Bora Cronicar
A Gertrudes, o Garimpo, o Rabeta e a Leocádia
Você conhece alguma “Gertrudes”?
Eu conheci uma. Confesso que foi um choque. Foi no Marajó. Estava eu, em um dia de rotina, com casos relativamente simples, e o Goela chamou:
— Gertrudes, Garimpo, passar pra audiência.
Tá, vou corrigir. O Goela realmente não chamou assim. Ele disse:
— Gertrudes, tua vez! Bora, Garimpo, que agora tu vais levar farelo!
Enfim, o fato é que, como quem já conhece as histórias de Marajó City deve estar pensando: sim, estranho: o Goela chamou pelo nome! Quando o Goela chama pelo nome, tem algo errado. O que seria? Peguei o processo rápido, naqueles segundos entre a tal Gertrudes ser chamada, despedir-se da Tutela que conversa com todo mundo que fica pelo corredor esperando a audiência, ou vir da cozinha, no final do corredor do fórum, onde D. Boneca sempre está preparando alguma coisa e oferece às pessoas que vão ao Fórum. Outro dia conto a história do Etiópia, que ia no Fórum pra ganhar mingau da D. Boneca.
Mas, como eu ia dizendo, naqueles breves segundos, eu peguei rápido o processo e deu tempo de ler algumas informações da capa: “ação de alimentos”; “Gertrudes”; "Raimundo Anunciação”. Adivinhei que o “Garimpo" era o Raimundo.
Entraram: um caboclo com a pele cor de cuia, curtida, típico de quem trabalha “no mato”, como eles mesmos dizem, e uma senhora com as feições contraídas, também conhecida como “cara de braba” com uma criança de alguns meses no colo e outra menina de uns 4 anos, talvez, pela mão.
Mais do que o caso propriamente dito, eu estava curioso pelo fato de que o Goela não havia chamado a Gertrudes por apelido.
Naquela altura, eu já estava um pouco ambientado no Marajó e sabia que seria muito mais produtivo eu chamar o sujeito pelo apelido, do que pelo nome, porque sempre demora um tempinho até o cidadão lembrar-se de seu próprio nome. Se chamo pelo apelido, venço uma etapa rapidinho. Lá foi:
— Fala, Garimpo. O que está havendo que foi preciso ela te colocar na Justiça?
— Trabalho no mato, doutor, dinheiro eu não tenho. Posso ir levando a farinha pra merenda. Mas dinheiro não tenho, doutor.
Ela continuava lá, com cara de braba, balançando o bebê que estava enrolado em um pequeno lençol, com um fralda sobre o rosto. Já a menina era esperta. Olhava para todos os lados e eu via que mal se continha sentada. De repente olhou pra mim, sorrindo, e fui surpreendido por um par de olhos azuis vivos e brilhantes. Foi um impacto. Por instinto, procurei os olhos da “cara de braba” e do Garimpo. Embora os olhos do Garimpo não fossem tão escuros estavam lá, combinando com a pele: castanhos. Definitivamente castanhos. Tentei mediar um pequeno acordo entre os dois, enquanto a menina agitava-se cada vez mais até que, quando a menina fez menção de levantar-se, veio o “ralho”:
— Te quieta, Gertrudes!
Hein?
“Gertrudes" era a menina. Por isso não tinha apelido. Cá entre nós, você conhece alguma “Gertrudes”? Se conhece, duvido, mas duvido mesmo, que seja uma “Gertrudes" criança. “Gertrudes”, por favor, não é nome de criança. É nome para vovós. Olha como fica bonitinho: “oi, vovó Gertrudes”. Ou, “hoje a gente vai visitar a vovó Gertrudes”. Mas em uma criança?
Era por isso que a Gertrudes não tinha apelido. Porque, sendo criança, o próprio nome quase representava um apelido. Certamente, quando crescesse, e o nome fosse adequando-se à idade, o Marajó haveria de emprestar-lhe um apelido, um vocativo, uma forma diferente de ser conhecida. Mas, ainda criança, “Gertrudes" era quase um apelido.
Eu não me aguentei e perguntei:
— E o nome dessa pequena, foi a senhora que escolheu?
— Foi esse estrupício! — Falou apontando o queixo para o Garimpo, sem parar de balançar nem um segundo sequer o bebê no seu colo.
Aquilo meio que ajudou na condução da audiência. Fique sabendo que o Garimpo fora fruto de um relacionamento da mãe do Garimpo com um marinheiro de um barco alemão que aportara no Marajó por pouco meus de um mês para levar madeira. Mesmo não tendo sido registrado com o nome do pai, o Garimpo orgulhava-se da ascendência alemã e por isso escolheu "Gertrudes". Mas, tendo escolhido aquele nome para uma criança (que me perdoem as “Gertrudes”), haveria de compensar, ao menos, pagando uma verba decente de alimentos, né?!
Terminada a audiência, não terminaram as coincidências. (Ah!, como o Marajó era pródigo em fazer isso comigo). O Goela foi chamar a próxima:
— Rabeta, tua audiência com a Leocádia!
Era o dia! "Leocádia"! Como pode alguém olhar para um bebezinho recém nascido, normalmente tão delicados e bonitinhos, e colocar o nome de Leocádia? Leocádia deveria ser permitido apenas para pessoas acima de 50 anos!
Mas era o Marajó, né? Fiquei esperando a “cara de braba” (meu Deus, notei que até eu já estava dando apelidos às pessoas!) levantar-se e fiquei curioso para ver quem entraria, se seria criança ou não. Mas a “cara de braba” não saiu.
Sim, a Leocádia era o bebezinho que estava em seu colo. Filha do Rabeta com a Cara de Braba. E descobri depois, que o Rabeta que escolheu o nome!
Luís Augusto Menna Barreto
19.3.2019
Eu penso que os novos personagens da cidade de Sucupira estão na fictícia Marajó City.
ResponderExcluirEu não sei não! Quando eu imagino que não tem mais nenhuma surpresa nas possíveis histórias da Marajo City, vem você com essa Gertrudes, essa Leocádia...
Falta ainda alguma coisa que nós, seus leitores, não saibamos?
Porque, se sim, você deveria escrever uma série pra Netflix. Seria sucesso garantido.
Pode ficar convencido. Não sei se você é melhor falando de sentimentos, naqueles "pensamentos perdidos" ou com seu humor contando causos do Marajó.
Adorei!
Nada mais a declarar.
Rsrsrsrsrsrsrs...
Maria Zélia.
Maria....to com dificuldade de responder....
ExcluirSim, eu to me achando!!!
Acho que tua generosidade faz-te exagerar!!!
Quanto a Marajó City, ainda há muitas histórias, como a do “Etiópia”, que anunciei nesta crônica mesmo!!!!!!
Suuuuuuuupet obrigado, Maria!!!
Oi querido!Coincidência ou não, o fato que conheço uma Gertrudes que por sinal é minha amiga!Chamamos ela de Ge!Cadê A Gê?E assim seguimos nossas vidas.Até que ela se torne uma senhora de cinquenta ou sessenta anos, para então enfim ser chamada de Vovó Gertrudes!Ela tem o maior orgulho do nome que recebeu quando ao mundo chegou!E garanto á voce que chegou causando e continua causando!Nomes são sagrados, independente de ser bonitos ou extremamente estranhos (depende de quem os escuta).Em resumo a Rabela poderia á Rê ou ré,pois poderia matar!Já que ela é muito brava!Enfim...faz parte da vida e aprendemos com os diferentes e ás diferenças!Esse texto verdadeiro,leva á uma grande reflexão!Eu estou refletindo de quanto á sociedade, e começando na comunidade,são tão críticas em algo que carregaremos até á lápide!Isso é um grande puxão de orelha em voce Menna!Vivemos em uma sociedade que esqueceu o significado da palavra autocrítica!Que possamos ser mais solidários e menos críticos!Sinceramente? Voce acaba de praticar o famoso bullying!Desculpas mil,mas não gosto desse tipo de conversa que incentiva o riso,quando á pouco dias,sofremos por ataques não só aqui no Brasil(Suzano)como no exterior!Digo e repito!Cuidado com ás palavras!Me perdoe, mas hoje infelizmente seu texto feriu á minha causa!A luta contra o bullying!
ResponderExcluirAna....
Excluir....fico mesmo triste, por causar algum desconforto! Eu sempre me sinto tranquilo em relatar esses casos de nome, porque “Leocádia” era minha avó! E entre meus vários sobrenomes, tem “Encarnação”, que inclusive aqui no Pará, “encarnar” significa tirar onda, brincar, ou mesmo fazer bullying, como dizes!
O fato é que essas histórias do Marajó efetivamente aconteceram!!! E no Marajó, os nomes e apelidos são muitas vezes reflexos de características! Por exemplo: o cara mais feio que passou por lá, virou Brédi Piti! Tinha o Cara de Cuspe, o Fila-Bóia... o Macaquinho que ganhou esse apelido porque assaltava entrando por lugares altos... o Quebra Salto, porque quebrava os saltos dos sapatos das meninas... e assim ia.
E houve mesmo uma Gertrudes! E era criança!!!!
Corrigindo Rabeta***
ResponderExcluirHahaha
ResponderExcluirQue descontração... Concordo com você Menna, tem nomes que realmente acho que só combinam com adultos...Como alguns já acho que só combinam com crianças,esses nomes da "moda", por exemplo...😀
Adoreeeiiii,como sempre a crônica de hoje!!!
Pois é! A tônica do texto é essa: tem nomes que não combinam com idade! É um texto com bom humor! E acho que tanto não combina, que acaba ganhando apelido!
ExcluirTenho uma amiga chamada Honorina! Ela mesmo tira onda com seu nome e as pessoas que a conhecem, adoram a Nora!
Claro que nome a gente não escolhe! Eu jamais teria 6 nomes se eu tivesse escolhido... e jamais seria um nome composto!!! 😆😁
Impossível não rir desses nomes, que são um caso a parte, cada um com sua razão de ser. Realmente, tem uns que só combinam com adultos ou pessoas já idosas, achar e falar isso não acho que seja bullyng, são só observações e em se tratando de Marajó City, é normalíssimo. Adoro esse seu jeito de narrar, faz a gente se sentir parte integrante da situação, é como se eu estivesse lá rsrsrs Parabéns.
ResponderExcluirNice, super obrigado!!!! Mas pra quem conhece Marajó City, sabe que os nomes e apelidos, são uma atração à parte!! Eu não seria fiel ao Marajó, se não brincasse com nomes!!!!
ExcluirE lembra um comercial que o cara chamava o presunto de “Luís Augusto”?!
Eu me diverti!!!!
Como não rir das crônicas de Marajo City, rindo dos nomes e dos apelidos, aliás, nome esquisito eu sei bem o que é, afinal meu nome é Telina, super estranho, minha mãe me disse que foi idéia da minha avó paterna e meu pai atendeu, ela me contava que demorou a se acostumar e me chamava de Tânia, que era o nome que ela havia escolhido mas meu pai mudou para atender ao pedido de sua mãe....rsrsrs....sempre que me identifico, ouvem Delina, Belina, Melina, Celina e até Helena....kkkkkk...eu me acostumei....falo é com T.
ResponderExcluirObrigado mil vezes, Tel!!! O espírito do texto foi esse: refletir o que acontece de FATO no Marajó!!! E os nomes e apelidos.... ah!, só conhecendo pra entender....!!
ExcluirSabe que meu nome quase seria ANA JOAQUINA?
ResponderExcluirMeus pai assim queria. Era o nome de sua mãe, a brava ANA JOAQUINA DE MOURA ROCHA.
Mas minha mãe, toda mansa e carinhosa (bem matreira, digo eu), achou a ideia genial. Contudo, sugeriu que, então, nomeasse a princesinha (eu, claro!) com o nome das duas avós: ANA ISABEL.
Sabe que, HOJE, vejo até um certo garbo se meu nome fosse ANA JOAQUINA?!
XXXXXXXXXX
MAS EU QUERO SABER É COMO FOI A ESTREIA DA PEÇA DE TEATRO, LUÍS AUGUSTO!!!!
Olha que tu só tiveste nome bacana, né?! Joaquina é lindo... e “Ana”, nem preciso dizer, né?!!!!!
ExcluirO teatro...?! Ah...... foi algo indescritível! Hoje houve duas sessões exclusivamente para alunos da rede pública municipal de Ananindeua! Foi algo tão absoluto, tão intonso.... ao final todos os atores estavam às lágrimas.....! A produção, diretores..... todos!!!!!
Eu experimentei emoções que não conhecia.... a acho que fui picado pelo tal vírus do teatro.... já quero mais!!!!
PARABÉNS!
ResponderExcluirEste vírus aí vai contigo para a sepultura. Tu te deixaste contaninar. Agora...
PARABÉNS!
Merda! Merda! Merda!
💩 💩 💩!!!!!!!!!!
ExcluirMarajo City não se esgota. As novidades brotam como água nas nascentes...ou melhor, na imaginação desse poeta inigualável!
ResponderExcluirÉ muita criatividade para tantos apelidos. E esses nomes realmente não combinam com crianças.
Ótima crônica, Poeta!
Armelinda.... mil obrigados...!!
ExcluirTu acompahas a tanto tempo Marajó City, que entendes que tento o retrato mais fiel possível das aventuras e peculiaridades do lugar...
Se eu omitisse alguma coisa, seria como quase "mentir" em um documentário.
E eu comungo e vivi as opiniões, tradições, costumes e vicissitudes locais... Parece um universo à parte...!
Realmente obrigado por leres "Marajó City", com olhos generosos, de Marajó City!!
Como sempre o senhor é mestre em mostrar com graça e poesia o que geralmente passa por nós corriqueiramente e ainda estou para ver uma pessoa que em matéria de combinar nomes com pessoas acerte de primeira como o senhor faz. Tenho a felicidade de poder usufruir das suas histórias. Que venham as Gertrudes e tantas outras que adoro conhecer pelas suas crônicas.
ResponderExcluirLola.... não sei mais o que dizer-te!!!!!
ExcluirTu és inderrotavelmente gentil!!!!!!