a lembrança da fórmula de Bhaskara, pela lembrança dos nomes das servidoras que trabalham na minha equipe!
Eu trocaria a escalação do meu time de futebol de botão (eu anoto em um papel e deixo na gaveta, se eu precisar lembrar) pela lembrança de onde largo as chaves, ou minha carteira.
Hoje mesmo, no trabalho, eu penei para encontrar o artigo trezentos e trinta e… bah!, esqueci! Sério! Eu vi hoje mesmo, quando um colega estava trocando idéias comigo sobre a improcedência liminar da ação! Eu sabia que isso existia e estava regrado no Código de Processo Civil, eu até disse pra ele, porque isso o ajudou a solucionar um problema! Daí, ele me perguntou: “qual o artigo?” E eu não sabia! Espremi a memória tentando achar, e nada! Nadinhas. 
Depois de alguma pesquisa no índice remissivo, consegui encontrar, mas houve esforço. E eu já esqueci e sei que amanhã, já nem vou lembrar que é ali pelo artigo trezentos e pouco! Pois eu trocaria agora mesmo a fórmula da força das cargas elétricas por alguns artigos de lei, especialmente os mais usados! 
Amanhã mesmo, eu tenho um caso na minha mesa, que vai resolver-se pela interpretação da previsão legal da possibilidade de renovação compulsória de contratos de alugueres não residenciais… e eu sei que existe a previsão legal, mas não sei o artigo! 
Isso é algo que eu deveria ter na memória! Isso é meu dia a dia! Eu trocaria o final de Memórias Póstumas de Brás Cubas por esses artigos, trocaria a frase de Dino Fontana, trocaria…
Não! Ok, pra tudo há um limite! Passo o resto da vida procurando todas as vezes o mesmo artigo, mas não negocio “Iracema" nem “Cem Anos de Solidão”!

Luís Augusto Menna Barreto

5.6.2019

14 comentários:

  1. Pensei que só eu tivesse essa dificuldade de gravar nomes.... Eu já desisti e não Luto mais com isso, simplesmente arranjo um apelido carinhoso, o da Vera Mossa é Avatar e pelo sorriso que ela dá acho que gostou, aqui no fórum a maioria já me trata somente pelo apelido 😁. Gostei muito de saber que não sou a única a sofrer essa amnésia, sem querer comparar meus afazeres e minhas aptidões com as suas que são da melhor qualidade e competência. Para quem trabalha dessa maneira e tem tempo ainda pra ler, escrever com essa sabedoria de nós proporcionar um acontecimento corriqueiro transformado em uma bela crônica e, sem deixar de lado a família tem todo o meu respeito.... Quero ser assim qdo eu crescer 😁

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    1. Lola...... nem sei o que dizer com esse teu carinho!!!! E obrigado pelo café, que encontrei quentinho na garrafinha térmica!!! Delicioso!!!!

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  2. Ah, as coisas mundanas ocupando o lugar de momentos envolventes, livros fascinantes , filmes adoráveis, pessoas inesquecíveis... Uma amiga justificava meus esquecimentos dizendo que a mente era seletiva, rsrsrs e eu me perdoava porque sou uma pessoa que perde celular, chave, óculos, carteira! Já viajei de carro sem habilitação ,várias vezes, cheguei dias adiantado nas consultas, ou atrasada , tenho cenas hilariantes com isso. Mas eu tbm guardo até hoje tatuado na minha alma, o primiro dia que li "Aventuras de Tibicuera" e imaginava-o entrando na imensa floresta. Tenho em mim, pedaços de Coração de Vidro onde o azulão, dona Candoca, o peixinho vermelho transitam livremente pelas minhas histórias...Choro quando penso na morte do Portuga em " Meu Pé de Laranja Lima" e com a Pollyana ainda brinco do Jogo do Contente. Esses livros fazem parte da minha estante aqui na escola e empresto para os alunos na tentativa de que eles também levem consigo pedaços de carinho transformadas em palavras e frases. Tuas crônicas são fascinantes , me fazem refletir , confesso que rolou uma lágrima quando lembrei de tantas coisas lindas. Abraço forte , muito obrigada por compartilhares tantas coisas lindas.

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    1. Denise.... Obrigado eu. Teu comentário que é uma deliciosa crônica!
      Os livros, esses ficam em mim... (até os que não gostei - poucos, muito poucos)... Realmente, não negociaria com eles, como disse na crônica.
      E tu me lembras livros que também li. Sim, quantas vezes chorei, junto com a mãe e a mana, com Meu Pé de Laranja Lima...
      Jamais trocarei O Escaravelho do Diabo, Mistério no Cinco Estrelas, Um Cadáver Ouve Rádio e qualquer um da maravilhosa coleção Vagalume!
      Esqueço o nome das pessoas, mas não dos sorrisos que recebo. Esqueço aniversários, mas lembro dos abraços.
      Talvez eu esqueça dessa crônica... mas não vou esquecer teu comentário!
      Obrigado, Denise!

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  3. Esqueço nomes, datas...Jamais esqueço o bem que me fazem!! Jamais!!!

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    1. Então, lembras de tudo que é realmente importante....!!!!!!!!
      Bom dia, Michele, obrigado por sempre vires aqui!!!

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  4. As coisas que não posso esquecer, tenho que anotar, ainda assim, acontece rsrs mas tem lembranças do passado gravadas na mente, algumas maravilhosas, outras nem tanto, e por nada se apagam. Nosso cérebro é uma máquina perfeita. Amei a crônica.

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    1. Bem... o meu cérebro nem é tão perfeito... queria um "aplicativo" que fizesse uma limpeza e organização: colocasse "na frente" aquelas coisas que mais preciso lembrar e colocassem lá nos arquivos do fundo aquelas lembranças que muito de vez em quando são necessárias... e um monte eu gostaria de deletar...!

      Ah... como é bom saber que gostaste, e como é bom sempre encontrar-te aqui a cronicar!!! Sabes que por aqui, já existe uma poltrona com teu nome gravado! Tens lugar cativo!

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    2. Obrigada pelo carinho poeta, é sempre muito bom estar aqui com vcs. Com essa cadeira com meu nome, me fez sentir importante rsrsrs

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  5. Vivo dizendo que qualquer dia esqueço a cabeça em algum lugar! Agora vejo que nào preciso me apavorar! rsrsrs
    Um dia desses aconteceu algo preocupante...abri a geladeira pra guardar umas roupas...ai meu Deus, levei um susto 😂😂😂😂 e virei piada!!! 😂😂😂 Que Deus nos proteja! 😊

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    1. Armelinda... roupa na geladeira, é a primeira vez que ouço falar... mas diz aí: havia alguma fruta no roupeiro??

      A gente passa cada uma, hein?! E aquela de a gente sair procurando os óculos com eles bem em cima do nariz?! Nem sei contar quantas vezes já fiz isso! Outra vez eu tava no telefone e de repente comecei a procurar o celular!!!!! Pode isso?

      Como diz minha irmã: de perto, ninguém é normal!!! rsrsrsrsrs

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  6. Show!!! Bem isso, memória seletiva. Lembro coisas da infância, e custo a achar o celular, principalmente quando esqueço de dar carga kkkk. E nunca consegui decorar "Eduardo e Mônica" kkkkkk!!! Abraço meu amigo!!!

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    1. Tatay!!! Como assim nunca devoras-te Eduardo e Mônica??????
      Meu Deus.... isso leva pra tarja preta, guria!!!!
      TODOS decoramos Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo e Navio Pirata!!!!
      Quanto ao celular..... bem, demorei pra responder, porque tinha perdido ele!!!

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