“Adeus, David Coimbra…
Em tua homenagem, acho que vou colocar uma mesóclise no começo. Fa-lo-ei. Pronto, fiz! Na antepenúltima frase desse parágrafo, óh!
Aprendi contigo, em uma das tantas crônicas que li nesses mais de 30 anos, que uma mesóclise no começo, é ótimo para chamar atenção para o texto. Ou também citar algum grande escritor. Bem, eu estou te citando.”
Esse texto acima, eu escrevi em 15 de fevereiro de 2019. Era minha intenção de despedir-me de David Coimbra. Não porque naquela época ele estivesse indo embora ou morrendo. Era eu. Não, não estava morrendo nem indo embora. Estava desistindo. Sim, desistindo. Por mais de trinta anos, desde os meus tempos de adolescente, desde “a Mulher do Centroavante”, eu leio David Coimbra e o admiro. Veio o vestibular, e um pedacinho dentro de mim falava para eu cursar comunicação social, tentar ser jornalista. Mas tudo na minha volta dizia “direito”. Ninguém jamais me forçou. Eu mesmo optei. Talvez por comodismo, talvez por covardia, optei pelo direito.
Por algum motivo, Deus escolheu-me para qualquer um dos dois. Outorgou-me tanto o dom da oratória, quanto da escrita. Eu sei disso. O que não fiz, foi multiplicar os talentos que recebi, como era esperado. Acomodei-me naquilo que se vinha sempre mostrando mais simples. Daí, com o passar dos anos, fui também escrevendo, de forma amadora, modesta. Mas durante esse tempo todo estava ali, David Coimbra. Ele me perseguia nos jornais. Na rádio Gaúcha. Desde o primeiro dia que li, eu pensei: "tenho que conhecer esse cara! Ele escreve quase tão bem quanto eu.” (Tá, tudo bem, quem sou eu, né? Mas a modéstia nunca foi minha companheira, e, se além da minha mãe, eu mesmo não acreditar em mim, será frustrante).
O fato é que sempre pensei que tinha que ser amigo desse sujeito. Ele pensa o que eu penso e muitas vezes, diz antes. Eu comprava seus livros, e, quando os lia, achava que poderia ter tranquilamente meu nome na capa, porque eu escreveria, sim, aquilo ali! Em 2002, quando troquei minha profissão, mas ainda dentro do direito, e me distanciei 5000 km de Porto Alegre, pensei: pronto, agora não vou mais ficar lendo David Coimbra… Começo dos anos 2000, não havia aplicativos de notícias como hoje. Havia páginas como Uol, Terra, Yahoo… Mas não havia smartphone nem os "Apps". Então, aconteceu de passar um tempão sem David Coimbra diariamente na minha vida. Logo mais, embrenhei-me na Amazônia, em Novo Progresso por um tempo, a 400km de lugar nenhum para qualquer lado, e, depois, uma radical (e grata!) Mudança para o Marajó, onde fiquei por 11 anos… mas acontecia algo peculiar nesse meio tempo: cada vez que eu ia em Porto Alegre, o encontro com os escritos de David Coimbra eram certos! Eu mesmo comprava os livros, procurava a coluna na Zero Hora. E cada vez que o reencontrava, era como um velho amigo, o melhor amigo: não havia vazios na conversa, não havia constrangimentos!
Era como se eu tivesse lido ontem a última coluna, tamanha nossa intimidade. Sempre aquela sensação de “exatamente… eu poderia ter escrito isso”, eu dizia como quem diz para um amigo, afinal de contas, éramos.
Daí, que ano a ano, fui alimentando o propósito de realmente encontra-lo. O plano era simples: iria na redação da Zero Hora, um dos livros de David Coimbra embaixo do braço, iria apresentar-me, ele me olharia intrigado no começo, depois, talvez, gentil, assinaria o livro, faria uma ou duas perguntas, e voltaria para sua rotina tendo a mim por mais um entre centenas, milhares de fãs que o acorreram e acorriam… Ele certamente não me reconheceria como grandes amigos que somos há décadas. Não saberia das inúmeras discussões que tivemos, dos conselhos e sugestões que lhe dei e que tanto ele reproduziu em suas crônicas… Mas ainda assim, eu acalentava esse plano. Ano após ano.
Então, eu decidi: próximas férias no sul, vou lá!
Foi então, que o destino colocou o câncer no caminho do David, e levou-o a Boston.
Por essa ocasião, já havíamos retomado nosso contato diário, eu já tinha smartphone, já assinava GZH, já o ouvia em podcast todos os dias, seja no Timeline, seja no Sala de Redação. Como grandes amigos que somos, rezei por ele, fiz promessas, acompanhei sua luta! Regozijei-me com suas vitórias! Então, ele voltou a Porto Alegre. Pronto: agora nada haveria de impedir que eu o encontrasse, finalmente, e dissesse: "olá, David, sou eu! Dá cá um abraço!" Seria um abraço de melhor amigo! Eu já estava na porta dos cinquenta anos, e não havia mais tempo para perder apenas como fã, depois de uma vida inteira sendo tão íntimo, lendo suas entrelinhas, participando de sua vida!
Veio a pandemia. Viagens canceladas. Adiei.
Meu sogro, então, sabendo de nossa intimidade, fez o que eu jamais havia feito: foi até a redação de Zero Hora, levou um livro do David, e pegou, para mim, o autógrafo do meu amigo, meu chapa, meu camarada! Quando me enviou, não tomei por livro autografado: era uma carta! Claro, uma carta endereçada a mim, e assinada por meu amigo! Eu li cada um dos capítulos da carta, que tinha brochura e capa! Mas era pra mim, era assinada ao final por meu amigo David Coimbra. Aquela carta era o sinal definitivo: “tá bom, estou com passagem comprada para julho de 2022, em férias, e meu primeiro compromisso, será ir na redação, ou mesmo bater em sua casa, e encontra-lo! Já estou com 51, conheço-o desde os 16, 17 anos, já é tempo de abraçar meu amigão!
… e veio o dia 27 de abril de 2022.
…
Em julho, vou levar o livro. Vou pedir para o Diogo, o Maurício, o Potter, a Kelly, o Guerrinha, o Pedro, o Leonardo, o Luciano… vou pedir para todos assinarem o livro por meu amigo…
… meu melhor amigo, que morreu sem me conhecer…!
Luís Augusto Menna Barreto
30 de maio de 2022