terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Brechó de Almas - parte 3 de 4


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Parte 3 de 4

— Olááááááá… … … … olááááááá…. Que lugar é… Não! Não tranca! Ei, volta aqui! Abre esse portão, dize-me onde devo ir… 
— Hummm
— Volta… volta… ei… … ei… … Não! Vou me concentrar! Sem medo! Sem choro! Tem de haver algo nesta neblina. Alguém! Basta eu andar com cuidado… sim… ali… ali… uma porta… e barulho… atrás da porta. E ali.. deixe ver, acho que são duas almas conversando… não! Uma tem asas. Um anjo! Será aqui o lugar dos anjos? O que os dois estão conversando? Por que apontam para aquela porta? Por que o anjo parece zangado e aquela alma fala de modo tão calmo? Mais perto… mais perto… pronto, posso ouvi-los:
“Tu não deverias estar aqui!”
“Eu também acho que não.”
"Foi outra chave que te deram. Não podes entrar em outra porta. Esta chave que tens não abre outras portas.”
"Eu sei.”
“Tu deverias estar ardendo no inferno!”
“Eu recebi a condenação. Peguei a chave que me deram. Fui até a porta que me era destinada.”
"Mas não entraste. Continuas sendo um covarde. Covardes não entrarão em outra porta”.
“Nunca fui um covarde. Carreguei meus erros. Aceitei a condenação.”
“Então porque não abriste a porta e entraste no que te foi destinado pelas escolhas que fizeste? Tiveste medo! Por que não usaste a chave na porta da condenação?”
“Nunca foi o medo de entrar… foi o medo do que poderia sair que me impediu de abrir aquela porta.”
“Não podes ficar aqui! Nem ao limbo tu pertences!”
— Meu Deus! Nunca antes eu ouvi alguém falar tão alto quanto o anjo! Minha alma reverbera com o som deste seu grito!… essa luz… Como Brilha! Vai-me cegar! … Onde… onde ele está? Para onde foi o anjo?
— Para a luz… 
— Por que ele gritava contigo?
— Porque ainda não usei minha chave. 
— Que chave?
— A que todos ganhamos. 
— Eu não tenho, ainda, chave…
— Pega a tua, cumpre tua sentença.
— Há somente uma porta, agora?
— Duas.
— Quais? 
— Esta, que é minha condenação…
— E a outra?
— O portão por onde entraste.
— Não… não pode…! Apenas duas? 
— Sim.
— E onde estão as chaves?
— Na mesa do juiz. 
— E onde está o juiz?
— Não há juiz, só há a mesa.
— Não faz sentido. Se não há juiz, qualquer um pode pegar a chave do caminho de volta. Ninguém pegaria a chave do inferno! Quem afinal escolhe as chaves?
— Tu não entendeste, não é?
— O que há pra entender?
— Tu és o único responsável pela escolha da tua chave.
Pobre alma intacta… sentiu medo. Descobriu depois de morta, que não existiria como enganar sendo o juiz de si mesma…



(continua… esta é a parte 3 de 4)
Luís Augusto Menna Barreto

27.1.2020

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Brechó de Almas - parte 2 de 4

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Parte 2 de 4

— Ei…
— Ah!, tu ainda estás aí? Achei que havias entendido que tua alma não serve ao nosso brechó.
— Mas é que vi passar uma alma tão intacta quanto eu: bons olhos, sem faltar parte nenhuma, quase brilhava de tão intacta! Nada a diferencia de mim. Por quê passou e eu não posso?
— Aquela recebeu o passe de aprovação! Por isso entrou! Ficará no brechó, mas na ala dos saldos e pontas.
— Que passe de aprovação? Também quero!
— Tu não me pareces o tipo de alma que conseguiria um passe de aprovação! 
— Ora, não me conheces! Em vida, sempre mantive a boa forma, frequentava academia, cuidava da pele, da alimentação, era saudável. Nao entendo como morri de parada cardíaca! Mas, enfim, isso não vem ao caso agora! Dize-me como faço para conseguir esse tal passe de aprovação?!
— Mas você não sabe nada sobre este lugar, não é mesmo? Não viste as instruções pelo caminho? 
— Não… quando percebi que morri, apressei-me logo! Não parei para ver nada, para ler nada. Eu queria apenas chegar logo. Havia muitas almas velhas e rasgadas no caminho, e não quis misturar-me. Pensei que haveria um lugar para almas como a minha, perfeitas, alvas, intactas…
— Está bem, está bem! Vês aquele portão, logo depois de passar a parte dos fundos do brechó? Fales com o porteiro de lá. Mas ainda penso que não conseguirás!
— Eu vim pegar um passe de aprovação!
— Hummm…
— Por que me olhas assim, de cima a baixo, com esse ar superior? Vamos, da-me logo esse passe!
— Hummm…
— Não me podes negar! Estou vendo pela fresta do portão, que outra alma há lá dentro, tão intacta quanto eu!
— Hummm…
— Abra logo! … Isso, agora sim! Na próxima vez, não se demore tanto! … Olá, com licença, este lugar está vazio?
— Ah, sim, está! A alma que aí estava, já foi chamada! Vê? Está saindo, agora! Conseguiu o passe! Vieste buscar também um passe de aprovação? 
— Sim! Como isso funciona?
— Esperamos nossa vez, somos chamados e respondemos à pergunta! 
— Que pergunta?
— Ora, não leste no caminho, as instruções?
— Claro que não! Estava empenhada em chegar logo, assim que morri! 
— Não sabes a pergunta?
— Não, não sei!
— E como responderás, se não sabes a pergunta?
— Saberei se tu me disseres! Vamos, fales logo!
— A pergunta é… Como? É minha vez? É minha vez! Minha vez! Perdoe-me! Estou ansiosa. Outra hora conversaremos!
— Espere… e a pergunta? Qual é a pergunta? Grite! Não te ouço…
— … ê… u… zesteeee….?
— E agora? Não ouvi. Ora, mas hei de sair-me bem! Sempre fui inteligente, acima da média! 
— Hummm…
— Nossa, que susto! Sim, já vou. Ali? Esta porta? Certo, certo… Com licença…? Sim, vou sentar-me. Estou preparada, claro! Pergunte! Como…? “O que eu fiz pelos outros"? Ora, veja bem, eu tinha 42 anos! Ninguém morre aos 42 anos! Vocês aqui, que erraram em chamar-me cedo. Não havia dado tempo, ainda de ter feito algo pelos outros! Claro que eu tinha planos de ajudar. Estava, ainda, acumulando bens, para ter condições de ajudar! Mas olhe, lembro perfeitamente, que uma vez, doei um sapato que não me servia mais! Sim, doei também comida! Lembro agora que uma vez bateram-me à porta pedindo comida, e eu tinha um saco de bolachas que estava passando a data de validade e doei! …Não serve? Não seja ridículo! Como? Que portão? O que tem naquele portão? Porque não posso voltar ao Brechó? Calma, calma… estou indo! 
— Com licença? 
— Que portão é esse? 
Pobre alma intacta… descobriu depois de morta, que de nenhuma forma doara-se. Não doara seu corpo. Não doara seu tempo. Não sabia sequer, que lhe abriam o portão do LIMBO…
(continua… esta é a parte 2 de 4)
Luís Augusto Menna Barreto
24.1.2020



segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Brechó de Almas - parte 1 de 4

Brechó de Almas


— Como assim, não posso?
— Não pode, lamento muito!
— Mas olhe pra mim! Estou perfeita! Morri uma morte estúpida, parada cardíaca aos 42 anos, onde já se viu?! Nenhum defeito na minha alma. Como não posso? Olha aquela ali. Ali, bem ali… 
— Estou vendo. 
— Pois então? Vê: tem buracos! Da minha parte, não tenho nenhum! Estou perfeita! Como é possível tu dizeres que não posso, que não terei serventia?
— Lamento, mas neste brechó, apenas as melhores almas são admitidas!
— Mas não haverá melhor que a minha! Olha: lá vai outra rasgada, bem no meio! Como pode ser admitida aquela alma? Certamente será recusada pelos espíritos novos que precisam escolher a alma para nascer!
— Bem, de fato, aquela não é a melhor… mas veja: não é necessário estar perfeita. Mas alguns requisitos deve cumprir!
— Pois procure na minha algum defeito! Nada há de errado! Olha: inteira!
— Não nos serve! 
— Não seja ridículo! Se várias rasgadas estão entrando, como a minha não serve? Olha: lá vai outra… cega! Sem olhos! E já está sendo pendurada em um cabide e exposta! Meus olhos estão perfeitos e não serei aceita nesse brechó?
— Muitas almas não são aceitas…
— Espere!, que gritaria é essa que vem de dentro do brechó? O que são estes aplausos entusiasmados?
— Ah!, pois veja: aquele espírito novo encontrou uma alma ideal, veja como a veste com orgulho. Vejo que mal pode esperar para nascer com esta alma!
— Que ridículo! Toda rasgada. Rasgada nos olhos, no tronco, atrás, na frente…  Até no lugar do coração está rasgada! Como não haveria de escolher a minha se eu estivesse lá. Vamos, pare com isso, deixe eu entrar! Minha alma está perfeita, intacta! 
— Justamente!
— Justamente o quê?
— Intacta!
— Como assim? 
— Em vida, doaste algum órgão?
— Não! Já falei, nada perdi quando viva! Estou perfeita.
— E depois de morta? Órgãos doados? Coração? Córneas? Algo…?
— Não…
— Doaste sangue ao menos, quando viva?
— … eu… não… bem…
— Tua alma, perdoe, não nos tem serventia. Aqui, valem-se as rotas… as que chegam aos pedaços… quanto mais lhes falta, mais as querem os espíritos a nascer. 
Pobre alma intacta… aprendeu depois de morta, que eram as que mais se doaram, que teriam novas chances…

Luís Augusto Menna Barreto

20.1.2020

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

pensamentos perdidos - “... moldura!”

... moldura!



Porque às vezes, simplesmente não cabemos na moldura...!

Luís Augusto Menna Barreto
3.1.2020

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

pensamentos perdidos - “... vivos!”

pensamentos perdidos: “... vivos!”



Eu acordei 
Não, não é uma coisa qualquer!
Eu me sinto um privilegiado! 
E, se tu estás lendo isso, se estás acordado em 2020, também és! 
Estamos vivos! 
Meu plano para 2020?: acordar em 2021... e saber que com todas as agruras, percalços e dissabores, eu me divertirei durante o caminho!

Luís Augusto Menna Barreto

1.1.2020