— Pois não, senhor?
— Abre pra mim, Renato.
— Por favor, senhor, fale mais perto do comunicador, por gentileza!
— Qual é, Renato, tá de sacanagem, comigo, abre logo!
— Senhor, diga o que o senhor deseja ou qual o apartamento que quer visitar, por gentileza.
— Tá maluco, Renato? Sou eu o Júnior, do 1301! Tu estás porre, Renato? Abre logo!
— Desculpe senhor, não o estou reconhecendo.
— Renato, para de sacanagem e abre logo essa porcaria! Vou anotar no livro e reclamar com a Síndica do prédio! Abre logo!
— Senhor, não estou autorizado!
— Que não tá autorizado, Renato?! Eu moro aí, caramba! Abre esse portão!
— Senhor, se o senhor continuar a forçar o portão, eu vou ter que chamar a polícia.
— Polícia o caramba, Renato! Abre logo que não tem mais graça essa pegadinha. Ei… é o S. Orlando, atrás de ti? O gerente condominial? Orlando! Orlandooo.
— O que está havendo aí no portão, Renato?
— S. Orlando, esse indivíduo aí tá querendo entrar, mas tô achando estranho…
— Orlando, para com a palhaçada, abre logo!
— Renato, tu conheces esse senhor?
— Assim, sem máscara… difícil… talvez já tenha visto por aí, mas sem máscara é difícil, S. Orlando!
— Vocês estão loucos? Comeram manga com leite? Abre logo essa droga, to ficando nervoso!
— Senhor, mantenha a calma. Acho melhor o senhor se retirar! Está causando tumulto aí na frente! Por favor…
— Por favor um caramba, Orlando! Que é isso? Todos os dias eu cumprimento vocês, passo duas vezes por dia nessa portaria, conto piada! Sou eu, o Júnior, caramba.
— Senhor… perdoe, mas não o estou reconhecendo! Assim, sem máscara…
— Ai, meu pai… Liga aí, pro meu apartamento, a Alene olha pela câmera e autoriza minha entrada!
— Bom, dia, D. Alene? Aqui é o Orlando. Isso, o gerente condominial. Tem um elemento aqui no portão, querendo entrar, dizendo que é o S. Júnior, mas não o estamos reconhecendo. Ele insiste para que a senhora veja-o pela câmera para autorizar a entrada. A senhora poderia…
— Claro Orlando. Peraí, vou ligar aqui… peraí… hmmmm… não… não sei… não tá parecendo… e assim sem máscara…
— Pois é, tá muito estranho isso, D. Alene. Sem máscara… a senhora me desculpe, mas todo o dia a gente tem visto no jornal esses assaltos aí, o pessoal todo sem máscara…
— Não é ele não, Orlando. Não deixa entrar não!
— Senhor… senhor, a D. Alene não autorizou sua entrada.
— O quê?
— Disse que não reconheceu o senhor, sem máscara!
— Orlando, Orlando… para com isso… tô ficando furioso! Vou ligar agora pra Alene! Orlando, tu vais ser demitido, Orlando…!
— Alô, Alene falando…
— Alene, que palhaçada é essa? Manda logo abrirem pra mim?
— Oi? Perdão, quem tá falando?
— Caramba, Alene, o Júnior, teu marido! Não reconhece minha voz?
— Desculpa… assim, tão clara… tu estás de máscara?
— Não tô, Alene! A droga do elástico arrebentou, joguei fora! Para com essa palhaçada, manda logo abrir!
— Olha, desculpa mesmo… mas essa voz assim, sem estar abafada, tá muito estranha, não tô reconhecendo…
— Alene? Alene? Não acredito que ela desligou! Orlando, abre essa porta agora ou vou quebrar essa porcaria de porta de vidro!
— O que está acontecendo aqui?
— D. Karina, que bom que a senhora chegou! É esse senhor que está fazendo confusão aí na frente. Quer entrar, diz que é morador, mas ninguém conhece. Nem o Jesuíno que entrou pra entregar água pode sair com esse senhor aí na frente!
— Não saio não, D. Karina. Outro dia, tava na parada do ônibus vieram dois sem-máscara encostaram revólver e levaram meu celular. Saio não, enquanto esse maluco estiver aí. Isso deve estar até armado, D. Karina.
— Jesuíno, tu tá doido também? Toda semana compro dois galões de água contigo! Olha pra mim, Jesuíno! O que é isso? É uma pegadinha, né? Tem alguém filmando, não tem? Pra onde eu abano? Karina, perdeu a graça. Tu, como síndica, deves saber quando a brincadeira passou do ponto! Por favor, abre essa esse portão.
— Desculpe, mas não vamos abrir. E se o senhor não for embora, vamos chamar a polícia!
— Ai meu Deus!… S. Antônio! S. Antônio, que bom que o senhor tá chegando! Ufa… eu tava pra ficar louco! Vou entrar com o senhor!
— Desculpa… eu lhe conheço?
— Tu também, Antônio? O que é isso? Uma flash mob? Para de palhaçada…
— O Senhor me desculpa, mas assim, sem máscara… até me parece familiar… mas não dá pra saber!
— Pelo amor de Deus, todo mundo enlouqueceu? Ei… caramba, abre logo, lá vem uma moto com duas pessoas, pode ser assalto! Abre logo essa droga, a gente vai ser assaltado, Antônio!!
— Hum… peraí, deixa ver… não… acho que não! Estão de capacete. Malaco anda sem máscara! Tranquilo. É… Karina, eu lembrei que não comprei álcool gel, não precisa abrir, vou ali na farmácia… Até logo, senhor, passe bem!
— Karina, isso já passou dos limites! Abre isso! Vou quebrar essa porcaria!
— Desculpe, senhor. Se o senhor não se retirar, vamos chamar a polícia!
— Polícia? Chama! Chama polícia, bombeiros, chama o Papa, Karina! Daqui não saio até vocês abrirem esse maldito portão!
— O que está acontecendo aqui? Afasta do portão, mão pra cima!
— Oi? O quê? Seu policial, eu moro aqui, eles que não me deixam entrar isso é cri…
— Cala a boca! Encosta na parede! Tubo bem aí dentro? Teve alguma violência?
— Violência não, mas esse sujeito está visivelmente alterado!
— Alterado? Alterado? Sou eu o Júnior, moro aí, estão loucos? Liga pra minha esposa…
— Cala a boca ou tu vais é levar mesmo um “telefone”, malaco! Sem máscara e quer que a gente acredite nessa história? Tem uns duzentos assim, na cadeia, vagabundo! Até logo, senhora. Vamos recolher o elemento. Alguém poderia comparecer mais tarde na delegacia pra fazer o reconhecimento?
— Sim, senhor policial. Por volta de 15 horas alguém do prédio vai lá.
…
— Boa tarde, a senhora é a Delegada? Eu sou a Alene, moradora do Edifício Denver…
— A sim, onde um maluco tentou entrar, né?
— Esse mesmo.
— Está horrível hoje em dia. Estamos cheios de casos assim. Passe aqui por favor, Senhora. Vamos colocá-lo junto com outros 4 elementos, e a senhora por favor pode apontar para nós qual foi até o prédio? Fique tranquila, que ele não pode lhe ver, o vidro é espelhado. Olhe com calma. Reconhece algum deles?
— Não sei… é tão difícil assim… sem máscara eles são todos parecidos… pode ser qualquer um. Desculpa, não sei se vou conseguir apontar o elemento.
— Não tem problema. Estamos acostumados. Infelizmente é assim mesmo. Mas eles não usam máscara justamente para não serem reconhecidos! De qualquer forma obrigado. Podemos lhe ajudar em alguma outra coisa?
— Talvez… olha, meu marido saiu de casa, hoje, bem cedo, só pra ir no mercadinho da esquina, comprar água sanitária, e não apareceu até agora… to com medo que tenha acontecido alguma coisa…
Luís Augusto Menna Barreto
5.5.2020
Obrigado à Denise Daudt (@denisedaudt) que, com um comentário no blogue mennaempalavras, na crônica “Sequestro em Tempos de Corona” deu-me a inspiração para esta crônica.
Um agradecimento aos valentes funcionários do edifício Denver: Almir, Cláudio, Everaldo, o outro Everaldo, Fábio, Fernando, Francisco, Orlando, Paulo, o outro Paulo e Renato. Vocês são heróis mantendo tudo funcionando nestes tempos tão difíceis e, em especial, obrigado Renato e S. Orlando, por permitir-me a brincadeira com seus nomes!
Obrigado ao Dr. Júnior, Alene e ao S. Antônio, por também permitir seus nomes nesta brincadeira! Um pouco de descontração nestes tempos imensamente difíceis.
Dedicado ao S. Francisco, funcionário da Limpeza do Condomínio edifício Denver, que foi vítima deste terrível inimigo invisível. Que se recupere e volte à normalidade de sua vida! Estamos todos torcendo!
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