terça-feira, 12 de março de 2019

bora cronicar - Deixa Que Eu Pego

Bora Cronicar

Deixa Que Eu Pego

— Deixa que eu pego.
Era comum ouvir o Antônio dizer isso, e logo ver seus movimentos ágeis e precisos para executar a tarefa. No caso do “deixa que eu pego” acima, era um grampeador. 
Estávamos todos nós em uma reunião no Bamerindus do Brasil, lá no início da década de noventa, e o Antônio estava lá: relativamente perto do gerente geral da agência centro, a maior entre as mais de dez agências do Banco Bamerindus em Porto Alegre. Sempre de terno e gravata. Sapatos lustrados. Gravata alinhada, presa num prendedor de gravata dourado do qual ele se orgulhava, como vários gerentes, sem a noção de que a Cláudia Matarazzo reviraria os olhos se alguém treinado por ela em etiqueta ousasse usar um daqueles. Ou qualquer prendedor de gravata, na verdade. 
Mas lá estava ele! Com o nó duplo na gravata, mãos nos bolsos, esbanjando confiança. Olhar atendo a todos. Como ele sempre dava um jeito de ficar perto do gerente geral, sempre olhava para quase todos os demais funcionários, de frente, quase encarando-os. Atento como um cão de guarda. Então, quando o gerente geral, durante sua explanação deu por falta de um grampeador, o Antônio apressou-se como nenhum outro:
— Deixa que eu pego. 
E em segundos, havia um grampeador.
Teve uma vez, em Marajó City, que eu lembrei do Antônio. Eu estava em um Termo Judiciário, município que não era sede de comarca, e que eu tinha de viajar três horas em um barco não muito grande, ou uma hora em uma voadeira (aquelas lanchas pequenas e relativamente velozes) para sair da cidade onde eu era titular e atender ao Termo Judiciário. Pois chegando lá, depois de boas horas balançando na rede do barco a motor Arco Íris, logo na primeira audiência já havia uma quase confusão: era muita gente para a pequena sala de audiências que virava atração quando em funcionamento, porque havia uma grande janela de vidro e as cortinas eram pequenas demais para tapar toda a janela. Uma vez eu cheguei a comentar:
— Essas cortinas são pequenas. Deveriam ter feito cortinas maiores.
— Não doutor, — disse-me o Marreta, secretário do Termo — a janela é que foi feita muito grande.
Era a lógica do Marajó, afinal. 
Mas, enfim, eu estava dizendo que eu lembrei do Antônio, naquela audiência lá no Marajó. Era muita gente para a sala pequena: cinco pessoas, para quatro cadeiras. Foi que então eu comentei:
— Vai faltar uma cadeira.
Nada. Nadinhas. Ninguém se mexeu. Tentei de novo.
— Falta uma cadeira. 
Nada. Fui direto:
— Marreta, por favor, pegue uma cadeira em outra sala!
O Marreta, prestativo que era, não teve dúvidas:
— Nik (esse não é apelido, é nome mesmo!), pega uma cadeira pro doutor!
O Nik era o auxiliar judiciário do Termo, o “número 2” por lá. Foi então que o Nik tomou uma atitude:
— Goela, pega uma cadeira pro doutor.
O Goela olhou para os lados e na sala não havia mais ninguém. Eu até fiquei curioso, porque o Goela saiu apressado. Fiquei surpreso ao ver o Goela, que normalmente apronta alguma, indo pegar uma cadeira obedecendo simplesmente ao Nik.
Alguns segundos depois, o Goela voltou para a sala de audiências, sem a cadeira. Mas com o Régua. Assim que o Régua entrou na sala, o Goela falou:
— Régua, vai buscar uma cadeira para o doutor!
O Régua foi. O Régua era o estagiário local. Não havia ninguém abaixo dele.
Foi daí que lembrei do Antônio. O Antônio não era gerente. O Antônio era estagiário. Mas fazia questão de ir trabalhar de paletó. E ele estava sempre atento. Quando notava que algum dos gerentes precisava de algo, ele se apressava em pegar. Se chegavam três clientes para atendimento por algum gerente em mesas que por padrão tinham apenas duas cadeiras, antes que pedissem, o Antônio aparecia com uma. 
Era servil? Não. Era esperto e orgulhoso! Não esperava a cadeia de comando e, antecipando-se a uma ordem, o que ele fazia aparentava gentileza e prestatividade. Havia clientes importantes do banco, que juravam que o Antônio era gerente ou sub gerente. Alguns clientes ligavam para o banco e resolviam diretamente com o Antônio. 
Lá no Marajó, sem essa esperteza do Antônio, ficou clara a cadeia de comando! O Goela, por orgulho, não se contentou em buscar a cadeira. Preferiu ter mais trabalho e chamar o estagiário, para mostrar alguma autoridade. 
Pois dias atrás, lembrei do Antônio novamente. 
Um casal de amigos veio visitar-nos com um filho. Como estava uma noite agradável, a Ana sugeriu que fôssemos para a sacada do apartamento. Ela comentou:
— Ah, mas vai precisar de mais uma cadeira.
Eu me apressei e peguei! 
Afinal, não tem porquê colocar em dúvida quem manda aqui em casa, né?!

Luís Augusto Menna Barreto

18.2.2019

27 comentários:

  1. "Manda quem pode e obedece quem tem juízo". rsrsrs
    Mas no Marajó a coisa é diferente?!!!

    Bom dia, Poeta!
    Bom dia para todos!
    E bora cronicar, pois o dia já raiou!

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    1. Boooooora!!!
      E “gentileza”, evita desconfortos de conflito de autoridade , né?! Nada como ser cavalheiro também em casa...!!!!😂🤣

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  2. Gente!!O Goela!!!Não perdeu mesmo a oportunidade de mostrar "autoridade"...Rsrsrs
    E claro Poeta,jamais coloquem em dúvida quem 'mandamos' na casa😅😅😅

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    1. ... nem quem ‘fazemos’ gentileza!!!😅😅😅
      Nada como uma sementinha de dúvida... que graça teríamos na certeza???

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  3. Adoroooo essas histórias baseadas em fatos reais, o comportamento em algumas pessoas e totalmente previsível e em outras ficamos a mercê do que o dito cujo vai fazer ou como vai resolver e esse olhar sagaz e poético com que o Sr. descreve os fatos é fantástico, nada passa corriqueiramente.

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    1. Lola... nem sei mais o que te dizer... teus comentários são como teus cafés... inevitavelmente agradáveis...!!!
      E eu acho um barato isso, de pegar alguns fatos corriqueiros e a gente conversar um pouco sobre eles. Até o simples da vida rende boas conversas, né...?!

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  4. Gentileza gera gentileza,não custa nada mas para alguns custa muito, aliás , tive uma colega que sempre que era pedido alguma coisa ela dizia" Não me Custa" , mas ela nunca queria fazer então o apelido virou esse. rsrs Eu gosto mesmo é de gente como o Antonio, pessoas que transformam o nosso dia com pequenos gestos.

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    1. O Antônio era um batalhador. Usou a gentileza como arma. E eu acho que a gentileza é uma arma poderosa... uma incrível arma de desarmar...! Desarma raivas, desarma tensões, desarma desamor...
      Bora cronicar com gentileza!!!!
      Obrigado, Denise!

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  5. Os maldosos e as línguas ferinas diriam que o Antônio é um tremendo puxa saco, digo isso porquê ja ouvi muitos comentários em razão de um simples café, mas, ao contrário do nosso já querido Antônio, eu já me intitulo antecipadamente de puxa saco e desarmo o povo de língua mais aguçada, acho até engraçadas as reações causadas com esse meu comportamento, no final das contas eu é que fico feliz 😆

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    1. Viste só??? Gentileza gera gentileza.... e felicidade!!!!
      Tu és muito especial, Lola, e eu, um privilegiado por ter uma amiga como tu!!!!

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  6. Amigo existem pessoas que fazem o bem sem maiores interesses. Dizem que eles fazem aquilo sem esperar retorno. Apenas juntam talentos para a eternidade.

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    1. Amém, amigão! E terão a recompensa. Porque quantos mais talentos juntar mais será dado. Àquele que não juntar, até o que não tem, ser-lhe-á tirado.

      No meu caso, a gentileza foi para evitar ter de expor minha autoridade, poderia pegar mal pra Ana, né?!!!! rsrsrsrsrsrsrsrs

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  7. Boa tarde, ah poeta como é bom estar perto de pessoas gentis e educadas, o mundo precisa de mais pessoas como "Antonio" e mais maridos como "Menna", Ana e João são muito felizes por ter vc.Quanto ao Marajo, rindo da atitude do Goela e das janelas grandes para as cortinas e não o contrário, sempre muito engraçada toda crônica de Marajo City.

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    1. Tel, eu tava morrendo de saudade de Marajó City... e com essa crônica acerca das gentilezas do Antônio, que com isso driblava a autoridade imposta, eu tive oportunidade de revisitar o mundo do Marajó City, sem perder o ritmo do 'bora cronicar'.
      Eu tenho ficado imensamente feliz que velhos amigos estão voltando aqui pro blogue ao mesmo tempo que novos chegam!!
      Mil obrigados, Tel!!!!!!

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  8. Esse "deixa que eu pego" às vezes é interpretado como puxa saquismo, dependendo de quem esteja precisando de algo, no caso Antônio, era a figura mais importante do banco. Qto a situação lá no Marajó, TODOS, querem mostrar que tem subalternos e devem ser obedecidos, ri muito com a atitude do Goela, trazer o Régua(adorei esse apelido, como gosto de todos os outros ) só pra mostrar sua autoridade kkkkkkkkkkkkk Tava com saudades dos casos ocorridos no Marajó City. Adorei.

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    1. Eu também estava com uma saudade imensa de Marajó City!!!!! O “Régua” é porque quando ele andava de moto, ficava todo ereto, sem fazer a tradicional “corcunda” dos motoqueiros! Daí, como ele andava “reto como a régua”, virou o régua!!!!!
      E o que dizer da janela que foi feita grande demais pra cortina??!!!!!😅😂🤣

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  9. Conheci o Nik (pessoa) e conheci o Goela (pessoa). Portanto, juro por Deus que não me refiro a eles.

    Pessoa é pessoa; personagem é personagem. Essa é uma velha contenda nossa, não é escritor? Há o autor e, às vezes, o autor-personagem. Bem, mas isso aí é outra discussão, para uma outra hora.

    Vamos então à questão que interessa agora!

    Quero aproveitar as personagens para falar sobre a SÍNDROME DE PEQUENAS ALTURAS. Tal síndrome é uma das mais perigosas e, estranhamente, muito comum. É de uma antipatia exacerbante! Foi isso que a atitude das PERSONAGENS, lá da sala de audiência, fizeram-me enxergar.

    Porém essa "doença" tem cura. E o remédio é um bom esfregão de realidade na cara.

    Ah! Outra coisa:
    em minha terra, homem que é mandado por mulher é chamado de CAMISOLÃO. E entre os meus amigos (e eu tenho muito mais amigos que amigas) quase todos são. Alguns são camisolões, assim como você, meu querido amigo, que é um CAMISOLÃO ASSUMIDO; outros se disfarçam. Mas dá um trabalho...

    Abração cheio de carinho!


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    1. 😅🤣😂
      Assumir dói menos!!! E é uma questão de comodismo! Qualquer disputa pelo poder iria consumir muito de mim... e com chance enooooooooooorme de perder! Então, pra quê, né? É só assumir e pronto!!!! 🤣😂

      E, que bom que tu conheceste mesmo essas pessoas / personagens!!! Eu não invento as historias.... uma ou outra rara vez, uso de licença poética .... mas não invento!!!😁😁😂

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  10. Inventa.

    Literatura é isso. É como uma colcha de retalhos da realidade, costurados com fios de ficção. A estes fios e aos preenchimentos das lacunas com elementos imaginários você chama de "licenças poéticas". Tudo bem! Dá quase na mesma coisa. Quase! Não na nesma.

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    1. 🤔..... oooooolha....!!!
      Se tu disseres que eu INVENTO, então vou tomar como um baita elogio, porque acho que seria muito bom o cara que conseguisse inventar isso!!!!😁😁

      Mas tu mesma viste meu processo de criação quando, justamente em uma das ilhas de Marajó City, enquanto tu, escritora, ministravas maravilhosa palestra, eu escrevi a crônica com teu tema: “Tudo é Texto”!!!

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  11. Muito oportuno o comentário da escritora Ana Macedo. Fico a pensar nas observações que ela fez a respeito da SÍNDROME DE PEQUENAS ALTURAS. Seria a necessidade, vontade, que alguém possa ter, de, na escala da hierarquia de funções, mostrar que ocupa cargo ou tarefa mais elevada? Ter autoridade, mandar em alguém?
     Quando, logo cedo, fiz o meu comentário sobre a crônica de hoje, chamei os personagens da sala de audiência de preguiçosos, e que terceirizavam as tarefas. Juro que fiquei com abuso deles porque, ao contrário de Antonio, não se dispunham a fazer uma gentileza de pegar uma simples cadeira para o Doutor.
    Tudo isso faz parte do meu desconhecimento sobre essa questão. Mas quero aprender.
    Quanto ao apelido de Camisolão, aqui na região Nordeste chamamos de Manicaca, Boca-aberta..
    É triste, né
    poeta? Mas o jeito é encarar... e achar graça.
    Rsrsrs.

    Melhor ser Manicaca, poeta, do que um marido ruim.

    Maria Zélia.

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  12. Maria Zélia! Adoro teu nome. Depois te conto porquê. É que se for falar agora, vou chorar.

    De que lugar do Nordeste você é, Maria Zélia?

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  13. Que bom falar contigo, escritora Ana.
    Sou do Rio Grande do Norte, Natal.Nascida no meio rural do interior do Estado -Caicó.
    Viste que fiquei com duvidas e gostaria muito de esclarecê-las. Tive vontade de consultá-la mas me encabulei.
    Posso te seguir no Twitter?

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  14. Não tenho twitter, Maria Zélia
    Meu e-mail é:
    anairmacedo@hotmail.com

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    1. Tá bem,Ana.
      Tens o mesmo nome da minha mãe.
      Eu mandarei, em breve, um email pra ti.
      Abraço.
      mzeliafernandes1@yahoo.com.br

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  15. Olá! Hoje me demorei. Desde ontem... Só agora encontrei jeito e caminho. Sempre gosto dos escritores deste cronista. Principalmente são licença poética. Mas a título de informação, aqui no Pará chamamos marido bonzinho assim de CANOA. Um fenômeno bem antigo... Ocorre desde os tempos iniciais de Adão e Eva. Natural.

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    1. Guria!!!! Só agora quero teu comentário!!!!
      Perdoa a demora em responder!!!!
      Mil obrigados por teres vindo cronicar!!!!

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