terça-feira, 29 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - parte 5

Conto Della
Decisões - parte 5

— Você sabe de tudo o que eu possa falar a respeito da mulher que tenho de impressionar. Não vou cometer o erro de subestimar você, contando coisas que você já sabe.
— Você não tem cometido muitos erros, pra dizer a verdade. E, sim, eu já sei a respeito da fusão das empresas. E sei por quem é dirigido o grupo europeu que pretende a fusão. E sei, evidentemente, que é uma mulher que vem ganhando o respeito no machista mundo dos negócios, o que exige dela muito mais talento e agressividade para que não estar à sombra de algum homem.  
— Bem… a mulher que pretendo impressionar é considerada a “Miranda Priestly”* de seu ramo.
— Anda logo! Vamos perder a sessão!
O ano era 2006 e ela estava ansiosa demais para a pré-estréia de “O Diabo Veste Prada”. Ele, despreocupadamente, estava, ainda, colocando a roupa. 
— Corre! Meu Deus! Como você demora! 
— Calma. Temos muito tempo ainda. E você ja comprou os ingressos! Não sei porque tanta ansiedade por um filme que você já leu o livro uma mil vezes!
Ele saiu do quarto. Ela segurou um ataque de fúria:
— Nem sonhando você vai assim comigo no cinema para este filme! 
Ele se olhou. Tudo normal: O tênis que sempre usava, a calça jeans desbotada, a camisa do clube de futebol. 
— O que há de errado?
— Tudo! — Ela esbravejou. Demoraria demais brigar com ele. Ela estava ansiosa demais para perder o cinema ou arriscar-se a demorar brigando. Entrou no quarto, abriu com pressa as portas do guarda-roupas dele, pegou uma camiseta branca, básica, uma camisa xadrez vermelha, e um sapato estilo “dock side”. — Veste! Rápido!
Ele também optou por não discutir. Ela estava furiosa. O jeito desleixado dele a incomodava. haviam terminado a faculdade, já. Ela estava estudando para concursos públicos, na área do cerimonial. Ele passava o tempo todo na frente do computador. Aquilo a cansava demais: toda vez, ter de pedir para ele se arrumar melhor… Estava a ponto de explodir. Mas não seria hoje. Hoje, era a estréia do filme que ela mais esperara desde que se lembra de ter ido pela primeira vez em um cinema! 
Ela ainda iria no cinema ver o filme mais oito vezes. Apenas duas com ele. As outras, sozinha, para poder observar cada detalhe.
Por um segundo, ela havia parado no tempo. Ele notara. Não a queria constrangida. Nem queria que ela percebesse que ele notou sua hesitação. Então, falou:
— A mulher é elegante e não deixa passar nenhum detalhe. E eu não posso errar na proposta. Preciso estar perfeito. Por isso, preciso de você. Preciso saber como me vestir sem deixar nenhum detalhe. Preciso saber como introduzir o assunto que preciso abordar, preciso saber o momento exato em que ela estará mais vulnerável à proposta… preciso saber a forma exata de propor.
— Você tem aparentado muita segurança, e, até agora, não tem cometido muito erros. 
— Eu preciso estar perfeito. Impecável. Acho que não terei outra chance.
— E onde será a reunião?
— Não está marcado ainda. Ela deve sinalizar onde deseja que aconteça.
— Não! Tome você a iniciativa. Decida você onde vai ser e avise-a, surpreendendo-a. Se você conseguir que ela vá, você já terá a vantagem da iniciativa sobre a negociação, e, por conta de você ter proposto o local, ela estará curiosa em ouvi-lo, e você poderá tomar as rédeas das propostas.
Ele a olhou nos olhos. Ficou pensativo. Ela não conseguiu decifrar aquele olhar. 
… mas ele pensava em como fazer a proposta.

* Miranda Priestly foi interpretada por Meryl Streep no filme homônimo da adaptação do livro “O Diabo Veste Prada de Lauren Weisberger, e era a elegante, poderosa, mas rigorosíssima editora chefe da principal revista de moda.

(Continua…)


Por Luís Augusto Menna Barreto

sábado, 26 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - Parte 4

CONTO DELLA
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Decisões - parte 4

— Meu Deus! Essa camisa além de horrível, é enorme!
Ele atravessara o campus inteiro da universidade para ir até onde sabia que ela estaria: sentada em uma pequena elevação na grama, à sombra de um arbusto, com caderno na mão, fingindo estudar. Estava observando! Simplesmente observando. A universidade era um imenso laboratório para observações. Estudantes de todas as classes, de todos os estilos. 
Havia os que cultuavam o estilo hippie, com roupas folgadas e floridas. Outros eram esportivos, e usavam um tênis confortável, calça jeans e uma camisa qualquer. Os nerds que naquela época eram chamados de “CDF’s”, e que aparentemente não se importavam com o que vestiam. Os que trabalhavam antes ou depois das aulas e vestiam-se já pensando no trabalho. Enfim, todo o tipo.   … e ele! Que aparecera com uma camisa de um time americano de hóquei no gelo, que era grande demais. 
— Tem que ser grande! — Ele respondeu. — É de hóquei! Você já viu um jogo de hóquei? Os uniformes são enormes! — Envolveu-a, deu-lhe um beijo, e sentou-se ao lado dela. — O que temos hoje? 
— Olhe aquele grupo hippie. — E ela moveu o queixo discretamente na direção de um grupo de quatro meninas vestidas com roupas coloridas, que conversavam de maneira descontraída.
Hippies, o que tem? 
— Aquela da esquerda. É rebelde, não é hippie. Enquanto todas vestem sandálias de couro compradas na feira livre da praça, ela usa uma sandália que custa mais que a roupa inteira de qualquer uma das amigas. Está vendo aquele pequeno brilho no lado da sandália? É um metal dourado característico de uma marca badalada de uma grife gaúcha que está ganhando o país. Não é hippie. Faz isso por rebeldia, mas não fica sem o cartão de crédito dos pais. Olhe: as outras usam pulseiras de couro e crochê; ela usa um relógio Michael Kors. — Depois apontou para outro lado: — Vê a menina de azul? Está se esforçando para inserir-se em um meio social além do seu. 
— Como você pode saber?
— Olhe o sapato. Elegante. Fino. Mas olha como há poeira no salto. Sugere que ela mora mais na periferia, onde não há calçamento, onde o ônibus faz poeira ao parar…
Fora interrompida por um beijo. Ele adorava fazer isso. Ele simplesmente adorava vê-la falar, o movimento da boca, dos lábios… estava apaixonado. Achava-a perfeita. 
Ela primeiro deixava-se beijar. Depois, fingia que relutava, empurrando-o com os punhos em seu peito. 
— E troque essa camisa se você quiser me beijar de novo! — Disse com uma falsa raiva!
— Não preciso trocar! Você disse que sou seu "amor pra sempre".
— Você, sim. Essa camisa horrorosa, não!
Ela estava lembrando disso, enquanto olhava o Renoir, esperando-o. Ela gostava de ver a dedicação que o pintor francês emprestava aos detalhes das roupas em suas obras. Ele chegou no horário. Ela já estava lá. 
Ela quase sorriu a vê-lo em um look arriscado. Homens em sapatos claros são sempre um convite para gafes. Mas ele chegou usando um Sérgio Rossi italiano, estilo casual, em um tom creme, quase cru, e optou por uma calça azul marinho, destacando o contraste. Vestia uma camisa com xadrez muito pequeno, em um tom mais claro que a calça e, por cima, um blazer no mesmo tom do sapato. No bolso da lapela, um lenço azul, do tom da calça, colocado de forma casual. 
A assistente dela havia enviado, pela manhã, o recado para que ele a encontrasse, naquele mesmo dia. O encontro fora marcado propositadamente no meio da tarde, em horário de expediente. Também de forma proposital fora naquela galeria com a exposição de Renoir. Havia uma cafeteria de ambiente agradável, e tudo ali, sugeria um tom casual. Seria um erro paletó e gravata, que haveria de sugerir, então, que o local fora decidido por conveniência e não para apreciar a arte, ou sugeriria que a conversa deveria ser breve, porque estaria com outras ocupações. Ele também não foi traído por isso, e, embora antes estivesse cumprindo seus compromissos da maneira mais formal a ser exigida, surpreendeu-a ao haver optado por tal vestimenta. 
Desta vez, ele beijou sua mão em frente à tela “Rosa e Azul”, e dirigiram-se ao café.
— Fale-me da mulher que você precisa impressionar.
… e ele sorriu com o canto da boca.

(continua…)


Por Luís Augusto Menna Barreto

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - parte 3

Conto Della
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Decisões - parte 3

O almoço transcorreu agradável. 
Ela o observava em cada detalhe. E ele sabia. 
Não cometeu o erro de falar cedo demais no motivo de contrata-la. Ela notou isso também. Porque muitos clientes chegam ansiosos e, antes mesmo de o garçom servir o vinho, já falam o que esperam dela. Ele não se traiu. Esperou ela perguntar. E ela o fez no tempo exato. Como tudo o que fazia. Precisa. Direta.
— Por que você me procurou?
Ele sorriu com o canto da boca. Segurou a taça, levou-a lentamente aos lábios, tomou um gole lento:
— Preciso impressionar mulheres poderosas. Na verdade, uma mulher poderosa!
Ela fez um silêncio. Mais uma vez, ele não se traiu com o silêncio dela. Não o preencheu com explicações não pedidas. Olhou-a nos olhos e sorriu, simplesmente.
Era outro teste. Ele sabia. E ela percebeu que ele sabia. Ela sabia, também, que ele era Chief Executive Officer (CEO) da empresa de aplicativos de celular que ele mesmo fundara e que com um aplicativo para hospedagens, transformou-se em uma empresa relevante no ramo. Logo a empresa foi comprada por uma grande rede hoteleira sul-americana, e, como parte do contrato, ele virou executivo para a divisão do aplicativo. Com o tempo, virara o CEO da empresa. E estava na eminência de uma fusão de milhões de euros com uma rede mundial de hotéis, cujo escritório é em Singapura… e é comandado por uma mulher. Muito poderosa. Tudo isso, ela já sabia, porque jamais marcava com algum cliente, sem antes o estudar, sem antes saber de todas as suas atividades. 
Ela iniciara como uma mera assistente de cerimonial, atendia o terceiro escalão do governo. Logo o talento foi descoberto, porque justamente nas cerimônias ao seu encargo, não havia notícias de gafes ou falhas, tão comuns em cerimoniais apressados pela velocidade das intrigas políticas. Em um tempo de acusações de toda ordem de corrupção nos governos, com políticos a todo o instante tendo de dar declarações e entrevistas e transformar eventos beneficentes em palanques de recados para imprensa, ela logo estava no primeiro escalão. Ela cometera apenas um erro. E por este erro, ela perdeu a garantia de estabilidade que fora até então o projeto de sua vida e saiu do serviço público que tanto se esforçou para entrar depois de haver passado por um rigoroso processo seletivo.
Mas naquele momento, ela não pensava nisso. Olhava, ainda, para ele, e não poderia enganar-se. Estava orgulhosa. Ele realmente estava quase impecável. Observou apenas um pequeno deslize, que ela consertaria facilmente, pensou. Decidiu que iria aceitar o contrato.
Enquanto ele tomava mais um gole do vinho, chegou próximo à mesa, de forma quase imperceptível, uma mulher elegante, que não o cumprimentou, limitando-se a olhar para ela e piscar os olhos de forma lenta com um discreto movimento vertical do rosto.
Ela retirou o guardanapo do colo e colocou-o à esquerda do prato.
Ele fez o mesmo e levantou-se uma fração de segundos antes dela, abotoou o paletó e não deu a volta na mesa para puxar-lhe a cadeira, porque sabia que naquele restaurante, o garçom o faria.
Ela o olhou de cima abaixo e disse:
— Ok. Vou aceitá-lo. Minha assistente enviará o contrato e a agenda disponível. Os honorários não são negociáveis. 
— Eu não ousaria negociá-los — respondeu.
Alguns instantes depois, no carro, ele sorriu, lembrando-se que ela não o decepcionou, quando ele, de propósito, levou a taça aos lábios antes de responder porquê ele a havia procurado. Sabia que ela notaria que era um erro, que soava deselegante e poderia sugerir insegurança tomar o vinho antes de responder, como se estivesse precisando de tempo para a resposta.
— Você foi quase perfeito.  — Ela falou ao despedir-se. — Mas não faça ninguém esperar por sua resposta. Pode soar insegurança, ou arrogância. Em qualquer caso, não é elegante.

(continua…)

Luís Augusto Menna Barreto

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - parte 2

Conto Della
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Decisões - parte 2

Há alguns anos atrás ela ficaria nervosa. 
Não pelo que estava fazendo. Era seu trabalho. E desde o primeiro dia, sentiu-se segura. Sabia o que tinha de fazer. Sabia como tinha de fazer.
Ela já perdera as contas de quantos clientes teve. Alguns, claro, marcaram-na mais que outros. Na maioria políticos. Muitos artistas. Alguns “novos ricos”… mas todos com o mesmo desejo: aparentar serem seguros e saber como se portar fazendo parecer natural. Não aceitava clientes mulheres. Não sabia direito porquê. Intuição. E de há muito aprendera a confiar na intuição.
Dificilmente aceitava clientes que já não tinham um mínimo de noção. Fazia alguns testes discretos durante as entrevistas. Lembra de uma vez que nem mesmo chegou a conversar. Quando o cliente chegou, foi sentar-se e arrastou a cadeira em vez de levanta-la discretamente. Aquilo lhe doeu nos ouvidos e ela disse que iria ao toilette… A gota d`água foi quando ela falou isso e ele sequer se levantou. Ela imaginava, agora, com um sorriso, o quanto ele deve ter esperado até perceber que ela não voltaria?!
Outro cliente, ela recusou com uma desculpa, simplesmente porque o cliente chegou com um paletó escuro sobre uma camisa também escura, mas com a gola e os punhos brancos. Outro, que não a conhecia, ela nem mesmo cumprimentou, e talvez até hoje ele nem saiba que foi ela quem passou por ele, quando ele chegou no restaurante, com o paletó um número acima (imperceptível para muitos, mas chocante para ela) e com a gravata presa por um prendedor que a deixava enrugada. 
Mas desta vez… o cliente seria diferente. E ela ainda nem sabe ao certo porque o aceitou.
Ele havia mudado muito. Ela também. Não era mais a menina insegura que fora. Ele não era mais o “amor pra sempre” de sua vida, como ambos falavam anos atrás. Ele estava mudado.
Entrou em passos firmes, cumprimentou-a com um aceno de cabeça e sentou-se. Não cometeu o erro que muitos cometem de querer beijar a sua mão, ou (muito pior!) de querer apertar-lhe a mão. 
"— Jamais a quem está à mesa! Nem para mulheres, nem para homens, nem para ninguém! — Ela lembrava como se fosse hoje, da primeira lição que dera, com um pequeno frio na barriga, ao seu primeiro cliente, hoje senador. Talvez fosse “mania de político” querer estender a mão a todos, mas ainda com a mão do então prefeito estendida no ar, antes de ela lhe dizer sequer bom dia, ela lhe disse: “Jamais a quem está à mesa”. "
Mas ele era diferente dos políticos. E ela tinha certeza que ele aprendera muito com os anos.
Ela sorriu quando ele pegara, entre três, o garfo mais próximo do prato ao servir-se de salada.
Era uma armadilha que ela sempre preparava. Porque todo mundo já havia visto no filme “Uma Linda Mulher”, que a disposição dos talheres à mesa era “de fora pra dentro” e, então, deve-se usar primeiro o garfo mais distante do prato. Mas isso para refeições com entrada, carnes e a salada em terceiro lugar. Embora não fosse o mais elegante (e ela evidentemente o sabia), ela normalmente pedia a salada para esperar o cliente, e fazia-o de propósito, esperando quase que invariavelmente, os clientes pegarem o garfo para peixes, que normalmente é o mais distante do prato, e usarem com uma falsa segurança para comer a salada. 
Ela não notou nenhuma hesitação nele. Sem tirar os olhos dela, ele pegou o garfo de saladas, colado ao prato, em um gesto natural em que ela não notou absolutamente nenhuma hesitação que o traísse.
E decidiu, enfim, que sim: aceitaria como cliente, o homem que um dia fora seu noivo!

(continua…)


Por Luís Augusto Menna Barreto

sábado, 19 de agosto de 2017

CONTO DELLA - Decisões - parte 1

Conto Della
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- Decisões - parte 1

Ela estava sozinha na mesa do restaurante. 
Estava tranquila. Não havia tristeza ou solidão. Ela esperava. Havia dois pratos na mesa. Duas taças. 
De repente, enquanto o garçom servia-lhe mais uma taça de vinho branco Louis Latour Chablis 2014, que ela saboreava com uma salada niçoise, veio-lhe um quase sorriso, ao lembrar há quanto tempo era ela quem decidia os restaurantes, quem decidia os cardápios… quem decidia a companhia.
Lutara por isso. Ficara muito tempo à sombra. Por anos, não fora notada, mas sabia que era ela a responsável pelo desempenho impecável de tantos homens que se apresentavam poderosos, seguros, decididos… Ela quase riu ao pensar nisso: “poderosos, seguros, decididos”. Na maioria das vezes, não passam de adolescentes brincando de gente grande, pensava. Quantos não saberiam nem que vinho escolher, ou a cor do paletó, se não fosse por ela…? 
De alguma forma, hoje parecia-lhe quase divertido. Mas lutara. Estudara, esforçara-se, teve de enfrentar muitas portas fechadas… até que, aos poucos, conquistou seu espaço. Aprendeu a ser invisível… e esta habilidade, por mais paradoxal que parecesse, trouxe-lhe a visibilidade e a agenda cheia, a ponto de não ser mais escolhida… a ponto de escolher.
Então, sempre que se permitia entrevistar quem a contrataria, ela chegava antes. 
Gostava de avaliar o candidato a contratar-lhe, desde a sua chegada. E estava convencida que nenhum lugar era melhor para avaliar alguém do que em um bom restaurante. 
E ela estava lá para isso. 
E ela começou a avaliá-lo assim que o garçom indicou a ele a mesa onde ela estava.

(continua…)
Por Luís Augusto Menna Barreto