bora cronicar
Do Inglês ao Gauchês
Eu estudei em escola pública e tenho o maior respeito por estas escolas. E um respeito maior ainda pelas professoras, especialmente as abnegadas que trabalham na rede pública e, hoje em dia, enfrentam toda a sorte de intempéries escolares…
Sou de um tempo, em que professor não era “tio” e “tia”. Levei “reguada” na mão quando estava distraído; tive de ir para o canto da sala e ficar virado pra parede por ter atrapalhado a aula, e até varrer a sala de aula eu já varri, depois de haver sujado com as “casquinhas” que caem do lápis ao apontar!
E eu estou vivo e escrevendo a vocês. E querem saber? Agradeço todos os dias pelas "reguadas", em vez de ter sido mimado passando a mão na minha cabeça; agradeço por ter aprendido sobre respeito por ter ido para o canto da sala; agradeço pelas professoras terem-me feito varrer aquilo que eu mesmo sujei, em vez de simplesmente ignorar, passando a mensagem errada de que aquilo não seria problema meu. Sim, eu mesmo que tive de limpar. Os colegas indo embora e eu com uma vassoura e pá, tendo de recolher o lixo que eu produzi. E a professora teve a paciência de esperar ali, sem querer sair apressada, ensinando-me como varrer, em vez de ficar abrindo mensagens de WhatsApp, tecnologia que nem sonhávamos! Simplesmente ficou ali, ensinando muito mais que álgebra, física, geografia… ensinando como viver decentemente!
Obrigado, professora Rosa, professora Leci, professora Leda, professora Yeda, professora Irma, professor Cacau, professora Marlene, Professora Soraya, Professora Gessi, Professora Zilda, Professora Aninha, Professora Guiomar, Professora Joyce, Donatila - a Diretora (e não é falta de respeito, mas é que era estranho chamar de “dona Donatila”), Professora, Francelina (a primeira que um dia disse-me que eu tinha um ‘estilo de escritor’), Professora Zeliza, Irmã Isabel, Madre (não sei o nome e nem se a Madre tinha mesmo um nome, porque a gente só chamava de “Madre” e morria de medo de ser chamado em sua sala).
Enfim, obrigado! Obrigado por não desistirem de mim, por terem ensinado que eu deveria, sim, respeitar, que eu deveria aprender noção de certo e errado, sem que, com algum castigo (merecido!) meus pais fossem à escola ameaçar com processos!
Pobres professores gaúchos, há poucos anos atrás, ao terem contra si sentença por terem feito um jovem pintar o muro da escola que ele mesmo havia pichado! Que jovem é este? Que exemplo recebeu, ao ver os pais processando a escola e professores, por tentar ensinar o certo, ensinar limites, ensinar que somos responsáveis pelo lixo que produzimos.
Enfim, obrigado, professores!
Mas, além disso, eu queria falar que na nossa escola, um dos atrativos que nos fazia desejar chegar na 6ª série, era que começavam as aulas de inglês! Uau! Imagina! Chegando na 6ª série, com a Professora Aninha, descobriríamos, finalmente, o que queria dizer o tal “uátissiornêime”, que o pessoal da 6ª falava cheio de pompa. E, metidos, um perguntava para o outro que respondia: “mainêimi-is” fulano.
Num tempo desplugado, e ainda mais no interior, falar uma palavra em inglês causava o efeito “óóóhhh”!
Então, chegando ao sexto ano, ingressaríamos nessa elite!
Eu lembro de uma vez que montamos uma frase que nem estava pronta no livro:
“Letisgô tudê iscul”! Mas báh, eu fiquei me achando, porque era um trabalho em grupo em que cada grupo tinha de apresentar um diálogo do livro! E no nosso grupo, a gente terminou o diálogo inventando essa frase, e eu que falava!
Mas, mesmo com todo esse romantismo, nosso inglês daquela época, nem se compara ao que as crianças e jovens de hoje, tem acesso. Por exemplo, o João, hoje, aos 11 anos, sabe muito mais do que eu sabia de inglês quando terminei o segundo grau (acho que hoje em dia, fala-se ensino médio, né?!).
Pois há três anos, fizemos uma viagem a Orlando. A Ana é nossa guia, falando um inglês fluente, além de ter no currículo guia de turismo, justamente levando jovens à Disney. Então, ela organiza simplesmente tudo na viagem, desde passagens, seguro saúde, hotéis, carro, ingressos, parques, e, claro: ela quem fala! Eu e o João íamos atrás, fazendo cara de quem estava entendendo tudo, e torcendo para que ninguém se atrevesse a falar com a gente! Mas daí, que nessa viagem, descobri que é difícil falar inglês em Orlando. Não, não tô referindo ao idioma em si. O problema é que tem brasileiro em tudo que é lugar!
Por exemplo: eu estava na Apple bisbilhotando um dispositivo que é uma espécie de roteador de sinal, só que mais invocado, o tal “Airport”. Dai que veio a atendente, e eu tentei mandar meu inglês de filme de legenda! Eu acho que eu estava indo tão mal, que a moça olhou-me quase constrangida e disparou:
“Você não prefere em português?”
Mas báh!, a tal era de Goiânia! Meu "bisbilhotamento" quase perdeu a graça! Pô, saio daqui com intenção de passar dificuldades, pagar uns micos no inglês, e a vendedora da Apple é brasileira?
Daí, em outra loja, enquanto a Ana estava vendo roupas (o que significa que o tempo havia entrado em estado “isloumôuchan”), eu e o João ficamos fuçando tudo, desde provar vinte perfumes diferentes em nós mesmos, até testarmos skates dentro da loja. Foi então que vendo umas calças, estávamos tentando descobrir qual o equivalente da numeração. Conversávamos em português achando-nos indecifráveis, quando uma mulher com jeito de polaca olha pra nós e manda:
“Ah, você é do tamanho do meu marido, experimenta esse número aqui!”.
Caramba. Brasileira! Solícita como às vezes não se é no Brasil. Eu e o João tomando coragem pra mandar nossa “poliglotês" com alguma vendedora, e a mulher tava ouvindo e entendendo tudo, bem do nosso lado!
Mas não desistimos. Loja de relógios! Bora ver relógios, João! Lá fomos, belos e trigueiros! Qual nada. Decepção na entrada da loja:
“Bom dia, são brasileiros? Querem dar uma olhada nos relógios?”
Barbaridade: estava escrito “brasileiro" na minha testa? E olha que o João é até bem ariano. Até na loja da Crocs a atendente já veio com “que número você calça no Brasil?”.
Decepção total. Mas eu e o João não iríamos aceitar a derrota tão fácil. Estávamos decididos a mandar ver no nosso “rauduiudú"! Fizemos nosso plano: chegando no hotel, a Ana subiria para o quarto e nós ficaríamos num minúsculo salão bem em frente ao elevador, onde tem três ou quatro máquinas de fliperama. Fingindo jogar, ficamos cuidando; assim que alguém com cara de americano fosse subir, entraríamos no elevador mandando um “gúdi náiti”.
“E se eles falarem alguma coisa comigo, papai?”
Dei o conselho que não tem erro:
“Seja o que for que falem, responde “fáine”.
Plano traçado, ficamos esperando. Aproximaram-se umas seis pessoas… camisa da seleção brasileira! Já era. Mais minutos de espera… três rapazes e uma moça aproximam-se. Mas lá da porta já dava pra ouvi-los, falavam sem discrição nenhuma e com a felicidade de quem tá realizando sonho: devem ser brasileiros! Nova espera e… camisa do Remo! Do REMO! Caramba, saio de Belém do Pará e dou de cara com uma camisa do Remo em Orlando?
Mais alguma espera e lá vem a família perfeita: homem quase ruivo, mulher loura, duas filhas inclusive com aquelas sardinhas no rosto. Meninas lourinhas!
“Bora João, preparado?” Polegar pra cima, afirmativo. Abre a porta do elevador, eles entram e nós vamos em seguida. Respiramos fundo e mandamos, primeiro eu, depois o João:
“Gúdi náiti”, “Gúdi náiti”.
E veio a resposta:
“Gúdi náiti”, do homem ruivo, “náiti" da mulher, engolindo o “gúdi”, o que é um bom sinal, coisa de nativo! Eu e o João nem nos olhamos, mas tínhamos certeza do sentimento de satisfação um do outro.
… mas foi daí, que a menina menor começou a colocar os dedinhos nos botões do elevador… e não demorou:
“Não mexe aí, Caroláine!”.
Decepção total. Olhei pro João e ele pra mim. Mas não nos entregamos! Quando eles desceram um andar abaixo do nosso, mandamos de novo:
“Gúdi náiti”, “gúdi náiti”!
Se não fosse por outro motivo, pelo menos pra deixar a dúvida se nós éramos ou não brasileiros!
O fato é que me irritei e no outro dia cedinho decidi tomar uma providência pra recuperar meu orgulho:
Vesti minha camisa do colorado e fui na recepção, onde os atendentes metem-se a entender “portunhol" e mandei essa:
“Tchê bagual, me vê uma água de pelar porco, que quero fazer um chimas porque o ar condicionado tá fazendo frio de renguiar cusco!”
O recepcionista arregalou os olhos. E pensei em gaúches:
A la putcha! Deu certo!
Luís Augusto Menna Barreto
6.5.2019
Linda crônica poeta parabéns!! 😘
ResponderExcluirAh, Lui!!!! Mil obrigados!!!
ExcluirForam boas lembranças e uma história divertida de lembrar!!!
Tenho uma bruta inveja de quem sabe falar outros idiomas, principalmente inglês, acho lindo. Ah, achei lindo tbm esse reconhecimento da importância dos professores, profissão cada vez menos respeitada, vc relembrar cada nome foi perfeito, belíssimo. Parabéns pelo crônicar de hoje, maravilhoso retorno.
ResponderExcluirSe tu gostas de outros idiomas, imaginas “Gauchês” fluente!!!?!
ExcluirCoisa linda barbaridade de se falar!
No Rio Grande tem escolas especializadas no ensino e o preço é mais suave que pomada minâncora: 150 pilas e mais meia manta de charque por mês, que é pro chirú aprender sem ficar vazia a guaiaca!
Bom dia escritor. Que linda forma de demonstrar sua gratidão por estes divinos mestres professores. Tenho também muita gratidão por cada um dos meus.
ResponderExcluirAgora está frase "me vê uma água de pelar porco, que quero fazer um chimas" rsrsrs foi pra arrasar mesmo 👏👏👏👏👏👏
Fui forjado pelos maravilhosos professores e professoras que tive... os ensinamentos encontravam amparo em minha casa!
ExcluirSou grato a cada lição, especialmente as mais duras! Jamais fui repreendido sem carinho no coração de cada um dos professores...! Era necessário! E foram-me construindo! Jamais poderei retribuir o tanto que devo a cada um!!
Bah, tchê!Barbaridade! Que baita crônica! Me caiu os butiás do bolso! E viva o gauchês!
ResponderExcluirOs professores hoje em dia estão desmoralizados , ao mesmo tempo perderam o respeito do governo e dos pais, que não os valorizam ; passam cada situação tão dramática que dá vontade de chorar de tristeza. Como é lindo ver algúem agradecer aos seus professores! Se muitos fossem assim...
Adorei a parte do inglês, achei muito divertido! Lembrei que minha sobrinha foi passar um ano na Irlanda e minha irmã reclamou que que a filha só falava português e esta contou que o número de brasileiros era uma coisa assombrosa. Não conseguia treinar o idioma! Que bom, que voltou, poeta! Maravilha de crônica! Bora cronicar!
Bora cronicar!!!!!
ExcluirPra tudo, absolutamente tudo, precisamos de professores...
Formais ou não!
Nós mesmos, quantas vezes somos professores....?!
Ave!, todos eles!!! Obrigado, guria!!!!
Que linda crônica!! Obrigada por valorizar nossa classe ainda tão desamparada!!Amei!!!
ResponderExcluirGúdi náiti Poeta!!!❤️
Desde meu primeiro dia na escola, eu simplesmente senti uma admiração incrível pelos professores... viraram meus ídolos! No mesmo instante, eu queria ser como eles um dia!!!!
ExcluirKkkkkkkkkkkk!!!!!
ResponderExcluirMuito boas as lembranças, lembro-me muito de minhas primeiras professoras e o qto estudava para ñ levar as desagradáveis reguadas, afim......
A e qto a camisa do REMO comprova-se apenas que tem bom gosto!!!!!😂😂😂😂😂
Bem, como Colorado, tenho carinho pelo Remo porque tivemos muitos jogadores afins...!!
ExcluirDe resto, os professores são até hoje meus exemplos!!!
Sei bem o que é um freira como Diretora do colégio, um verdadeiro ambiente de filmes de terror. Ri muito com essa crônica e fiz um filminho hilário na mente, melhor do que isso só se eu visse as façanhas ao vivo. Amei
ResponderExcluirQuem sabe um dia, não vês no teatro.....?!!!!!!
Excluir☺️☺️☺️☺️☺️ 🎭
Gudinaite, meu chapa!
ResponderExcluirOh... rauariú?!!!
ExcluirGudináiti!!!!!!!!