Entre a Cruz e a Espada
Que eu não gosto de academia, todo mundo sabe! Já contei em crônicas anteriores minha saga quando meu paletó emagreceu e resolveu que não entraria mais em mim!
Então, ocorreu que há alguns dias de uma formatura em direito em que eu teria de usar um paletó, a Ana foi ao shopping ver os preços dos paletós, e voltou com o caso resolvido: eu teria de emagrecer! Seria muito mais barato! E a coincidência disso tudo, era que a formanda que nos havia convidado, era a Camila, personal que me acompanha nos treinos! Seriam duas semanas para diminuir alguns números no manequim!
O resultado, também já contei aqui: deu certo! Mas a que custo… foram muitos “dias de Camila”, que me fizeram gostar das segundas-feiras, porque nas segundas, “não tem Camila”!
Passado o apuro de fazer o paletó engordar para eu entrar nele, continuei a rotina de exercícios com a Camila, porque tenho hérnia de disco e, se paro com exercícios e alongamentos, começa a doer muito. Os exercícios não tem o ritmo frenético de quando eu tinha que entrar no paletó, mas “dia de Camila” é sempre um pequeno sofrimento… e eu sofro três vezes por semana: terças, quintas e sextas! Segunda não faço, porque segunda basta-se por si só! Quarta é dia de jogo do campeonato brasileiro na TV! Então, ficou assim: terças, quintas e sextas. Mas todos os “dias de Camila", sem exceção de nenhum, eu desço (faço o treino na academia do prédio onde moro) torcendo para chegar e a academia estar vazia. Não, não vazia porque não tenha ninguém treinando, não tenho nenhum problema de alguém ver minha preguiça… falo vazia de “Camila”.
A Camila é uma ótima personal… mas tem um defeito grave, quase fatal para uma personal: ela não falta ao treino! Nunca. Nunquinhas! E pior: não se atrasa! Sabe aqueles efêmeros, mas absolutamente maravilhosos minutos de paz, em que experimentamos o paraíso, minutos que são a maçã do Édem, em que tu vês os aparelhos silenciosos, observas os pesos no suporte, ouves a música de ritmo marcado, e pensa: "é hoje, é hoje!”? Olhas para a tela do celular aguardando aquela notificação que começaria com “Luís, desculpa, mas aconteceu um imprevisto…” Sabes tudo isso? Pois é: com a Camila, não tem a menor chance de acontecer! Quando alguém me pergunta sobre a Camila, eu logo queimo o filme dela! Digo logo que ela é terrível: não, falta, não se atrasa, e não dá muita conversa; ela estuda os treinos, personaliza-os de acordo com nossa necessidade e não tem escapatória: tu só vais sair quando terminar todo o programa. Resumindo: um horror!
Tu já passaste a experiência de ver novamente um filme que tu sabes como termina mas, assim mesmo, ficas torcendo para outro final? Pois é: eu sempre sei que a Camila vai estar lá! Moro no décimo andar e ainda assim, desço todos os dias pela escada, quando vou para academia, como que para prolongar a esperança de ela não estar… mas, então, mal abro a porta da escada para o Hal do piso da academia, e ouço: “oi Luíííííííís” (ela sempre estica uma vogal, cheia de entusiasmo ao cumprimentar)!
Enfim, minhas esperanças morrem a centímetros da porta da academia!
Porque estou contando tudo isso de novo? Por que ao encerrar o ano, a Camila teve uma surpresa: eu entrei entusiasmado na academia. Disse “oi, Camila” usando todos os fonemas, não apenas o meu usual resmungo:
— Oi Luíííííííííííís!
— Humpf…!
Foi assim:
— Oi Luíííííííííííís!
— Oi, Camila!
Daí, foi assim: sobrancelhas pra cima, naquele inevitável movimento de surpresa; depois a cabeça meio de lado, como querendo entender, e a confusão mental.
Então… ela começou a unir alguns pontos:
Instantes antes de eu descer, ela recebeu um telefonema inusitado: a Ana, justamente a Ana, a pessoa que mais me empurra para a academia, havia ligado:
— Oi Camila.
— Tu já estás na academia?
— Oi Anaaaaaa. Já tô aqui!
— Tem como trocar o dia do Luís? Ele pode fazer amanhã?
— Amanhã não tenho como, porque ninguém desmarcou. Parece que pouca gente vai viajar nesse final de ano.
A Camila ficou intrigada e, obviamente, pensando que eu que havia pedido para a Ana ligar e desmarcar, porque quando preciso, peço sempre pra Ana fazer isso por mim! Então, quando eu desci e cumprimentei a Camila entusiasmado, ela não entendeu bem e ficou intrigada.
Eu notei a expressão intrigada, e expliquei:
— Sabe o que é, Camila…
…
(Dez minutos antes de eu descer pra academia):
— Essa prateleira tá toda bagunçada, né? — A Ana falou, referindo-se a uma das prateleiras da minha pequena biblioteca/escritório em casa.
— Hum… — (uma resposta prudente… algo que não se decifre. Tinha medo do rumo que aquilo podia tomar).
— E também o teu “cantinho de escrever" precisa arrumar, né?
— (…). — Aqui, eu arrisquei um “é" quase mudo, algo entre um suspiro e uma concordância inaudível. Definitivamente, o rumo da conversa era perigoso… decidi que esperaria apenas mais uma afirmação!
E a afirmação veio:
— A gente pode aproveitar pra arrumar também…
Eu confesso que não ouvi o resto! Terminei de amarrar o tênis da academia correndo e, da porta, eu disse “tô indo”.
Foi nesse meio tempo que ela ligou pra Camila.
…
— Sabe o que é, Camila, a Ana começou a pensar em arrumar a casa…
Luís Augusto Menna Barreto
31.12.2019