quinta-feira, 16 de maio de 2019

bora cronicar - Pequena História Sobre as Pistas do Amor (Ou sobre o caminho de volta)

bora cronicar

Pequena História Sobre as Pistas do Amor
(Ou sobre o caminho de volta)

De repente, ele se deu conta de que há algum tempo, estar na rua, sair de casa, dava-lhe mais alívio. Haviam discutido novamente, ontem à noite. Ela foi para o quarto. Ele ficou na sala, olhando qualquer coisa na TV, porque não importava o programa… apenas queria dar tempo para que quando ele entrasse no quarto, ela já estivesse dormindo ou fingindo dormir e ele não precisasse falar com ela.
Pela manhã, acordou cedo e, enquanto ela ainda dormia, ou fingia dormir, ele saiu. E sentiu-se aliviado. Então, quando estava chegando perto de casa, o peso das discussões recorrentes começou novamente a assola-lo. À medida em que ia chegando perto da porta, mais parecia pesado. Tocou na maçaneta… e sua mão parou. Antes que girasse a maçaneta, decidiu que não! Ele decidiu fazer o caminho de volta. Ele decidiu… voltar! 
Ele não lembrava ao certo onde estivera, por onde passara exatamente… mas decidiu que faria o caminho de volta… com algum esforço, passou pela sorveteira que há tempos não iam; mas se lembrou de como ela gostava de duas bolas de sorvete de flocos e como ela colocava exageradamente calda de chocolate por cima, e ele perguntava se ela queria algum sorvete pra acompanhar a calda. Ele nem percebeu, mas quase sorriu quando lembrou. Voltou mais um pouco, e passou pela floricultura. E ele lembrou do dia em que estavam começando o namoro e ele comprou uma rosa pra ela. Quando ele entregou a rosa, ela sorriu… mas em vez de agradecer, ela falou:
— Posso fazer um pedido a você?
Ele apenas balançou a cabeça, concordando.
— Na próxima vez, não me traga uma rosa. Leve-me para ver as flores da praça com você.
Mas depois de todas aquelas brigas, ele estava decidido. Não iria parar. Então, já sem tanta pressa no caminho, ele passou pelo cinema. O último cinema de rua que restava na cidade e que eles prometeram voltar antes que finalmente fechasse. Ele usava o mesmo casaco que havia usado na última vez em que foram ao cinema. E, no fundo do bolso, ainda estavam ali os ingressos amassados e rasgados pelo fiscal da porta do cinema: “Os Vingadores”. Ele não achava tanta graça, mas ela sabia tudo daqueles heróis e seus mundos fantásticos. E ele se lembrou o quanto ela falava de modo sério acerca das conspirações e teorias sobre o enredo dos personagens, enquanto ele achava aquilo tudo tão “nada a ver”, como ele dizia pra ela. Mas ele lembrou que aquelas conversas sempre faziam-na sorrir.
E então, ele percebeu que nem fora tão longe assim no caminho.
Bastou dispor-se a fazer o caminho de volta, em sua mente, em suas recordações, em seu coração, procurando as pistas que o amor vai deixando. Ele estava, ainda, com a mão na maçaneta. Girou-a. Entrou e a viu com o celular na mão, fingindo que estava concentrada, para não ter de falar com ele. Mas ele não havia feito todo o caminho à toa. Colocou a mão no fundo do bolso, e pegou os restos dos ingressos velhos. Ela o olhou sem compreender. Então ele falou:
— Você quer ir ao cinema comigo, e depois passear vendo as flores da praça, tomando um sorvete?
Eles brigaram muitas vezes, ainda, porque em algum momento eles parece que se perdiam um do outro no caminho.
Mas descobriram que fazendo o caminho de volta, sempre encontravam as pistas que lhes colocavam no caminho certo. Descobriram que o amor sempre deixa pistas. E ele estava disposto a fazer o caminho de volta tantas vezes quantas fosse preciso.

Luís Augusto Menna Barreto

16.5.2019

14 comentários:

  1. Alguns caminhos ficam visíveis.
    Já outros...apagam-se...para sempre.

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    1. É preciso voltar, antes que as pistas percam-se...
      O caminho é feito de dunas ao vento... se levamos muito tempo, as dunas modificam-se e o caminho será outro...!
      Obrigado, Armelinda! Sempre obrigado!!!!

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  2. Ah o amor,tão simples e tão complicado ao mesmo tempo, tem que se reinventar diariamente para que ele não seja esmagado e acabe de vez. ...

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    1. O amor é como uma planta... exige cuidado! Não podemos esquecer de regar... e não podemos regar demais...!!

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  3. Muito lindo isso... É bem difícil ter essa consciência de que o caminho de volta vai trazer novamente a paz e renovar o amor e o carinho que apesar de ainda estar alí acaba ficando encoberto pelos muitos percalços impostos pela vida. Sempre que eu tenho a oportunidade eu falo que a união de um casal é saber ceder, respeitar, tolerância e outras pequenas coisas que no final somam e proporcionam uma vida tranquila e feliz.

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    1. Sobretudo ceder... o amor, às vezes, é a arte da concessão!!!

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  4. Me emocionei muito com esta crônica escritor. Ele teve o carinho de voltar e procurar as pistas, o amor existia e só estava perdido nas mazelas e intempéries da vida. Quantos amores se perdem no caminho e jamais se lembrarão do que os fez dividir uma vida juntos.S recusam a sequer se dobrar um pouquinho para colher ou cheirar uma flor e chegar diante de quem ama e dizer:
    "_Lembrei de você quando vi e senti o perfume desta flor. Você é importante pra mim!"
    Parabéns pela crônica, não é qualquer escritor que é capaz de arrancar lágrimas dos olhos do leitor. Menna você é fantástico!👏👏👏👏👏👏

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    1. Meu Deus, Sônia! Emocionado fiquei eu, agora, ao ler teu comentário...!
      Eu realmente não esperava que essa história tocasse tanto...! É só consigo ficar feliz demais!!!!
      Um obrigado imenso, com meu melhor abraço!!!!!!!

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  5. Que bom ter como voltar...Que a vida possa nos dar muitas oportunidades de resgatar o que temos de mais precioso! Crônica linda!!

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    1. Eu sempre fico pensando (e talvez essa tenha sido a "semente" dessa crônica, sobre o que faz as pessoas apaixonarem-se... talvez por conta do meu trabalho, eu já ter visto tanta dor, tanto rancor entre pessoas separando-se, eu ficava a imaginar como aquilo pode acontecer... onde foi o rompimento da mágica, o que houve nessas vidas...?
      Às vezes vendo o casal discutir eu fico pensando: "um dia, foi essa mulher que prendeu o olhar desse homem... algum dia ele a cortejou, pediu em namoro... propôs casarem. Sonharam juntos, riram juntos... o que se perdeu no caminho...? E quanto a ela, ela estava diante do homem que ela permitiu que se aproximasse, que lhe fizesse sorrir... ela permitiu unir-se a ele e realizar o milagre da vida... onde estavam os sorrisos, como foi que apagaram um do outro...?
      Acho que foi daí que eu fiquei imaginando se o amor deixava pistas... e fiquei torcendo pra sempre encontrar...!

      Obrigado demais, Denise!

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  6. Respostas
    1. ... sempre o amor...!!! Ahhhh.... o amor!

      Obrigado, Michele!

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  7. Estava era romântico, hein gaúcho!?

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