Um curioso da vida... sobre a vida... O livro lança-me... o filme prende-me... o poema liberta-me... o sorriso resgata-me... o amor... ah, o amor! Poesia de Ver; Pensamentos Perdidos; Diálogos; Crônicas! ... e repetir todos os dias da minha vida, que João será o meu melhor amigão para sempre...
sexta-feira, 31 de maio de 2019
bora cronicar - Hoje Tem Camila
quinta-feira, 30 de maio de 2019
bora cronicar - Hoje Não Tem Camila
bora cronicar
quarta-feira, 29 de maio de 2019
bora cronicar - Epitáfio
bora cronicar
terça-feira, 28 de maio de 2019
Um Pequeno Conto Sobre o que Realmente Importa
Sobre ÁLVARO
Quando o motorista notou, Álvaro já estava curvado sobre o banco traseiro do Maserati sedã Ghibli, que havia chegado da Itália, personalizado por dentro, já com as suas iniciais gravadas no couro dos bancos. Tinha 48 anos, e achava-se em plena forma. Acabara de comprar uma companhia aérea com vôos em 32 países, que passava por dificuldades financeiras. Iria “reparti-la” em várias pequenas partes e obteria um lucro acima de seiscentos por cento. Era o que ele fazia.
Sobre PLAUTO
O escritório nos fundos do supermercado, bem acima da entrada para o depósito, oferecia a visão de todos os 12 corredores da grande loja. Havia sempre uma nuvem de fumaça e, ainda que o ar condicionado estivesse ligado, de alguma forma ele sempre suava. Dificilmente tirava o cigarro da boca e tinha a habilidade de manter a cinza sem cair, até quase metade do cigarro. Espremia os olhos após soltar a fumaça de cada tragada. Desde às 6h da manhã de todos os dias, Plauto, um homem baixo e visivelmente acima do peso, afundava-se entre papéis de pedidos, remessas, notas fiscais, duplicatas, telefonemas, negociações com fornecedores e, acima de tudo, contando dinheiro. Mas Rosa, a sua secretária encontrou-o com o rosto afundado nos papeis em cima da sua mesa e teve dificuldade mesmo para tentar levantar sua cabeça e escora-la na poltrona, antes de gritar para que alguém ligasse para uma ambulância. Ele tinha 54 anos.
Sobre MOCHILA
Ariovaldo não sabia sua idade. Deitado na rede atada por entre as árvores na frente do coreto, na praça daquela pequena cidade do Marajó, todos o cumprimentavam. Por isso, quando Marcela, que todos chamavam de “Telegrama" passou a caminho da pequena agência dos correios em frente à praça e não recebeu resposta de Ariovaldo (que todos chamavam de “Mochila”), ela se preocupou e foi até ele. Em seguida, com um grito, um enfermeiro que fumava em frente ao Hospital Municipal, do outro lado da praça, veio correndo e foi auxiliado pelo Manobra, motorista da ambulância, para leva-lo até a emergência.
Sobre ÁLVARO
Assim que chegou à emergência daquele seleto hospital e Álvaro começou a ser atendido em procedimentos de emergência, o motorista ligou para o secretário, que em seguida ligou para a ex-esposa de Álvaro que estava em Madri, com o atual companheiro; deixou recado na caixa postal da filha que morava em San Diego, Califórnia, e há seis anos não vinha ao Brasil, recebendo periodicamente, os depósitos que seu pai fazia para bancar suas necessidades e seus luxos. Não conseguiu localizar o filho de Álvaro que estaria praticando snowboard em algum lugar na Europa. A notícia espalhou-se com a rapidez de uma flecha e logo as ações do grupo empresarial de Álvaro começaram a cair.
Sobre PLAUTO
Todos olharam quando a ambulância chegou com a sirene ligada e parou bem em frente à porta do supermercado, no local destinado aos deficientes. Enfermeiros entraram correndo com uma maca e tiveram dificuldades de retirar e descer Plauto pela estreita escada que dava acesso ao escritório. Os funcionários ficaram olhando, preocupados, e a rotina no supermercado foi retomada quando o barulho da sirene perdeu-se ao longe, levando Plauto. O filho fora avisado, mas seguiu as instruções do pai: foi primeiro ao supermercado, fechou todos os valores no cofre, trancou o escritório, ligou para os fornecedores do dia e, só então, dirigiu-se ao hospital.
Sobre MOCHILA
Quando o enfermeiro e o motorista levaram o Mochila nos braços, até o posto de saúde, várias pessoas foram-se reunindo em torno, e acompanharam o trajeto. O único médico que estava na cidade, um clínico geral, empenhou-se com todo seu conhecimento, com todo seu coração e usando como podia os poucos recursos técnicos disponíveis naquele hospital de uma pequena cidadezinha no Marajó. A todo instante, o técnico de enfermagem ia a vinha, dando notícia às pessoas que mais e mais juntavam-se em frente, comentando o ocorrido.
Sobre ÁLVARO
Quando Álvaro expirou, era o motorista quem lhe fazia companhia, naquela luxuosa UTI privativa daquele maravilhoso hospital. Uma tela de LED na parede, passava a notícia na barra inferior, que as ações do grupo estavam caindo diante de rumores que o presidente do grupo não resistiria. No celular de Álvaro, chegara a mensagem de texto de sua ex-esposa: “Desejo melhoras. Mês que vem estarei no Brasil. Ligarei para seu secretário para informar as datas.” Havia uma mensagem na caixa postal, com o número da filha, que nem o motorista e nem ninguém mais no mundo poderia ouvir, porque apenas Álvaro tinha a senha de acesso aos recados. O filho saberia da morte do pai, somente onze dias depois. Passariam décadas até que os bens de Álvaro fossem dilapidados e divididos entre ex-esposa, filhos e advogados que brigavam por cada centavo. Uma vez por ano, o túmulo de Álvaro receberia flores, levadas por seu antigo motorista.
Sobre PLAUTO
O filho de Plauto chegou ao hospital a tempo de ouvi-lo dizer que não esquecesse o carregamento de detergente e sabão em pó que chegaria à tarde, e deveria ser conferido caixa por caixa, porque na última vez, faltara uma caixa e ele estava desconfiando que o entregador havia surrupiado uma para si. Suas últimas palavras, foram: “você tem que pegar esse desgraçado que pensa que vai me roubar!”
Sobre… TER SIGNIFICADO
Ariovaldo, o “Mochila”, recebeu todo o atendimento que era possível. As enfermeiras deram-lhe banho, pentearam-lhe o cabelo e fizeram o possível para melhorar seu hálito. Estava fraco e ofegante. O clínico escolheu com cuidado as palavras e foi até a pequena multidão em frente ao hospital e disse: “acho que hoje, o Mochila vai se por junto com o sol”. E todos entenderam, que Mochila estava morrendo. E, de alguma forma, todos na cidade deram um jeito de despedir-se do Mochila, que retribuía com um sorriso. Quando saiu do correio, Marcela, a “Telegrama”, recolheu a rede que ficara atada, colocou-a na mochila de pano pendurada também na árvore e que continha todos os bens do Mochila e levou para ele. Ele sorriu satisfeito. Tinha nas mãos, e era capaz de pegar, tudo o que fora necessário por toda a sua vida. Todo o resto que lhe importava, estava recebendo de cada um dos moradores daquela pequena cidade. Quando mochila expirou, o padre havia-lhe abençoado. Houve missa, com a Igreja cheia.
E sempre haveria flores colocadas por várias mãos, em seu túmulo.
Luís Augusto Menna Barreto
28.5.2019