Teatro Vazio
Ele subiu ao palco… como mil vezes fizera.
No instante em que piscou os olhos sentira o que estava, ainda, dentro de si: o silêncio tão eloqüente da plateia… era o que mais gostava: o silêncio após o aplauso da cortina abrir-se a primeira vez… Um silêncio diferente, pulsante… tão presente, tão vivo, que ele quase tinha certeza de poder toca-lo. Um silêncio que se materializava.
Era o momento da expectativa, em que os olhares eram todos ansiosos.
Mais do que a ansiedade da última cena do ato final, em que as tramas sempre são reveladas, a ansiedade do inicio empolgava-lhe mais, porque havia tudo, ainda, para revelar.
Quando ouvia aquele silêncio inicial, sabia que teria a vida pulsando pelas próximas horas… sabia que seria ouvido! Que às suas emoções, reagiriam emoções da platéia.
Era como se sua vida começasse a cada vez que se descortinava o palco… ao abrir das cortinas, tinha uma vida inteira para viver. Então, o aplauso final, ainda que muitas vezes em plena catarse, ainda que em ovação, ainda que com a plateia em pé com flores sendo arremessadas… para ele, representava um fim. Era como se morresse a cada vez que as cortinas fechavam… e somente voltasse a viver quando novamente abriam.
Poderia repetir cada palavras das centenas de textos que decorara. Poderia descrever cada emoção de cada personagem. Conhecia-lhes os motivos, os trejeitos, as personalidades, os temperamentos… poderia reviver cada um!
… mas sobre si mesmo, esquecia-se. Não saberia dizer o que sentia fora dos personagens. Não sabia comportar-se fora do palco.
Ao ser-lhe entregue um texto, sentia-se pleno. Seguro. Não importava a quantidade de falas, não importava se eram mil, ou se apenas uma ou duas. Pulsava-lhe a vida, mesmo da coxia, esperando sua marca para entrar em cena, ainda que uma única e rápida vez durante um espetáculo inteiro.
Sabia, como ninguém, interpretar… mas, sem um roteiro, não sabia viver, quando a peça acabava.
Com o passar dos anos, o teatro fora, tanto quanto ele, envelhecendo… o público do teatro fora diminuindo aos poucos… levara-o, os apelos eletrônicos e vídeos curtos de sites e aplicativos, ou incontáveis filmes disponíveis na palma da mão…
Com o passar do tempo, ele subia no palco, e podia contar as mãos que se batiam em palmas esparsas… O silêncio era, já, tão efêmero, tão diluído, que não o podia mais tocar… agora, oprimia-o…
… sequer sabia imaginar-se sem o abrir e fechar das cortinas.
…
Fora encontrado prostrado no palco, numa noite de casa vazia.
Em seu epitáfio, mais de trinta nomes de quem fora, porque não lhe souberam o de batismo.
Não lhe souberam sequer humano… e então, descreveram sua existência e sua história, em apenas uma palavra: ATOR!
Luís Augusto Menna Barreto
14.9.2019