Bora Cronicar
O Paletó Engordou
O Capítulo Final da “Saga do Paletó"
Tem coisas que é difícil pra mim, hoje em dia. Não porque tenha mudado tanto assim, talvez, mas por causa de como eu vejo as coisas, simplesmente. E eu sei que posso estar errado no meu jeito de ver.
Por exemplo: na escola do meu pequeno João, agora tem prova toda sexta-feira. Daí, que praticamente toda a semana, vira um stress, com a preocupação da prova na sexta! E o guri fica numa rotina de estudos, e, ao mesmo tempo, os 11 anos dele ficam a reclamar atenção para as coisas importantes da vida, como o iPad, o videogame, o ping-pong, e não só essa coisa de estudar. Dai, que nem me lembro se era tão diferente assim no meu tempo, mas eu sei que EU era diferente. Acho que a primeira vez que eu realmente peguei em livros pra estudar, foi pra prestar concurso pro serviço púbico. Nem pro vestibular eu estudei, afinal, a prova era de “x" no lugar certo e eu sempre tive muita fé!
Mas tem umas coisas que eram diferentes. No meu tempo, quando eu estava na sétima e na oitava série (um tempo em que a gente entendia as coisas, havia um primeiro grau com oito séries, um segundo grau com três, e pronto. Ah!, e a gente rodava naquela época, acreditam? Se não tinha aproveitamento, ficava de recuperação enquanto os outros entravam em férias e, se mesmo com a recuperação não desse jeito, a gente simplesmente rodava, repetia o ano e pronto!)… mas eu tava dizendo que havia diferenças. A partir da sétima série, a gente tinha um turno extra em um centro de atividades técnicas (CAT), que depois virou Centro Inter Escolar (CIE), que alunos de todas as escolas iam, e as turmas eram “misturadas" entre as escolas e os alunos integravam-se em aulas como marcenaria, metais, agricultura, noções de escritório, cerâmica, culinária e técnicas domésticas - a gente aprendia a varrer! Isso, aquela coisa de pegar em uma vassoura e varrer, ensinavam isso! Também aprendi a costurar e pregar botões!
Naquele tempo, não existia essa coisa de bullying… ou existia mas não tinha esse nome. O fato é que eu sofri isso. Mas não me deixou traumatizado nem nada. Nunca tive que fazer terapia, pelo menos. O problema, é que eu quase rodei nas matérias de marcenaria e eletricidade. Na marcenaria, o máximo que eu consegui, pra não repetir o ano, foi fazer uma tábua de bater bife pra mãe (que ela, pra agradar o filho, deve ter usado uma ou duas vezes), e um porta guardanapos… que eu tive realmente que explicar pra mãe que era um porta guardanapos, porque parecia três pedaços de madeira muito mal pregados por sinal. E na aula de eletricidade, eu lembro que a primeira coisa que o professor falou, na sua aula inicial foi que em dezesseis anos de magistério dele naquela matéria, jamais um aluno havia levado um choque. Eu levei dois! Acho que ele ficou traumatizado com isso!
Mas se você está-se perguntando se foi por isso que eu teria sofrido o bullying, eu respondo: não! Na verdade (acabo de suspirar) eu sofri o bullying porque tirei nota 10 em cerâmica e em técnicas domésticas. Daí, teve uma vez que na aula de agricultura, cada um tinha um canteiro próprio, e, depois de ter ido mal em marcenaria e eletricidade e bem em cerâmica e técnicas domésticas, eu tava fazendo o maior esforço na aula de agricultura, minha última chance de ir bem nessas tarefas mais brutas. Eu me dediquei muito ao meu canteiro. No final do semestre, quando fomos colher nossa plantação, a minha até que tava bem bonita… eu achei que tudo seria diferente… Mas foi daí que tinha o Ladimir! O Ladimir era um guri da zona rural da minha bela, querida, saudosa, distante e lendária Santo Antônio da Patrulha. E quando cada um da turma foi visitar o canteiro do outro, o do Ladimir tava um arraso. Minha alface parecia uma folha de trevo perto da alface do Ladimir, por mais que a mãe tenha comido e jurado que foi a melhor alface que ela comeu na vida!
Por que eu lembrei disso tudo e do Ladimir? Já conto em seguida! Antes, quero falar da Iracecília!
A Irá (como chamamos na intimidade) trabalha comigo e é dessas pessoas iluminadas para fazer os outros se reconciliarem. Ela é conciliadora judicial e é dessas pessoas que a gente nunca vê falando alto, ou fazendo uma piada de mau gosto. Ela tem aquele dom (ou defeito) de sempre olhar tudo pelo melhor ângulo.
Foi daí, que, na sexta-feira, um dia antes da prova final do paletó, eu com a fome que meu regime proporcionava, quase entrando em crise de abstinência cada vez que eu via a Lola pelos corredores sem trazer guloseimas, veio a Irá:
— Toma, doutor, pro senhor fazer um lanchinho!
Era uma cheirosa maravilha da indústria de alimentos desnecessários, uma Club Social recheada… de chocolate! Ai meu Deus. Pareceu sabotagem. Mas eu me segurei. Pra provar que sou mais forte que meus instintos, deixei o pacote de bolachas ali, olhado pra mim, bem em cima da minha mesa. Decidido que, quinta-feira, eu, sem nem ao menos dar chance de o pacote decifrar-me, devora-lo-ei!
Cheguei em casa, na sexta, depois do trabalho, orgulhoso de mim mesmo. Fui pra pesagem: 80 kg. O paletó foi feito quando eu tinha entre 76 e 78 kg. Veio o sábado. O grande dia. Começo pela academia, com a personal / formanda, decidida a fazer-me entrar no paletó, afinal, ela havia investido alto em cada convite, e eu que não ousasse não entrar no paletó. Suei bicas sob a rígida orientação da Camila.
Dia tenso, de poucos sabores. Um quase jejum. Chegou a hora. A prova final.
Não sei se contei, mas é claro que, em se tratando de Ana Karina, havia um plano B. Eu tenho um paletó um pouco mais folgado, mas não é o paletó feito sob medida, que ela queria que eu entrasse! Mas estava ali, o plano B. Como o plano B era bem mais antigo, estava com o plástico da lavanderia, porque é claro que a Ana mandou lavar e deixar impecável, em caso de uma emergência.
Banho.
Pesagem final: 79,6 kg. Uma incógnita no ar. Talvez um caso de emergência.
Com medo do resultado, ansiosos e nervosos, decidimos que eu provaria primeiro o plano B, só pra garantir. Lá fui… pânico: o paletó encolheu! Estava apertado. Talvez mais que o plano A. Não restava mais o que fazer. Era o tudo ou nada. Decidido, comecei:
Roupa de baixo. Perfume. Camisa. Calças… mas sem fechar, porque eu colocaria primeiro o sapato. Tinha medo de que não conseguisse me abaixar pra amarrar o cadarço caso ficasse muito apertado. Sapatos amarrados. É agora. E…
Fechou! Estava dentro! Respirando! Dei voltas pelo quarto! Alívio e sorrisos!
Agora, ao som de “we are the champions”, dei o nó na gravata! Nó duplo, elegante, como o pai ensinou-me! Ficou lindo. Visto o casaco do paletó e vou abotoar os dois botões superiores do total de três, como manda a boa etiqueta… e… o inesperado, o imponderável, o pânico nos olhos da Ana, quando tento fechar:
Os botões estão despregando! Meu Deus, depois de tudo, os botões estão caindo! Tanta preocupação com as calças, com o regime, com tudo, e os botões estão caindo!
Eu vi a expressão de pânico no rosto da Ana. Sozinhos em casa, 22h, onde conseguiremos uma costureira?
Eu sorri. Ela não entendeu. Eu disse:
— Traga-me linha e agulha.
Ela o fez, mais por estar em estado de choque, do que por qualquer entendimento.
Eu peguei a linha, agulha, os botões quase caindo, e em cinco minutos, tudo estava perfeito, com furos cirúrgicos no paletó, com os furos do botão em paralelos perfeitos, e a distância exata da borda.
Eu tire 10 em técnicas domésticas. Chupa essa, Ladimir!
Luís Augusto Menna Barreto
7.3.2019
Finalmente, o prêmio!
ResponderExcluirCom direito a suspense e a trilha sonora.
Mas, como tudo o que aprendemos na vida , um dia poderá nos servir, a recompensa: a guerra dos botões também vencida.
De parabéns estás, poeta, como também a Ana, a personal e os amigos que colaboraram.
Dá pra dizer mesmo, com ar de superioridade: "Chupa, Ladimir!"
Maria Zélia, minha amiga!!
ExcluirObrigado por vires cronicar cedinho!!
Mesmo nao aparecendo teu nome, o Twitter dedurou a autoria deste teu comentário!! rsrsrsrs
Super obrigado!
Gostaria de ver a cara do Ladimir engolindo essa derrota. Esta vitória que lhe caiu no colo depois de tantos anos vem confirmar que tudo tem a sua hora certa pra acontecer e esperança é a última que morre. Na verdade essa vitória pertence a querida Ana que de maneira bem coronelistica, moveu céus e terras e servidores sabotadores de dietas conseguindo dar um final perfeito a Saga do Paletó. Já levei o meu puxão de orelha e já entendi o porquê....
ResponderExcluirNao existe mais o plano B.
rsrsrsrsrs..... e nem vamos contar pra ninguém que hoje tu trouxeste um potes de amendoins caramelados!!!!!!!!!!!!
Excluirhmmmmmm!!!!!!!!!!! shhhh!
Ufa...Suspense... aqui cabia até uma trilha sonora...eu nem respirava com os olhos grudados no monitor...
ResponderExcluirParabéns poeta e a todos os envolvidos...Eu sabia que iria conseguir...Bom muito bom!
O susto final, com os botões caindo, foram a cereja do bolo. Imagina se eu tivesse levado bomba em técnicas domésticas??!!
ExcluirSuper obrigado por teres vindo cronicar com a gente, Maura!
Parabéns pelo sucesso da luta! E a SAGA do paletó teve um final feliz!
ResponderExcluirEnquanto eu recebia essa brisa mansa de letras dessa tua dimensão literária, degustava um sabor de saudades de um tempo que "o vento levou"...!!!
ah....... nem fala. É super bom relembrar, né? É preciso viver direito... porque o tempo é de mão única. A gente não tem direito a voltar e corrigir... Mas relembrar é bom...!
ExcluirObrigado, Armelinda, pelo teu carinho sempre presente... Eu fico sempre feliz demais quando apareces pra cronicar!
Nooooossa, que tensão foi essa poeta de Deus, isso é que eu digo, gol de virada, aos 45 do segundo tempo rsrsrs Tua narrativa, tão bem feita, me fez sentir sua tensão, medo, preocupação e finalmente a alegria de ver que a luta dera certo, aleluia. A comprovação de que aprendeu a pregar botão, lá no passado, foi maravilhosa, cheguei a "ver" um riso de vitória no seu rosto e de surpresa no da Ana. Muito boa a cronicar de hoje, amei o desfecho dessa saga, que com ela vieram boas lembranças de seu tempo de estudante.
ResponderExcluirBah... eu quase nem lembrava, e isso ajudou a eu próprio reviver de um jeito bom. Lembrei de vários outros colegas que nem citei. Bate aquela nostalgia e vontade de saber de suas vidas, vontade de fechar os olhos e voltar lá...
ExcluirÉ bom olhar pra trás e ver que de tudo, o que realmente sobrou foram sorrisos e boas lembranças...!
Obrigado, amiga NIce!!
Grande vitória da equipe com the end dos botões. Jóia. Sobre as séries do estudo no meu tempo era mais rápido - Primário, Ginásio e Científico (5,4 e 3 anos). Tb ficava em segunda época e reprovava. Sendo que no meu colégio até a época do ginásio não podia nem ficar em segunda época tinha que sair do Colégio. Só pra ter uma idéia no ginásio eram 13 disciplinas. Só pra terem uma idéia. Português Matemática Inglês Francês Latim Desenho Trabalhos Manuais Historia do Brasil História Geral Geografia do Brasil Canto Ofeonico Religião com terço diário e Educação Física. Depois somava todas as notas mensais dividia pelo numero de disciplinas e formatava a nota final do mes para aferir a classificação. Tinha prêmios até o quinto lugar.Mas a tarde era estudo dirigido do ministrado pela manhã das 14 as 15 hs e depois soltavam a galera pra praticar esportes a vontade até as 18 hs. Todo mundo gostava os pais adoravam a molequada ovupada o dia inteiro. Amigo os meus ternos A e B estão ok..... mandei abrir atrás. Há Há Há. Você pode fazer o mesmo, lá tem sobra de pano.Mas no domingo você tava com tudo no churrasco, pão de alho e sobremesa. Te entreguei.
ResponderExcluirDomingo fui à forra!!!! Mas a Camila já me pegou na segunda e na quarta!!!🤦🏻♂️🤦🏻♂️!!!!!
ExcluirQue delicia de tempos de estudante.....!!! Obrigado, amigão!!
Faltou uma disciplina Geografia Geral com disputa de capitais dos países do mundo. Religião e Comportamento não valiam nota.
ResponderExcluirNo meu tempo tinha OSPB!!!!!!!😬😅
ExcluirAh, que maravilha, sempre conseguimos uma solução para até as coisas mais simples. Adoro a maneira com que escreves, o suspense , até eu já estava aflita com o famoso paletó! Todas as coisas que aprendemos um dia nos servirão para alguma coisa, acho que esse é o ponto primordial da educação. E parabéns prá ti, pois eu fui um fracasso nas técnicas domésticas ! rsrs
ResponderExcluirMas digas aí: como foste em marcenaria???
Excluir😂🤣
Super obrigado, Denise!!!! Bora cronicar!!!
Nossa!!Que tensao pro final do episódio,ainda bem que( aos trancos e barrancos) deu tudo certo!!! Tá vendo Ladimir?? Não é todo mundo que aos 45 do segundo tempo consegue colocar os botões caídos nos devidos lugar!!! Tá de parabéns!!!😆😆
ResponderExcluirE não é...?!! E pensa na classe que ficaram os botões: os furos do botão estão em perfeito paralelo entre o segundo e terceiro botões, a distância milimetricamente medida da borda do paletó, a folga para entrar suavemente na casa do botão, estava cirurgicamente medida... praticamente uma obra de arte digna de Karl Lagerfeld, falecido em 19 de fevereiro deste ano... (que todos os que apreciam a Chanel, prestem sua homenagem)...!
ExcluirTensão*
ResponderExcluirHahaha
ResponderExcluirAdorei a comparação com o Karl Lagerfeld...😁
Tirando a própria Coco, foi o único que estaria à altura da comparação 😅😂😁
ExcluirTeu modo de ver as coisas sempre será o modo poético... Que tem a ver com esses tempos que viram crônicas... Onde era preciso aprender as coisas que resolviam a vida. Mas hoje não. Hoje as crianças vão ser cientistas, astronautas, presidentes, celebridades... Mas isso é de cada tempo... Não é mesmo?!
ResponderExcluirMas o resultado desta crônica de hoje mostra quantos talentos, hein? ! Crônicar realmente é teu forte.
Ah! Mas cuidado... Não exagera na forra!
Ah...!, Silvia.... nem sei se hoje entraria no paletó novamente....!!!😁😁
ExcluirMaravilhosa crônica, ri demais do trauma que vc causou ao professor de eletricidade e aplausos a nota excelente em técnicas domésticas e parabéns por ter conseguido que o paletó engordasse. Bjos amigo.
ResponderExcluirRsrsrsrs Não foi fácil engordar o paleto!!!! Muita dedicação!!!! Mas acho que ele já emagreceu...!!!! Rsrsrsrs!!! Como é bom ver-te aqui, Tel!!!!!!
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