— Pergunta-me o que aconteceu na casa da Vanusa!
Tudo bem, eu usei ênclise, porque ficaria desagradável a primeira linha da crônica começar com um erro de colocação do pronome obliquo. Mas agora que eu já disse isso, vou colocar a frase como elas realmente falam:
— Me pergunta o que aconteceu na casa da Vanusa!
Sim, nesse momento, tu já farejaste a encrenca.
Tu estás ali, na mesma poltrona em que estavas na crônica “Nem Te Conto”*, latinha de cerveja na mão, televisão ligada no jogo que não é do teu time, ou seja, estavas em completa paz, apenas tu e o cachorro em casa, e ela chega com a variação do “Nem Te Conto”, essa tal de “me pergunta o que aconteceu na casa da Vanusa”!
Quanto ela chega dizendo “Nem Te Conto”, ao menos tu tens um fio de esperança enquanto o cérebro processa todas as informações, porque tu sonhas por breves milésimos de segundo, que é verdade que ela “nem te contará” o que aconteceu. Tudo bem, é uma esperança muito breve; mas uma esperança breve é melhor que uma não esperança!
Mas quando ela vem com “me pergunta o que aconteceu”, não sobra nada para tu te agarrares! Não há margem de esperança! O cérebro recebe e interpreta a frase, entendendo que, embora aparentemente retórica, a frase é, na verdade, peremptória, é uma ordem!
Tu sabes que acabas de perder a chance de ver o jogo, a chance de simplesmente não precisar torcer nem secar, a chance, enfim, de tomar uma cerveja como ela deve ser tomada: na ilusão que tu és o senhor absoluto do lar (ilusão que inevitavelmente é quebrada diante de uma frase como “me pergunta o que aconteceu na casa da Vanusa”). Aliás, essa Vanusa, tu sequer sabes quem é!
Mas não é só isso: tu tens que estar sempre preparado para reagir rápido. Se tu demoras degustando a decepção do jogo interrompido e da cerveja que não terá o mesmo gosto, lá vem:
— Va-iiiiiiiii (assim, separado e com o “i" esticado), pergunta logo o que aconteceu na casa da Vanusaaaaaa!
Claro, essa é a hipótese boa, no caso de ela estar num dia de excelente humor e com paciência; porque a variante dessa forma de “reperguntar" é um olhar mais zangado, já condenando a televisão ligada no jogo e chocando com os olhos a cerveja que estava na tua mão, a qual tu sequer terás a coragem de continuar tomando:
— Anda, pergunta logo o que aconteceu na casa da Vanusa!
Então, reconhecendo a derrota, com a inteligência do homem médio que sabe que há batalhas que já iniciam perdidas, e na vã esperança de seres recompensado nas lides amorosas após tu lavares toda a louça, tomares banho e esperares ela terminar de ver a novela, tu te rendes e obedeces, perguntando como ela havia delicadamente sugerido a ti:
— Ta bem (suspiro, pausa longa): o que aconteceu na casa da Vanusa?
Então ela solta essa:
— Ah!, nem queira saber!…
Pronto! Agora tu entendes que não perderás nenhum detalhe!
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Luís Augusto Menna Barreto
2 de outubro de 2021