Bora Cronicar
O Rodízio, a Neta e a Filha
Hoje vou só contar uma história curtinha. Mais uma de Marajó City, e, perdoem-me, novamente envolvendo curiosidades com nomes.
Outro dia, eu falei que embora seja comum nomes masculinos com “Netos”, ou seja, os pais homenageiam um dos avós da criança que está nascendo, com o nome do avô desta, com “Netas" é bem mais raro. Daí, o fulaninho ou fulaninha herda o nome pronto acrescido de “Neto” ou "Neta".
Pois estava eu em mais um dia de rotina de audiências… peraí! Vou refazer a frase. Estava eu em mais um dia de audiências (no Marajó, dia de audiências nunca é rotina!) E o Goela fez o pregão:
— Neta, Filha, bora pra audiência… Rodízio, entra pra levar farelo!
Até aí, tudo normal. Três pessoas, nenhuma chamada pelo nome próprio!
A ação era de pedido de alimentos. Infelizmente comum. O incomum foi quando eu li que a Neta estava representando a Filha. Como assim? Seguinte: resumindo, quando alguém é incapaz, precisa ser representado para poder ser parte em uma ação judicial. Assim, naturalmente, por exemplo, os pais representam os filhos menores. Daí que toda hora, uma mãe ou um pai, representa uma filha ou filho. Filhos, eventualmente representarem pais, também não é tão incomum, porque ocorre muitas vezes de o pai ou mãe serem pessoas idosas, e por não terem mais condições de saúde, serem interditados por algum motivo e, então, os filhos os representam.
Mas eu confesso que fiquei intrigado quando li a Neta representando a Filha e, na verdade, entraram na sala uma mulher que aparentava no máximo vinte e cinco anos e uma garotinha que não teria mais de oito. Fiz o que aprendi depois de muitos micos: fiquei quieto esperando pra ver se entendo no decorrer da audiência.
Entendi. Vou resumir: o caboclo Rodízio recebeu este apelido porque certamente tinha algum defeito de cromossomos. Acho que ele não tinha o tal do cromossomo “y”. Era um caboclo de uns quase sessenta anos e tinha mais de quinze filhos… quer dizer, filhas! Sério! A história é a seguinte:
Rodízio era um homem desesperado pra ter um filho. Dizem que desde a juventude, fazia planos de ter um filho homem pra deixar seu pedaço de terra numa das tantas ilhas do arquipélago do Marajó, deixar o açaizeiro, ensinar a pescar, fazer e colocar matapi pra pegar o camarão, essas coisas. Daí, que quando se amasiou a primeira vez, lá com vinte anos, tratou logo de “embuchar" a morena. Nasceu uma filha. Quem o conhece, diz que não escondeu a decepção. Mas, passado o período do “resguardo”, lá foi a cabocla “pegar cria” novamente. Outra filha! Tentou uma terceira vez… filha!
Foi então, que passou a culpar a companheira até que se houve a separação. Não demorou muito, amasiou-se novamente e tratou de logo engravidar a pequena. Filha! Daí, nem esperou pra tentar novamente. Deixou a pequena e saiu a procurar outra, o que encontrou sem muita demora, sobretudo porque alguém que tem alguma terra, e condições de alimentar uma família, é sempre um marido em potencial no Marajó. Mas a sina continuava: filha.
E assim continuou o Rodízio, fazendo rodízio de companheiras, na busca por um filho homem! Fiquei sabendo, inclusive, que ele chegou a juntar-se com a Mata-Macho, uma mulher de uns 38 anos, viúva de três maridos, que teve dois filhos homens com o primeiro e mais dois filhos homens com o segundo e terceiro falecidos. Mesmo advertido pelos amigos, do risco que corria, (afinal, se de um lado nasciam filhos homens, de outro lado o pai não vivia pra cria-los) o Rodízio arriscou, tamanha era a vontade de ter um filho homem. Pois quis o destino, que o Rodízio acabasse com dois tabus de uma vez só: a Mata Macho pariu a primeira filha e o Rodízio não morreu.
Tendo ficado vivo, para desespero da Mata-Macho, seguiu tentando.
E assim deu-se a saga do Rodízio, que seguido vê-se em audiências sendo cobrado por alimentos às filhas.
E você deve estar-se perguntando: e onde entra a história da neta representando a filha?
Explico: casualmente, o nome da Neta era “Raimunda (Sobrenome-Que-Não-Me-Lembro) Neta”. Ela herdada o nome da avó, e colocaram “Neta" ao final! Já quando engravidou do Rodízio, os planos, claro, eram que fosse menino e teria o nome do Rodízio, acrescido de “Filho”. Pois bem: o nome do Rodízio é José Maria (Alguma-Coisa)! Daí, que, tendo nascido menina, houve só uma pequena inversão e registraram: “Maria José (Alguma-Coisa) Filha”!
Por isso, a Neta, que é a mãe estava mesmo representando a Filha, que é a filha da Neta.
E o Rodízio? Ah, dizem que saiu da audiência e foi na farmácia do Aspirina comprar viagra. Ainda não desistiu!
Luís Augusto Menna Barreto
20.3.2018
Hahaha
ResponderExcluirMuito divertida as histórias de Marajó City...Acho super engraçado os 'nomes' que aparecem por lá...Aqui no meu interior,Poeta, é tão parecido...Tem cada nome esquisito,que só você vendo...Depois te conto alguns...
Eita Rodízio 'incansável'...Se sobreviveu à Mata macho...Vai longe!!!
Adorei a crônica!!!💓
E não é?! A cultura do interior, é sempre muito diferente.
ExcluirE essa coisa dos nomes, tem um enfoque completamente diferente do que nós, em cidades grandes, estamos acostumados. Eu lembro do Seu Espirro, que quase pra morrer, nunca havia precisado de um nome e era simplesmente "Espirro". E assim tantos...
Eu lembro também do filme "Abril Despedaçado" com Rodrigo Santoro, em que um garoto não tem nome. Chamam simplesmente de "minino"... então, o personagem de Rodrigo Santoro batiza-o de "Pacu", o peixe.
Falar dos "nomes" de Marajó City, é realmente descer em sua cultura, em u dos traços mais marcantes da Ilha!
Obrigado, Michele!
Rindo litros aqui com essa crônica , e o Rodízio espero que ele não Seja cardíaco rsrs, ele não vai ter herança pra tantos filhos opa filhas!
ResponderExcluirAté onde sei, o Rodízio continua atrás de um filho...
Excluir... um dia, ainda falo pra ele sobre a possibilidade de adoção...!!!!
Obrigado, guria, por vires cronicar com a gente!
Jesus, toma de conta!!!!!! 😁😁
ResponderExcluirMais um apelido inédito....tá difícil administrar tudo isso...kkkkk
O Rodízio que se conforme e se aquiete!
Amiga Armelinda, acho que ele se animou um pouco, quando passou pela Mata-Macho e ficou vivo! Ele ainda tá atrás do herdeiro...
ExcluirSabes que agora tô com uma curiosidade? Será que alguma das filhas já deu neto homem pra ele???? A primeira filha, ele teve quando tinha vinte e poucos... várias das filhas já devem ser mães... vou procurar saber... quem sabe se não vem outra crônica por aí?!
Aaaahhhhhh!!!!! Então tem gente soprando velinhas hoje????!!!!
ExcluirHein Dr. Poeta??!!!!!!
PARABÉNS!!!! Muitas felicidades!!!!! Que Deus conceda-lhe tudo de melhor!!!!
🎂🎈🎈🎈🎉🎉🎉
Armelinda.... tenho tantas coisas boas na minha vida, que qualquer reclamação é indevida! Minha dívida com Deus é enorme... “a quem mais é dado, mais será cobrado”...
ExcluirSuper obrigado pela gentileza, Armelinda!!!!
Que desespero por um filho macho desse Rodízio rsrsrs e enquanto isso vai povoando o Marajó só com meninas. Ainda acabou com a fama da Mata-macho né? Eita, lugar bom, cada audiência é uma nova surpresa. Que pra nós, do lado de cá, é um delicioso espetáculo, com seus divertidíssimos personagens rsrsrs
ResponderExcluirAh... o Marajó é assim... sempre uma surpresa.
ExcluirViver no Marajó, é quase estar em "Macondo", de Garcia Marquez, porque a realidade por lá é, de fato, fantástica...!
Os personagens são um caso à parte... é tudo maravilhoso!
Obrigado, Nice!!
Feliz aniversário Lico... Tudo de bom
ResponderExcluirUm abração
Mas barbaridade!!! Assim, todos vão saber que eu também tenho apelido e vou acabar virando personagem de Marajó City!!!!
ExcluirSuuuuper obrigado!!!!!!
Adoro as crônicas de Marajó City, os personagens são hilários rsrs, o que mais me fascina é a magia do cronista em transformar um momento do cotidiano numa pérola literária! Aplausos honrosos ao senhor sempre!!
ResponderExcluirBarbaridade!!!!
ExcluirNem sei como agradecer isso!!!!!!
Eu também adoro escrever Marajó City!!!!!
Super obrigado!!!
Quase que eu seria NETA!
ResponderExcluirSe bem, que o meu nome deveria ser acrescido do designativo NETAS. Não! Não seria possível porque eu só sou uma. Ou NETA 1 e NETA 2? Também, não, porque continuo sendo uma. E aí? Como fazer? Sou uma, mas tenho o nome das duas avós.
Alguém sugere um designativo apropriado, para essa minha realidade?
Abraço baiano, escritor gaúcho!
Bom relembrar essa crônica!! 😅😅😅🤭
ResponderExcluirAh... tem histórias que é bom de rever... tantas lembranças maravilhosas da vida tão peculiar do Marajo... Obrigado Liuu!
ExcluirVerdade viu, cada crônica que a gente não esquece de tão boa que é!! 👏👏
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