Parte 4
Foram dias tristes que se seguiram. Todos os dias ela acordava com uma sensação de que algo lhe fora tirado… mas era algo que sequer chegou a ter. Não voltou ao supermercado onde o encontrou. Colocou o velho All Star rasgado no lixo, e, na antiga caixa, colocou o All Star novo e fechou-a, guardando além do tênis, os suspiros de quem sabia que a caixa ficaria no fundo do closet por muitos anos…
Entregara-se à rotina, sem questionamentos… decidiu que o tempo haveria de apagar aquele surto de sentimentos que vivera, e reacostuma-la a chegar em casa e falar frases automáticas com o marido, reacostuma-la a fingir o prazer quando em algumas noites ele chegava já excitado na cama, reacostuma-la com cardápios elegantes e pessoas servindo-lhe sem ousar dirigir-lhe a palavra.
Então, uma tarde, quando pediu a sua assistente para que lhe trouxesse uma garrafa de água Perrier, e fora atendida com um "sim senhora”, tentou perguntar:
— Quem eu sou pra você?
— Perdão…? Como?
— Quem eu sou? Se você tiver de descrever-me para seu namorado, o que você diria?
— Eu não tenho namorado.
— Para suas amigas. Quem você diria que eu sou?
— Minhas amigas conhecem-na. Eu não tenho amigas fora da empresa.
— Deixa pra lá. Obrigado.
— Sim senhora.
Permaneceu mais um tempo, olhando a cidade lá embaixo, através da parede de vidro da sua sala. Então, levantou-se no meio da tarde e disse à secretária que cancelasse seus compromissos.
De repente. Sentiu necessidade de comer batatinhas.
— Olá querida. Quer as batatinhas da Dora?
— Aceito uma, por favor. Vou comer aqui. Eu… eu sou aquela que há umas duas semanas veio perguntar p…
— Eu não esqueço um rosto, querida. E pelo que vejo, você está mesmo precisando das batatinhas da Dora.
Ela não conseguiu dizer nada. Pegou as batatinhas, e ficou torcendo para que aquela mulher falasse mais alguma coisa.
— Você fica melhor de jeans.
— O quê?
— Você está muito elegante nesta roupa de de vinte mil reais. Mas você fica melhor de jeans.
Ela tentou sorrir. Queria desesperadamente conversar uma conversa simples, honesta, sem que lhe devessem obséquios, e sem que precisasse fingir tédio com marcas e valores. Agradeceu em seu coração, por aquela mulher simples puxar conversa quase como se entendesse o seu desespero por falar com alguém.
— Eu confesso que me senti muito bem de jeans — sorriu. — Mas eu me sinto confortável também nesta roupa — e colocou a mão ao lado do rosto, como para contar um segredo — … mas acho que custou “apenas" quinze mil.
— Querida, esse corpo magro fica perfeito nesta sua roupa. Mas o seu coração está no jeans.
Ela não soube o que dizer… Então, vasculhou na bolsa, para ver se tinha algum dinheiro em vez de apenas cartões para pagar as batatinhas.
— Não se preocupe, querida. Hoje, os conselhos e as batatinhas são por conta da casa.
— Você cobra pelos conselhos também?
— Só quando não seguem. Não gosto de desperdiça-los, porque são muito bons!
— Vou lembrar disso!
Ela sorriu e foi saindo. Mas quando estava há uns 5 metros, Ouviu de Dora:
— Ele está preocupado.
Ela congelou. Virou-se devagar. Sabia de quem Dora estava falando.
— O quê?
— Ele está preocupado. Disse que sua esposa anda triste.
…
Naquela noite, enquanto o marido estava vendo canais de esportes, ela desejou não haver jogado fora o cointreau.
Luís. Augusto Menna Barreto
27.7.2020