quarta-feira, 8 de maio de 2019

bora cronicar - O Rastro

bora cronicar

O Rastro

Ele adorava o início do verão, quando seus pais, caseiros de um bem sucedido empresário, eram enviados à casa da praia por uma semana, para que abrissem a casa, fizessem a faxina, cortassem a grama e deixassem em perfeito estado para a temporada de quase três meses de verão que a família dos patrões passaria naquele balneário.
Durante aquela semana, que era a melhor do ano, ele podia ir até a praia todos os dias, enquanto os pais arrumavam a casa.
Gostava de construir castelos na areia.
Construía-os com todo o cuidado. Levava horas construindo. 
Depois, saía caminhando com passos em que propositadamente afundava os pés na areia. Caminhava por muito tempo, e fazia voltas, ziguezagueava e, perto do horário do almoço, ia pra casa.
Então, depois do almoço, pedia a bênção à mãe e voltava procurando o rastro que deixara. Às vezes, as primeiras pegadas estavam quase apagadas. Mas voltava por elas até encontrar o castelo que havia construído. Se por acaso, em algum momento não encontrasse as próprias pegadas, o rastro estivesse apagado, ele não mais ia até seu castelo. 
Ia embora. Despedia-se da praia e no dia seguinte, voltava ali para construir um novo castelo e fazer novas pegadas.
Chegou o tempo de o garoto crescer. E cresceu sem esquecer da praia, dos castelos e das pegadas que deixava na areia fina.
Crescido, a vida em seu curso natural, levou-lhe o pai. Descansava, finalmente, depois de uma vida trabalhando de forma simples e honesta. Depois, foi a vez da mãe, que não mais precisava do mundo em que não estava o homem a quem amou por toda uma vida.
O garoto, crescido, teve amores. Alguns, efêmeros. Outros, doeu-lhe o coração ao deixa-lo.
Descobriu, ainda ao tempo de amar, que a saudade era como eram as pegadas: a saudade era o rastro do amor. 
Descobriu que quando não sentia mais saudade, de alguma forma o amor havia acabado… a saudade era o rastro deixado. Se fizesse o caminho de volta a tempo de encontrar as pegadas ainda vivas, reencontraria seu castelo. 
Descobriu, que no amor, era preciso refazer os caminhos, antes que as pegadas apagassem. 
Quando seus olhos finalmente brilharam de verdade com a menina que lhe fez sorrir o coração, decidiu que jamais caminharia para longe… manteria sempre as pegadas bem visíveis, para que sempre encontrasse o castelo que fizera no coração da moça.
Viveu uma vida simples. Teve filhos. Não acumulou bens para deixar de herança. Mas no ocaso que lhe levaria de volta ao encontro dos pais, deixou para os filhos o ensinamento:
“Prestem atenção nas suas saudades. Cuidem delas. Não deixem que morram. A saudade é o rastro que amor deixa, para que vocês possam reencontra-lo”.

Luís Augusto Menna Barreto

8.5.2019

16 comentários:

  1. Emocionante!!!
    Madruguei literalmente no blog...
    Que lindo Poeta!!Um pouco triste, porém uma definição sublime para o amor: simplicidade e honestidade...
    E que deixemos rastros...Que refaçamos algumas coisas antes que o amor vire saudades...É preciso esse olhar atento!! Não sei se fiz-me entender...

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    1. Bom dia!!!!!
      Entendi sim!!!!
      Canta o menestrel de Brasília (Osvaldo Montenegro):

      “Como se faz com todo cuidado
      A pipa que precisa voar
      Cuidar de amor exige mestria
      E Léo e Bia souberam amar”
      (Léo e Bia)

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    1. Bora aplaudir Osvaldo Montenegro!!!!
      E, pra mim que moro em Belém, é claro que o verso que mais gosto dessa canção é:

      “(...) Como se não fosse tão longe Brasília de Belém do Pará...”

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  3. Consegues tocar o coração da gente com "maestria"!!!!
    Oswaldo Montenegro que se cuide! 😊

    "Prestem atenção nas suas saudades..."
    Realmente, esse é o termômetro do amor.

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    1. Ah!, Armelinda!!!!! Mil obrigados!!!!!
      Bora seguir até onde levam nossos rastros... bora fazer o caminho de volta, antes que se apaguem...!!!

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  4. Linda demais...não há como, ler, e não se emocionar...cada passo uma saudade umedecendo o chão...parabéns! sigamos o ensinamento da crônica e viva o Amor.

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    1. Cada pegada que identificamos no caminho de volta, significa um passo na direção de resgatar o amor...

      É importante não perdermos o caminho de volta...!

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  5. "Saudade é o rastro que o amor deixa" Lindo e emocionante o cronicar de hoje, e também uma carinhosa reflexão sobre esse sentimento que sempre se faz presente na nossa vida. Inevitável sentir saudades.

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    1. Ah, Nice... super obrigado... eu respondi uma amiga no twitter, dizendo que a saudade é como um sintoma... em que o diagnóstico é quase sempre o amor...!

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  6. Que linda definição de saudade escritor, enquanto encontramos o rastro ou o esboço deles nos caminhos que escolhemos trilhar, a vida se encarregará de renovar a cada dia as pegadas, renovará a cada dia o amor. Lindo, me emocionou,adorei a crônica. 👏👏👏👏👏👏

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    1. Sônia, super obrigado... eu fiquei feliz, também, com essa pequena historinha...
      Eu sempre achei que o amor deixa rastros, deixa pistas... e finalmente eu consegui escrever isso.
      Realmente, obrigado...!!

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  7. Tanta saudade...guardo no peito,como num cofre que não se pode fechar de tão cheio...eta bendita saudade...
    Uma cronica apropiada para essa manhã chuvosa de quarta feira...
    Grande abraço para ti poeta!

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    1. Ah, Maura... perdoa-me por eu ter respondido tão tarde teu comentário...
      ... mas se achaste a chuva apropriada ao ler a crônica, então estou respondendo no momento certo... hoje, diferente do comum, não havia chovido durante o dia em Belém... mas, agora à noite, esta caindo chuva enquanto escrevo..!
      Realmente, obrigado!

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  8. Grandioso ensinamento, em que devemos nos preocupar mais com o que transmitimos como aprendizado do que o que podemos acumular. Acho que depois disso vou relaxar e aproveitar mais o que já aprendi e o muito que a vida ainda tem pra me ensinar

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