— Égua, maninha! Tá doida?
— Desculpe, senhor, é o preço do “5”.
— Ah!, que susto! Não, tu não entendeste, mana, eu quero só um desse pequeno aqui, ó! — E o Mariposa exibia, nervoso, o desenho do perfume que o Rascunho tinha feito pra ele.
— Senhor, acho que quem não entendeu foi o senhor. O preço é de um frasco só. O nome do perfume é Chanel n. 5.
Quando o Mariposa levou o Rascunho lá na casa dele pra desenhar o perfume da Pequena, o Rascunho anotou o nome “Chanel”, mas não o número, porque achou que o número fosse “número de lote”, ou algo assim. Afinal, onde já se viu, nome de perfume com número? Perfume que é perfume tinha nome bonito, como “Leite de Rosas”, “Alma de Flores”, “Seiva de Alfazema”, ou o preferido do Rascunho: “Cashmere Bouquet”, que tem que fazer biquinho pra falar.
O fato é que a Pequena adorava aquele perfume. E pra todo lado que andava, colocava o tal!
O Mariposa, que largou a Constante depois de mais de 30 anos de vida juntos pra ficar com a Pequena, descobriu logo duas coisas: a primeira, que o problema não era a Constante! Era ele, Mariposa, que não sabia se aquietar com uma mulher! Sim, porque da Pequena, aos 26 anos, nada se podia reclamar em termos de formosura e mesmo assim, logo o Mariposa já quis se engraçar com uma morena que saía de uma festa e passou na frente do açougue do retalho, onde o Mariposa ainda tava tomando uma por volta das 2 horas da madrugada. A segunda coisa que descobriu, foi que a Pequena não era como a Constante, que até sabia das escapadelas do Mariposa, mas, cofiando que o sono do porre chegaria antes de concretizar o enlace amoroso, foi sempre foi muito tolerante. Naquela altura da vida, pensava a Constante, o mais importante era que não faltasse na mesa o açaí e a farinha. Até que apareceu a Pequena pra virar a cabeça do Mariposa. Mas com a Pequena foi diferente já na primeira vez que o Mariposa deu um cheiro numa outra morena! Assim que chegou em casa, a Pequena nem precisou chegar perto e já saiu com uma colher de pau pra cima do Mariposa.
O alarde foi tão grande que no outro dia, tava todo mundo no Fórum. O flagrante veio como violência doméstica, ou por “Maria da Penha” que é como o pessoal chama por aqui. O Brédi Piti, preso que sempre ajuda o delegado nos flagrantes tentou avisar que era lesão corporal e que a vítima era o Mariposa, mas pro delegado, briga de marido e mulher é sempre Maria da Penha. E ainda tinha a ameaça, mas isso nem passou pela cabeça do Delegado. A Pequena jurou o Mariposa, com colher de pau em riste!
— Doutor, eu não fiz nada — Dizia-me o Mariposa, com cara de coitado.
— Tava com outra, doutor! Admite, safado! — Gritava a Pequena.
Por via das dúvidas, pedi pro Goela pegar a colher de pau que ainda tava com a Pequena!
No fim das contas, eu entendi também que o Mariposa não havia batido na Pequena e sim o contrário. Mas eu não me aguentei e perguntei:
— Mas Pequena, como tu tens tanta certeza que o Mariposa esteve com outra?
— O cheiro, doutor. Veio com cheiro de outro perfume!
O Mariposa logo entendeu. A Constante nunca cheirava ele, e quando ele chegava, a Constante já tava em largo sono na rede.
Foi daí que o Mariposa fez seu plano. Ele sabia que a Pequena tinha aquele vidro de perfume que ficava guardado no roupeiro e todo dia ela botava uma gota em cada lado do pescoço. Pois um dia ele pegou o vidro que tava quase vazio, e saiu atrás de outro igual. Mas não deu jeito de achar na cidade. O vidro parecia coisa fina, e ele resolveu que na primeira ida em Belém, compraria um perfume desses, acharia de novo aquela morena e ficaria com ela em troca do perfume.
Mas pra Belém, não poderia levar o frasco, senão a Pequena iria desconfiar. Daí que levou o Rascunho, companheiro de bilhar e de bebida, que desenhava alguma coisa, pra copiar no papel o frasco do perfume da Pequena.
E foi então que depois de mais de dez horas no navio, desceu em Belém e quis logo resolver o problema do perfume! Mas quando a vendedora disse o valor ele quase caiu pra trás, e não entendia como que a Pequena podia ter um perfume daquele, demais caro. Mas mesmo assim, decidiu que levaria o perfume. Mais do que o valor, ele se sentia humilhado pela Pequena, porque com a Constante nunca passou por algo assim. De alguma forma, ele queria sentir-se vingado. Daí, que usou todo o dinheiro que havia levado pra Belém, ficou sem almoço, sem merenda, e fez fiar a passagem da volta… mas comprou o dito!
O plano era perfeito! Iria procurar a morena, dar o perfume e chegaria em casa com o cheiro da Pequena. Pra garantir, daria um amasso na pequena antes de sair de casa, pra depois dizer que o cheiro foi do abraço.
Tudo correu como o planejado… até chegar em casa! Ele deu um amasso na Pequena antes de sair, foi pro açougue do Retalho e ficou por lá jogando bilhar e tomando uma, até que viu a morena. Foi atrás e o resto foi fácil. Quando mostrou o perfume naquela caixa tão linda, ela se entregou às carícias do Mariposa, que nem mesmo quis se demorar, porque prazer mesmo ele teria ao chegar em casa e ver a Pequena desconfiada mas sem poder acusar de nada! Pelo cheiro, dessa vez ele não iria ser pego!
Mas quando!
Mal ele entrou e a Pequena pegou a colher de pau!
— Égua, Pequena, ta doida? É o teu perfume! É o teu perfume! É o teu perfume —, gritava o infeliz.
— Tu pensas que eu sou besta, Mariposa, seu excomungado! Vem aqui que vou te mostrar o meu cheiro, seu patife! — e toma-lhe colher de pau e agatanhada!
Foi que no desespero, ele gritou:
— Eu te dou o perfume! Eu comprei um novo! Eu te dou!
A pequena hesitou:
— Cadê?
— Em 10 minutos eu trago!
— Tu não entra nessa casa sem o perfume, Mariposa!
Ele voltou com o perfume! E com outros arranhões também. A Pequena até sorriu, ao ver que ele deve ter apanhado também da outra para quem ele deu o perfume e teve que pegar de volta.
Depois que ele chegou com o Chanel n. 5 quase cheio, foi que ele descobriu!
A Pequena tinha só o frasco! Do tempo que ela trabalhou de empregada na casa de uns “gringos” que vieram “de fora” tirar madeira do Marajó. Ela achou lindo o vidro do perfume da madame, e, quando acabou, catou o frasco vazio no lixo. Mas sempre encheu o frasco com “Alma de Flores”.
…
Depois dessa vez ela jurou que mataria o Mariposa se ele aprontasse de novo. Daí que deram os entreveiros que eu contei na crônica anterior… Acontece que o Mariposa errou de novo: usou Leite de Rosas!
Por Luís Augusto Menna Barreto