segunda-feira, 17 de junho de 2019

Reflexo - capítulo 1

Reflexo
Capítulo 1

Foi rápido. 
Tem gente que fala que a gente quer… que a gente que incentiva… quanta merda!
Depois, fica só o nojo, o ódio… a vergonha.
Foi numa noite de quinta, quando eu voltava do restaurante. 
O Rafael sempre me dava carona até quase metade do caminho, e me deixava num ponto de ônibus com movimento. Mas quando eu descia do ônibus, perto de casa, tinha que caminhar um quarteirão. Fazia isso em menos de cinco minutos. Levava sempre uma bolsa pequena, com lenço de papel, um batom, um celular velho e estragado, e uma nota de dez reais. Se viesse a moto do assalto, levava a bolsa e eu não levava tiro. Eu já havia sido assaltada quatro vezes.
Naquele dia, quando desci do ônibus, senti um aperto no peito. Achei até que era o celular bom que levo escondido no sutiã. Mas era pressentimento. 
Como eu disse, foi rápido. 
Sabe tudo o que falam, sobre como a gente deve agir numa situação dessas? Tudo merda! Quando o monstro chegou em mim, encostou o cano do revolver na minha testa. O mundo parou ali. Eu tremia toda. Ele só falou: “cala a boca, vadia”.
Depois, eu fiquei como que anestesiada, sem reação. Não consegui gritar, não consegui nem ver o tempo passar. Quando terminou, eu estava com as costas todas arranhadas da parede rebocada e sem pintura, em que ele me apertava, bufando como um animal. Quando ele terminou, bateu forte com a arma na minha cabeça e eu caí. Ele fechou a calça e saiu. Eu consegui sentar e encostar na parede. Não sabia onde estava um dos meus sapatos. Minha calça estava jogada perto de mim. Olhei o prédio do outro lado da rua, e vi um homem com o celular apontado pra mim. Acho que ele viu tudo. Não gritou. Não fez nada. O desgraçado só filmou. Postou nos grupos de whatsapp. 
Eu não conseguia me mexer. Eu não tinha nada quebrado, mas eu simplesmente não conseguia me mexer. Um cara de moto passou olhando. Depois voltou devagar. Então chegou perto de mim. Eu estava sentada, ainda, sem conseguir me mexer. Ele estava de capacete. Foi devagar até minha bolsa jogada no chão. Pegou, olhou dentro, virou todas as minhas coisas no chão, pegou os dez reais e me disse: “vadia”. Foi embora. 
Eu não sei quanto tempo passou. Não sei se eu desmaiei. Depois lembro de uma senhora japonesa, junto com uma menina que parecia neta dela, atravessar a rua. O desgraçado continuava filmando. A menina juntou minhas coisas e a senhora ajudou a vestir minha calça, ali, sentada mesmo e, depois, me levantou. Ela falou em hospital. Mas eu só queria ir pra casa. Só ir pra casa. Minha testa estava sangrando e doendo, mas eu acho que não tinha nenhum osso quebrado. O monstro não quebrou meus ossos. Quebrou minha alma.
(continua)… 

Luís Augusto Menna Barreto

17.6.2019

23 comentários:

  1. Sabe poeta eu gostei desse formato que experimentas...De certa forma nos representa, raras as pessoas que não viveram essa trágica experiência...Eu particularmente tenho uma experiência muito parecida, inclusive aconteceu em Belém do Pará,na saída de um supermercado chamado Formosa,foi a pior experiência da minha vida... É horrível, você tem a sensação de quase morte ( pelo menos foi o que senti) Infelizmente é uma realidade tão frequente!!!

    Gostei do drama!! Aprovado!!👏👏👏

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    1. Michele... tão triste saber que passaste por isso... mais triste ainda, saber que foi na cidade em que vivo com minha família.
      De outro lado, fico feliz que tenhas gostado da experiência literária. E esta, Michele, sequer é a questão dramática principal que pretendo abordar... há uma outra ainda, que reputo mais forte... Espero que eu consiga manter a mão...
      O plano (inicial) é soltar um capítulo por semana, pra não tornar o blogue pesado!
      Super obrigado!

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  2. A realidade de muitas de nós, já fui assaltada a caminho do meu estágio de obstetrícia o infeliz as 5 am eu já com uniforme ele com uma faca levou tudo dinheiro e CEL, xingando na hora que chegou, foi Deus n fez nada de ruim,perdir o dia de estágio. Parabéns poeta um relato forte que faz parte de muitas de nós 👏👏👏

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    1. Obrigado, Liu, por teres entendido a proposta da postagem de hoje...
      ... não quis ser pesado no texto apenas por ser... há mais coisas que pretendo tratar, assuntos que ainda nem anunciei com este começo de história. Mas era preciso esse começo. A questão ainda vai levar um tempo para ir-se apresentando...
      Pretendo fazer uma postagem por semana deste projeto "Reflexo".
      Super obrigado!

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    2. Pode sim explorar sempre qualquer tema, vamos sempre estar aqui lendo e aprendendo também, a vida eh assim e a realidade pode ser cruel e tem que ser mostrada.

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  3. A situação é triste, mas é real e acontece o tempo todo. Ótimo seu projeto de nos mostrar a realidade da vida, por mais cruel que seja. Muito bom.

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    1. Obrigado, Nice...
      Espero que eu não "perca a mão", e possa ir contando essa história no mesmo ritmo, e apresentando questões que se desdobram a partir de algo trágico assim...
      Mas será uma postagem por semana. Nos outros dias, volto ao 'bora cronicar' para o blogue não ficar pesado!

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    2. Esse alternar de coisas pesadas com a leveza do cronicar, vai ser perfeito, pode crer

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  4. Concordo com o comentário da Eunice. Na verdade, você até foi suave ao "incorporar" a personagem. O assalto, por si só,j deve ser algo muito invasivo, um estupro, então, deve ser algo extremamente asqueroso, entre outros sentimentos degradantes. Você, como um bom escritor, conseguiu captar e mostrar um pouco dessa sensação feminina. Acredito que, por receio em fazer uma narrativa muito forte e pesada, você foi suave, uma forma tão peculiar sua. Avante, meu querido, você pode se dar a esse luxo, parabéns pelo projeto!!!

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    1. Jane, tuas palavras são um incentivo maravilhoso.
      Na verdade, eu precisei tratar desse tema, para, mais tarde, surgir, ainda, uma questão maior que essa (se é que se pode dizer isso!)... era preciso ser a abertura, este texto, para já preparar o leitor, que este projeto "Reflexo" não será um mar de rosas.
      De qualquer maneira, de fato, eu evitei ser chocante apenas por chocar. Muito mais do que descrever a cena em si, minha intenção é sempre deixar espaço para que cada um possa construir o cenário e inserir-se nele de alguma forma...
      Tenho recebido por aqui e também de forma privada (e muito gentil) comentários de toda ordem, inclusive de pessoas que ficaram realmente chocadas (talvez porque não esperassem um texto assim de mim) e que se sentiram desconfortáveis com o projeto.
      Minha pretensão é tentar levar, ainda, o projeto adiante com no maximo uma postagem desse projeto por semana, e ir avançando nas outras questões dramáticas que pretendo abordar... muito mais virá, e acho que abrirei portas para bons debates, boas discussões, sem eu JAMAIS ter a pretensão de querer induzir a uma ou outra posição... enfim, Jane...virão mais questões... virão mais questões...

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  5. Excelente começo. Gostei de verdade. Prossiga, Mestre!
    Vai ser um conto?
    Bem que poderia ser um romance!

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    1. Ainda nao sei.... acho que tenho muitas questões a tratar que não caberão em um conto.....!!

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  6. Então!
    Se não caberão em um conto, é porque ultrapassam. Caberão, pois, em um romance.

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    1. Pois é... mas bora ver se vou saber escrever no ritmo e tamanho de um romance...

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  7. Este deve ser um trauma terrível, uma dor eterna na alma por toda vida terrena. Ela devia fazer um B.O. de ocorrência, apesar de quebrada por dentro e por fora,acho que vai fazer na continuação. E o cidadão com celular quer likes e não tem um pingo de coração, espero não aconteça com alguém amado por ele. Triste realidade dos nossos dias poeta.

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    1. São, de fato, as mazelas dos tempos modernos... onde “likes” parecem mais importantes que abraços....! Tristes mazelas de nossos tempos....!

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  8. A vida tão real e cruel , em certos momentos... Algo para nunca mais esquecer. Gostei da nova forma de cronicar, continue!Parabéns!

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    1. Denise, mil obrigados!! “Reflexo” é um projeto grande, que tenho pensado há algum tempo.... não sei ainda se vou conseguir desenvolver, se não vou “perder a mao”.... mas vou tentar, porque a grande questão dramática aonde nem Foi apresentada.... há muito mais...! Bora ver....!!!!

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  9. Que tema importante que você está abordando. E muito necessário. Essa violência é muito recorrente e por mais que se tem trabalhado contra, ainda é muito pouco. Todos os dias sabemos de casos e mais casos desse tipo. A mulher não é saco de pancadas e muito menos objeto, pra ser usada desse jeito e por qualquer "porco".
    Quando uma mulher é violentada...a violência não alcança só a ela...mas todas nós sentimos a impotência, o medo, a insegurança...a tristeza de ver uma de nós sendo totalmente "arrebentada" em todos os sentidos, e o nosso grito ainda está muito tímido. Mas é isso, Poeta! O seu trabalho, com certeza abrirá muitas mentes e despertará muitas pessoas para, também, comprarem essa briga. "A conciência alargada é a cura da sociedade".

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    1. Obrigado demais, Armelinda... o tema é pesado, mas vou tentar desenvolver... há outras questões a serem postas... também sérias demais... não terei respostas... mas deixarei muitas perguntas!!

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  10. Muito bom, Menna! Parabéns! Gosto do jeito que você escreve. Mesmo um tema pesado é gostoso de ler.

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  11. Seu texto prende a gente na leitura. O assunto é duro e real mas a linguagem é cativante.Parabéns Lico.Nunca deixe de escrever.

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