Bora Cronicar
Sem Medida
Aurora olhou no relógio daquela imensa cozinha e vira: 17h25. Teria, ainda, 35 minutos para terminar as batatas sautées que acompanhariam o Confit de Canard no jantar da senhora Carmem. A entrada já estava preparada e Aurora tinha certeza que os convidados adorariam o Steake Tartare banhado em conhaque Courvoisier.
Dez minutos antes das 18h, chegaria Tânia, colocaria o avental e substituiria Aurora tendo como primeira tarefa, por a mesa para o jantar de oito talheres.
Tânia havia acordado às 7h, mesmo depois de chegar em casa à 1 hora da madrugada após sair à meia noite da casa da senhora Carmem, e ter esperado por 15 minutos o ônibus no ponto que fica quase um quilômetro distante. Acordara e fizera o café dos dois filhos, aprontara-os para a escola e, às 7h45 estava caminhando com os filhos pelos 5 quarteirões até a escola. Depois voltara, acordara o marido, arrumara a casa e lavara a roupa das crianças. Às 12h45, buscara as crianças na escola e, depois de uma rápida oração, os três almoçaram o feijão, arroz, e purê de batatas. As crianças brincaram e sorriram satisfeitas ao terminar a comida e finalmente poder tomar o copo de Tang de laranja, bebida especial de todas as sextas-feiras. Ao mesmo momento, o marido estava sentado na pilha de tijolos na construção onde trabalhava e saboreava a comida da marmita, delicadamente preparada por Tânia. Então, ele pegou o celular com a tela rachada enviou a mensagem por WhatsApp: um emoji com a língua no canto da boca, que simboliza uma deliciosa refeição. E vendo as crianças sorrindo e tendo recebido a mensagem, Tânia havia pensado o quanto era feliz tendo pessoas que amava a sua volta.
Assim que chegou no emprego, Tânia vestiu o avental, viu o que Aurora já havia feito e soube, então, de onde começar. Ao despedir-se de sua colega de trabalho, Tânia, em ar de cumplicidade, falando baixinho - única forma permitida de falar naquela casa - perguntou à Aurora: “é hoje?”
Aurora sorriu, e, ainda tímida, levantou os ombros… escapou-lhe um “acho que sim!”
Aurora apressou-se para o ponto de ônibus e já fazia os planos de chegar em casa, arrumar-se, colocar aquele perfume maravilhoso que ganhou da senhora Carmem, ainda com algumas gotas, e que havia prometido colocar em uma ocasião especial.
Marcos estava na “última volta” do ônibus que conduzia e, mesmo com todo o normal stress do trânsito em uma capital, não houve o que lhe tirasse o sorriso do rosto: iria levar Aurora pela primeira vez ao cinema. Escolheu um filme brasileiro, porque ficou com medo de não conseguir ler as legendas. Estava nervoso, mas inevitavelmente feliz!
À noite, os seis convidados da senhora Carmem e seu marido, chegaram pontualmente às 19h30. O Jantar fora impecável. Os pratos servidos estavam divinos: Autora era, realmente, uma excelente cozinheira, e Tânia havia servido de forma espetacular. A senhora Carmem sorrira e, depois de os convidados já se terem ido, depois de dispensar Tânia, enquanto despia o kimono de seda e deitava no lençol Milleluci de 1000 fios, comprados em Milão por 2 mil euros, pensou o quanto fora agradável a noite e o quanto era feliz em sua vida, com pessoas de boa vontade a sua volta. Pensava ser uma pessoa justa e sentia que tratava bem a todos. Sim, Carmem estava feliz e realizada pela perfeição de mais um jantar oferecido.
Ao mesmo tempo, Aurora e Marcos comiam um cachorro quente, na carrocinha próxima ao cinema. Depois, ele a levou de ônibus até sua casa. E beijaram-se à porta. Um beijo como os beijos devem ser. Que diz muito mais do que saberiam dizer com palavras. Um primeiro beijo, afinal!
E Aurora sentia-se feliz como nunca estivera.
Marcos, mesmo sabendo que teria dois ônibus pela frente antes de chegar em casa, na periferia, agradecera silenciosamente a sua sorte e o quanto a felicidade lhe sorrira. Fora uma noite perfeita.
Quando Tânia finalmente chegou em casa e deitou-se, sentiu o marido virar-se para seu lado e abraçar-lhe, mesmo dormindo. Começava uma chuva fraca lá fora e ela podia ouvir os pingos na janela. Ela rezou em silêncio. Era uma oração de agradecimento e o pedido que Deus permitisse que sua vida fosse sempre feliz assim.
Tânia achou-se a mulher mais feliz do mundo.
Aurora achou-se a mulher mais feliz do mundo.
Carmem achou-se a mulher mais feliz do mundo.
Jamais haveria uma régua que oferecesse a medida entre elas.
De alguma forma, as três estavam certas.
De alguma forma diferente e perfeita, Deus planta a felicidade sem medir nossas posses ou nossos corações!
Luís Augusto Menna Barreto
18.3.2019
Perfeito!!
ResponderExcluirFelicidade é estado de espírito!!
Simples assim...Sem jamais usarmos como referência de medida,posses, situação financeira,o trabalho...Enfim...Cada um é feliz com o que lhes é possível, só precisa enxergar a vida por essa ótica...
Amei a crônica!!
Super obrigado, Michele. Eu acredito nisso. A todos nós é dada a possibilidade de sermos felizes. Se felicidade dependesse de algo material, tão poucos a teriam... felicidade é, quase sempre, de dentro pra fora!
ExcluirSuper obrigado por vires cronicar!
Maravilha!!!
ResponderExcluirO motivo da felicidade de um difere do outro! Posso ser feliz com pouco e, o outro precizar de muito mais! Deus é incrível, criou cada ser com sua peculiaridade única!
Bom dia, Poeta!
Parabéns pelo TEATRO!!!
Ah, Armelinda... Eu acho exatamente isso. Se a gente entendesse isso, veria que jamais seria preciso a inveja... Deus provê o que precisamos ("olhai os lírios do campo"). Deus sempre nos dá condições de sermos felizes. Precisamos confiar e estarmos atentos...!
ExcluirCorrigindo: precisar*
ResponderExcluirFelicidade é um estado de espírito, estar satisfeito com o que se tem e jamais lamentar pelo que não se tem é a regra do bem viver. Adorei essas histórias tão bem "cronometradas" por assim dizer. Lindo o cronicar de hoje, como sempre.
ResponderExcluirAmiga Nice... sempre maravilhoso encontrar-te aqui, e receber essa gentileza toda! Realmente... felicidade de verdade, depende nada do que se tem... depende de como se sente... de como somos em relação à vida que nos é permitida que nos é dada e mesmo a vida que construímos.
ExcluirA idéia da crônica é que a felicidade de Carmem, milionária, tem tanta legitimidade quanto a felicidade de Tânia ou Aurora. Deus não olha pra fora... olha pra dentro!
Ele sentou com coletores de impostos. E com quem nada tinha. Curou leprosos... e salvou empregado de um homem de posses que sequer achou-se digno que Jesus entrasse em sua casa. Sempre foi o coração que importou!
Obrigado, Nice!
Deus solda os corações!Jamais contas bancárias!Aos merecedores á benção diária!Que bom que esse foi um final de noite feliz!
ResponderExcluirAcho que voce entendeu!
Assim espero!
Entendi sim, Ana. E é exatamente isso: Senhor, eu sei que tu me sondas!
ExcluirE quando o salmo refere isso, nos primeiros versos, refere-se ao coração. Sempre ao coração e como a gente vê a vida com o coração que temos!
Super obrigado, Ana!
A felicidade muitas vezes está em fazer tudo com amor. Cada um vive feliz a sua maneira e dentro de suas possibilidades! Linda crônica Menna.
ResponderExcluir... e acho que a palavra é essa: amor! Fazer tudo com amor!!
ExcluirNossa, que lindo...Eu me emociono com tanta doçura. Talvez o ponto comum entre estas três mulheres é que elas conseguiram olhar com gratidão para as coisas que aconteciam. Gratidão é tudo...
ResponderExcluirA gratidão é irmã da generosidade.... e essas duas virtudes fazem ser feliz!!!!
ExcluirDeus no comando “sempre”.
ResponderExcluirMarco, super obrigado!!! É exatamente isso: Deus no comando sempre!!!!! Nó que às vezes, mesmo conhecendo os comandos, não os obedecemos....!
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