quarta-feira, 31 de agosto de 2016

poesia de ver - "... desabafo!"

Poesia de ver:

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 06.04.2016.
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Pensei em te despetalar… por desabafo… 
… por raiva… 
… para forçar-te a dizer que meu amor bem me quer…

… mas do jeito que me olhas, florzinha…
passei a te amar.



Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto





terça-feira, 30 de agosto de 2016

crônica - O Surdo, os Gêmeos e Seu Raimundo Duas Vezes

O Surdo, os Gêmeos e Seu Raimundo Duas Vezes

“Teu nome?”
Ele ficou paradinho olhando pra mim. E acho que posso apostar que tinha um quase sorriso na boca, mas não dava pra saber direito.
“Teu nome?” Repeti, já com a testa franzida!
Olhar encarando-me e aquele quase sorriso. Não tenho bem certeza se o quase sorriso deixava-me mais fulo que o olhar-de-peixe-morto, mas os dois juntos eu não tinha dúvida que estavam conseguindo irritar-me.
“TEU NOME?” Assim, falando alto, tipo letras maiúsculas mesmo!
Nadinhas. Silêncio. Na sala de audiências todos estão tensos. Conhecem-me há tempo e sabem que estou a ponto de um rompante de irritação. O Barganha, que tava digitando, fica com as mão paradas no ar, imóveis, pouco acima do teclado do computador, pronto para digitar algo, qualquer coisa que seja, torcendo para eu ditar alguma coisa e acabar com a tensão, mas, enquanto não dito, as mãos ficam suspensas, sem coragem sequer de encostar nas teclas, com medo que o contato faça barulho e eu dirija a ele minha irritação com o peixe-morto que continua lá, olhando pra mim, com aquele quase sorriso!
Uma voz perto do meu ouvido:
“Ele é surdo, doutor”. 
“Ãhn?”
Pois é. O caboclo era surdo! Foi uma audiência difícil. Não levo muito jeito com surdos. Desde sempre! Lembro quando eu era adolescente e meu pai já velhinho (e tô falando de 90 anos de idade - é, sou bem temporão), ele foi ficando surdo e cada vez mais eu sentia dificuldades.
E tenho certeza que eu sempre usava o timbre errado perto dele. Porque tinha coisas que ele entendia e outras não! Às vezes, com o pai sentado na poltrona vermelha, com o jornal na mão, a gente falava alguma coisa baixinho, para ele não ouvir, e ele ouvia! Outras vezes, a gente falava uma bandalheira qualquer, até mais alto, pra provocar! E a mãe, da cozinha, gritava pro pai, como que apelando pra autoridade dele pra corrigir a gente:
“Tu estás ouvindo o que esse guri tá dizendo?!”
E o pai abaixava o jornal da frente do rosto e respondia sorrindo:
“Não… graças à Deus!”
Pois é, nunca me dei bem com surdos.
Tive de suspender a audiência por mais de uma hora até achar o "Come Vento”. O Come Vento era um professor que estava habilitado com o LIBRAS - Linguagem Brasileira de Sinais. O único da cidade que estava habilitado. Há anos era somente ele quem trabalhava, em aula, com surdos-mudos (que, hoje, parece que o “politicamente correto” é chamar apenas de surdos, porque a mudez, no mais das vezes é reflexo de não ouvirem sons e, então, não terem aprendido a emiti-los, embora tenham capacidade física de produzi-los). Mas, enfim, era o único da cidade e, como disse, há anos trabalhava com surdos(-mudos)! Ganhou o apelido de “Come Vento” porque, enquanto fazia os sinais, ia falando as palavras sem emitir som! Daí, enquanto fazia os movimentos, parecia mesmo que estava comendo vento!
Virou o “Professor Come Vento”.
Pois o Come Vento chegou, realizamos a audiência e acabei substituindo a prisão preventiva por várias medidas cautelares diversas de prisão, como, por exemplo, proibi de frequentar bares e boates, determinei que não deixasse a cidade e que se recolhesse todos os dias em casa a partir de 22 horas até 6 horas, entre outras. Não sei bem se ele merecia a liberdade, ou se acabei ficando com pena. Mas depois que eu descobri que era surdo, já não impliquei mais com o meio sorriso e o olhar-de-peixe-morto.
Mas, como eu dou azar com surdos, aconteceu: uma quarta-feira à noite, eu estava com um grande amigo que era juiz de uma cidade vizinha (que fica há duas horas de distancia de viagem de voadeira) e ele iria para Belém. Como o navio em que ele iria para Belém não encostava na cidade dele, ele veio até a minha (ambas no Marajó), para pegar o navio que passava todos os dias entre 22 e 23 horas. Pois naquele dia, como a maré estava contra (é, descobri no Marajó, que rio tem maré!) o navio encostou quase 23 horas. Meu amigo foi um dos primeiros a entrar no navio, equilibrando-se na prancha que liga o trapiche municipal ao navio. 
Assim que ele entrou, eu me virei e comecei a ir embora na direção contrária ao “empurra-empurra” para entrar navio. Pois quem esbarra em mim?
Isso, o surdo da audiência! Como no tumulto eu não soube quem tinha esbarrado em quem, se de fato ele em mim ou eu nele, meio que de forma automática, falei:
“Opa, desculpa!”
“Tem nada não, doutor!”
Eu sorri, por ele haver também sido educado e fui saindo…
“Hein?! ‘Tem nada não, doutor’?”
Tava formado o rebu! Olhei pra trás e já o tinha perdido de vista no tumulto da entrada do navio. Olhei pro lado da venda de passagens e lá estavam dois terços do efetivo da polícia militar da cidade: 2 PM’s! Chamei logo os dois e disse que o navio não poderia sair sem a gente pegar o pilantra do falso surdo! O Continência e o Aspirante (os policiais, como eram conhecidos na cidade) já de cacetete na mão para impor respeito, foram abrindo caminho e o pessoal se afastando com medo! Entraram no navio, avisaram para um dos marinheiros pra não desatracar e começaram a busca. Entrei atrás e fui com eles. Uns três minutos procurando e achei o falso surdo armando a rede bem tranquilo. Apontei pra ele e os policiais foram pegando com aquela delicadeza toda! 
“Ai! Me larga! Não fiz nada!”
“Ah, bonito, né? Pois agora tu vais é passar uma temporada com o Sonrisal lá o Xadrez, seu esperto!”
“Mas doutor, é um engano! Eu…”
Não sei se eu escutei ou imaginei, mas o som do tapa na orelha que o falso surdo levou do Continência, pareceu ter feito “PLAFT”… assim, em maiúsculas.
Na mesma hora, voltou a ficar surdo, porque não falou mais nada enquanto era levado pelos policiais.
Imagina só: eram mais de 22 horas e o malandro tava entrando no navio para sair da cidade e todo falante! Ele só não contava era comigo ali no trapiche.
Esperei o navio sair e fui até a delegacia. Estava louco pra falar com o surdo e ver se agora ele ia entender ou ia ficar me olhando com aquele olhar-de-peixe-morto!
Quando to entrando no portão da delegacia, o Fechadura veio ao meu encontro:
“Doutor, tem um probleminha…” o Fechadura disse-me meio constrangido.
“Que problema, Fechadura? Só não vais dizer que tá faltando cela, porque até onde eu sei, só o Sonrisal tá preso. O Brédi-Piti eu soltei ontem!” E eu não estava entendendo porque o surdo estava ali na entrada da delegacia, sem ninguém para vigiar!
Nem esperei o Fechadura explicar, e fui entrando na delegacia, porque tava louco pra falar com o surdo:
“E aí? Vais dizer que ficaste surdo de novo?”, perguntei.
“Ahn…. huuummm…ããããhhh…”
“Mas tu és muito cara de pau, mesmo! Olha, Fechadura, tá surdo de novo!”
“Doutor… ele é surdo!”
“Tá, Fechadura, só se era um irmão gêmeo dele no trapiche!”, eu brinquei!
“Era, doutor”.
“Hein?”
“Era, doutor! Veio de Belém pra visitar ele. São gêmeos. O que fala tá na cela, doutor. Ia voltar pra Belém e o surdo não foi no trapiche junto, porque já tinha passado do horário que o senhor determinou, doutor!”
Dá pra imaginar?! 
Não levo jeito com surdos! É sina!
Daí que tempos depois, quando o Seu Raimundo Duas Vezes chegou no fórum e pediu pra falar comigo, eu já me assustei.
O Seu Raimundo Duas Vezes não era surdo de nascença, e falava muito bem, de mudo não tinha nada. Era como meu pai: a velhice foi castigando aos poucos sua audição, só que numa velocidade maior. Aos sessenta e cinco anos, só entendia o que era gritado para ele. E mesmo assim, normalmente, tinha que falar duas vezes pro Seu Raimundo!
Pois ele queria uma explicação de como estava o processo de aposentadoria dele contra o INSS. E agora? Como eu ia conseguir explicar pra ele que dependia do retorno da carta precatória de intimação da sentença pro INSS, que remetemos para Belém?
Fiz um esforço. Depois da mancada com os gêmeos, eu me sentia quase na obrigação de ter paciência e atender bem Seu Raimundo Duas Vezes. Levei-o ao gabinete e mentalizei que teria paciência. E comecei a explicar:
“Seu Raimundo, é o seguinte: explica, explica, explica, explica, explica, explica………..
Fiquei uns bons 4 minutos explicando a situação e ele me olhando com cara de quem presta atenção e balançando a cabeça pra cima e pra baixo, muito serio, nos movimentos universais de concordância e entendimento! 
“……. explica, explica, explica, explica….. e é isso, Seu Raimundo!” Olhei pra ele com alguma esperança!
“Doutor… não ouvi direito… o senhor poderia me dizer de novo?”
Socorro. Respira. Paciência. Lembra da mancada com os gêmeos… (tudo isso eu estava dizendo pra mim mesmo). 
Recuperei a calma e comecei de novo, desta vez gritando:
“SEU RAIMUNDO, É O SEGUINTE: EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA………
Agora, Seu Raimundo Duas Vezes estava sorrindo. Veio um certo alivio. 
“…….. EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA, EXPLICA……… E É ISSO SEU RAIMUNDO!”
“Doutor, teve um ou outra coisinha que não ouvi direito… poderia me dizer de novo?”
Ai, ai, ai….
Pense num desânimo, misturado com desespero e com alguma vontade de esgoelar o Seu Raimundo!
Mas foi aí que me veio a idéia iluminada!
Peguei seu Raimundo pela mão, levei até a mesa de audiências, fiz ele sentar ao meu lado, peguei um monte de papel e um pincel atômico: eu escreveria tudo para Seu Raimundo! Que solução! Eu devia ter pensado nisso já na audiência do primeiro surdo! Mas enfim, o que passou passou e agora eu tinha a solução. E, para não correr riscos, peguei o pincel atômico e comecei a escrever em letras muito grandes. Cada folha que eu ia escrevendo, eu ia passando para o Seu Raimundo, que pegava o papel e olhava com muita atenção! 
No fim das contas, escrevi perto de sessenta folhas, minha mão já estava doendo!
Quando terminei, nem me preocupei em tentar falar nada. Olhei para Seu Raimundo Duas Vezes e fiz um sinal de positivo pra ele!
Ele virou pra mim, sorrindo:
“Doutor… posso pedir uma coisa?”
Fiz outro sinal de positivo, como quem diz: “Claro, Seu Raimundo, peça!"
“O senhor poderia ler pra mim? É que nunca aprendi a ler direito, doutor…”
Não… não vou contar o fim da história. Só vou dizer 6 palavras:
Chá de camomila! Suco de maracujá!


Por Luís Augusto Menna Barreto


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

diálogos - "...tela!"

Diálogos:

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 04.04.2016.
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“O amor é um risco.”

“Por quê?”

“Ele transforma e não permite a desconstrução do que transforma.”

“Ora, mas isso não é bom?”, ela perguntava sem tirar os olhos da tela que pintava.

“O amor sempre nos apresenta o novo, e depois não nos basta mais o que éramos antes.”

“Eu não estou entendendo…” Ela disse sorrindo, sem parar de pintar.

“… é como essas telas. No fim, sempre ficam mais lindas depois que pintas. Mas acho que eu me preferia quando gostava delas apenas brancas.”

“Se achas belas as cores que eu pinto, como podes dizer que preferes as telas em branco?”

“Não é que eu prefira o branco… é que era suficiente, quando eu não conhecia tuas cores…”

Ela apenas olhou para ele, parada, com o pincel delicadamente suspenso no ar…

“… tenho medo, agora, de que  dia em que não pintares, eu não me sinta completo… eu me sinta apenas uma tela vazia…”

Por Luís Augusto Menna Barreto



domingo, 28 de agosto de 2016

pensamentos perdidos - AS FLORES - parte 5 de 15

Pensamentos perdidos - AS FLORES - parte 5 de 15

Lembranças de Henrique
PAUSA NA CARTA:
Eu não me lembro bem onde estava, mas, de repente, eu te vi, Michele. Tu fazias movimentos delicados com as mãos e, então, percebi que brincavas com o galho de uma árvore. Eu estava um pouco longe e não consegui enxergar-te direito… eu não lembro se o dia estava escuro ou não… Talvez houvessem sombras ali.
Tu me olhaste algumas vezes… eu não ia ir até onde estavas.
Não lembro de muita coisa mas, quando notei, estava ao teu lado… Eras linda. Tinhas mãos muito bonitas… É, eu lembro de tuas mãos. Acho que eu estava um pouco nervoso. É fácil ficar nervoso quando se é jovem… Agora, tão poucas vezes eu perco a calma…
Ah!, lembro, também, que teu corpo era perfumado. Um aroma extremamente agradável. Então, tu sorriste… e disseste teu nome.

Por Luís Augusto Menna Barreto









sábado, 27 de agosto de 2016

Poesia de ver: "... roda do tempo!"

Poesia de ver:

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 2.04.2016.
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Queria que o tempo não fosse uma linha reta... 
queria que fosse um círculo, como a roda da bicicleta.... 
pra poder sempre revisitar o dia que te larguei aqui 

... e poder pedalar mais um pouco...


(Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto)




sexta-feira, 26 de agosto de 2016

crônica - Chorão, Furunco, Fagulha e José Filho

Chorão, Furunco, Fagulha e José Filho

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 1º.04.2016.
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O dia de trabalho já havia começado estranho…
Passadas quase três horas de viagem, e de repente ouvimos um barulho como alguma coisa coisa grande de madeira quebrando…. …e foi mesmo alguma coisa grande de madeira quebrando! 
De repente, o barco saiu do curso que estava e começou ir para o lado de uma pequena ilha, logo antes de chegar em uma agitada baía, a qual, atravessando, chega-se à sede do município de Bagre, para quem sai de Breves, no Marajó. Logo achei que era alguma coisa mais séria, porque o barco deu uma guinada a favor da correnteza e foi logo encostando na direção da ilhazinha. Comecei a me assustar de verdade quando foi chegando cada vez mais perto das árvores e o barco não fazia qualquer manobra para encostar. Daí pro “baque" foi num instante. Barulho grande de galhos quebrando e de madeira arrastando em areia. O barco deu uma parada brusca, depois se moveu um pouco, andou um pouco e parou mesmo. Não vi muita coisa, porque logo na primeira parada eu já tinha caído… o piloto e o auxiliar de máquinas não sei, mas os dois caboclos que também viajavam, estavam deitados em suas redes que balançaram bastante, mas eles nem se preocuparam em levantar-se!
A coisa grande quebrando era o leme! Daí, que o piloto, sem o leme, fez apenas desligar o motor e o barco seguiu na correnteza, até encalhar na ilha.
Quando eu me recuperei do susto, fui falar com o piloto e vi que ele não estava nem um pouco agitado como achei que deveria estar em uma situação dessas. Ele ficou procurando alguma coisa numa espécie de armário, que eu logo pensei que seriam ferramentas… 
… Era uma rede!
“Uma rede, Fumaça?” ‘Fumaça’ era o piloto do barco. "O que tu vais fazer com uma rede?”
“Deitar, doutor”.
“Hein????”
E ele foi deitar mesmo! Armou a rede na popa e deitou tranqüilo, perto dos dois caboclos que deitados estavam, deitados ficaram!
“Não se aborreça, doutor. Não tem o que fazer. Vamos esperar algum barco aparecer e pedimos prá avisar que deu prego.”
Assim! Na maior calma! Celular? Claro que não tinha sinal nenhum naquele meio de rio, na Amazônia! 
Menos de uma hora depois, de fato conseguimos ajuda. Passou uma voadeira que estava indo para Bagre e óbvio que eu me apressei a pedir carona. 
O estranho foi não me atrasar; mas o tempo que ficamos parados encalhados, a voadeira descontou movendo-se muito mais rápido do que o barco poderia navegar. 
Foi chegando em Bagre que conheci o Bob. Era o servidor que o município colocou à disposição do judiciário para fazer as vezes de meirinho. Assim que pisei no trapiche, ele foi logo pegando a mala e falando, sem nem se apresentar:
“Levou farelo na viagem, doutor? Deu prego no barco? Olha, pense numa fila de gente esperando audiência e pra falar com o senhor…”
Ele disse muito mais coisas, mas a velocidade era tão grande que eu acho que não conseguia processar a informação. Acho que entendi ele dizer que já estava todo mundo na Câmara de Vereadores que era o único local que havia para realizar as audiências em Bagre naquela época (por volta de 2008). 
“… e tem uma separação do ‘Chorão com a Gominha” e muita audiência do juizado Especial…”
Era o Bob falando ainda.
“… e o lanche vai chegar daqui há pouco…”
Essa parte do lanche, lembro que prestei atenção, porque eram quase 16 horas e eu não havia almoçado.
“… então eu levo suas coisas para o hotel e encontro o senhor em seguida."
Ufa… até foi estranho quando o Bob parou de falar!! 
Começamos pela audiência de separação. O Bob chamou, não sem antes falar alguma coisa para cada uma das pessoas que estavam esperando as suas audiências. Ele pegava o processo na mão, ia lá na frente, lia os nomes, mas chamava pelos apelidos (porque em Bagre, acho que todo mundo tem apelidos. Menos o Nik, que digita as audiências. Porque é Nik mesmo! Vamos combinar que não precisa apelido quem é registrado como Nik, né?!)
“Chorão, Gominha, passa pra audiência!” Foi assim que o Bob chamou e veio logo entregar o processo… fazendo um comentário, claro:
“Encrenca, doutor. Espera a choradeira…” 
E lembrei que o apelido do homem era “Chorão".
Foi mesmo: encrenca já na primeira! Era separação, lembram? Pois é. A separação em si, quase nunca tem muito problema, é algo até simples. Mas, havendo divisão de bens…: encrenca!
Tentamos de todas as formas dividir os bens, mas seja lá qual era a proposta para divisão dos bens, o homem começava uma choradeira:
“Assim não dá, doutor! Como vou fazer ficando só com isso? Ela quer me tirar tudo, doutor! Ela tá ficando com o que vale mais! Vou ficar na miséria, doutor. Isso não aceito”. E por aí, afora. O Chorão chorava!
Mudávamos a proposta e lá vinha ele:
“Pior ainda, doutor! Não dá. Ela quer tudo. O que eu vou fazer só com isso que vai ficar prá mim, doutor?”
Eu estava, já, para arrancar os poucos cabelos que me restam, quando a mulher, que até então não falava nada, observando tudo como quem estava há muitos anos acostumada com a mesma choradeira, falou:
“Inverte, doutor!”
“Hein?”
“Hein?”
O primeiro hein foi meu, o segundo, dele!
“Inverte.”
“Inverter o quê, senhora?” Perguntei.
“Ora, doutor, inverte que eu aceito. Se ele tá dizendo que o que está ficando pra ele não serve pra nada e eu é que estou ficando com tudo o que é bom, inverte que eu aceito ficar com a parte dele e ele fica com a minha”.
“HEIN?!” 
Agora, um "HEIN" assim, maiúsculo, foi só dele! Antes que qualquer um de nós dissesse alguma coisa, voltou a choradeira: 
“Não, doutor, mas isso não tá certo! Cada um tem que ficar com o que já tá escolhido, é só fazer um ajuste…”.
Malandrinho, né?! O problema dele era chorar eu acho. Daí, que entendi o motivo da separação. 
Pois bem. Depois da audiência do Chorão (olha aí eu já falando por apelidos!), começaram as audiências do Juizado Especial. E como eu torcia para que, “pelamordeDeus”, fosse confusão entre homens. Sim, isso mesmo: queria que a confusão fosse entre homens, porque vou dizer uma coisa: quando o problema é entre mulheres… pode apostar: não tema acordo de jeito nenhum. Ainda mais se a briga deu-se por algum homem. Aí, não tem santo que dê jeito! Já entre homens, a coisa é muito diferente. Foi o que aconteceu no caso do “Furunco”. (Eu até acho que o apelido do caboclo era pra ser “Furúnculo”, mas considerando que um é pior que outro, deixa por “Furunco” mesmo, que tá bom).
O “Furunco” havia sido furado com faca, logo abaixo do ombro, e a faca atravessou que a ponta saiu do outro lado. Mas quando o Bob chamou as partes (a vítima que era o “Furunco” e o agressor que era o “Laringe”) só apareceu o “Furunco”. 
“Farelo, doutor. O Laringe não apareceu”, comentou o Bob, entregando-me o processo.
Olhei no processo e o “Laringe”, que aliás se chamava Álvaro Antônio, não apareceu. O Bob chamou novamente, e o “Furunco” falou:
“Ele já vai passar aqui, doutor. Ficou de me dar uma carona até a praia”. 
“Hein?"
O “Furunco” ainda tinha as cicatrizes próprias de quando não é costurado de forma adequada o ferimento. Tinha foto no processo da faca atravessada no ombro! Na verdade, nem era caso de Juizado Especial pelo que mostrava nas fotos. Mas ele repetiu:
“Ele tá vindo me buscar pra dar uma carona, doutor. Posso dizer pra ele entrar e falar com o senhor, se faz questão. Mas pra mim, esse caso já está resolvido. Pode deixar assim. Dá nada não!”.
“Mas não foi o Álvaro que lhe furou?”, perguntei.
“O Laringe? Ah, foi. Mas isso foi quando ele ainda estava com a Raimunda. Depois que ela largou dele, ele parou de brigar comigo e já nos acertamos.”
Não resisti e perguntei:
“Mas tu chegaste mesmo a ficar com a Raimunda, Furunco?”
“Vai saber, doutor?! Se fiquei, é porque tava porre. Não lembro não.”
Eu disse: as coisas estavam estranhas naquele dia.
Por fim, várias audiências depois, o Bob pegou o último processo, que era, também uma briga onde, inclusive, os envolvidos passaram dois dias no xadrez da delegacia para “esfriar a cabeça”, segundo a informação que veio no expediente da polícia.
Bob foi até a porta, e chamou: 
“Fagulha, entra!”
Estranhei. O Goela só chamou um (o “Fagulha”), que entrou, sentou e ficou olhando tranqüilo pro Bob.
Eu falei:
"Chama o outro, Bob."
“Precisa não, doutor”.
“Como não precisa?! Claro que precisa, chama lá esse tal José Filho, que tô até curioso para saber qual é o apelido.”
“Precisa, não doutor”. E ele foi sentando. “O apelido do José Filho é Bob.”
Foi um dia estranho. Muito estranho.

Por Luís Augusto Menna Barreto


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Pensamentos Perdidos - AS FLORES - parte 4 de 15

Pensamentos Perdidos - AS FLORES - parte 4 de 15

Pensamentos de Manoela
Ele apareceu há alguns minutos. Devagar e com medo. Eu sinto sua indecisão. Sua surpresa e curiosidade. Surgiu por detrás daquela árvore enorme com tronco grosso. Agora, está olhando pra mim com vontade de vir até aqui.
Sim, eu noto a sua insegurança. Cada vez que olho pra ele, ele faz seu olhar fugir de mim.
O dia não está muito bonito. As nuvens que estão paradas no céu, escondendo o sol, deixam cinza o dia. As árvores também estão imóveis. Só a flor desta árvore é que se movimenta com a carícia de meus dedos…
Mas ele permanece lá. Como as plantas, hoje… imóvel!

Por Luís Augusto Menna Barreto









quarta-feira, 24 de agosto de 2016

poesia de ver: "... pra voltares!"

Poesia de ver: “… 



Era a única no roseiral…
Não consegui arrancá-la. 
Por isso, eu te trouxe aqui: para dar-te a flor, sem tirá-la do pé… 

Tu voltarás…?


Imagem e texto por Luís Augusto Menna Barreto




terça-feira, 23 de agosto de 2016

crônica - A Apreesão do Prego e do Taxinha

A Apreensão do Prego e do Taxinha

Originalmente  publicado no antigo blog
"Menna Comentários", precursor deste.
Data da postagem original: 21.03.2016.
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“Eu vim buscar o “Taxinha”!
Pois foi assim mesmo que ele chegou. Já veio com a mão estendida há dez metros de distância, que achei até que estava engessada! Caminhando decidido… mas tinha algo de errado naquilo…
A história foi a seguinte: eu havia recém chegado na cidade! Era a primeira comarca da qual eu era titular. Mais de 400 km de floresta amazônica para qualquer lado. Mas a cidade até que tinha sua estrutura (claro!, imagina se uma cidade em que não há como chegar ou sair na hora que se quer, poderia ficar sem ter seus recursos?!). Mas, enfim, não deixa de ser um certo isolamento!
Quando cheguei, a cidade estava fervendo. A economia era basicamente de madeira e ouro: extração não exatamente legal de madeira e garimpos francamente irregulares. A então Ministra do Meio Ambiente Marina da Silva (isso, essa mesmo!), havia recém determinado uma faixa muito maior de proteção e preservação às margens da estrada Cuiabá-Santarém, e a economia da cidade praticamente parou! 
Quando cheguei lá, muitos caminhoneiros e moradores, haviam trancado a estrada Cuiabá-Santarém em protesto às medidas da Ministra, e haveria uma audiência pública para dali dois dias. 
Recém chegado, e ainda inexperiente na função de juiz (embora com 7 anos de advocacia), fui surpreendido já no meu segundo dia no fórum com um barulho de voz num megafone (aquela coisa que parece um cone, e que deixa a voz parecendo vento em taquara rachada)!
“Seu Juiz!" (isso, “seu" mesmo, ufa… não podia colocar um “Doutorzinho” que fosse…? era minha primeira comarca, estava todo empolgado e já chego sendo tratado de “seu”? Bem, mas vamos lá…!).
“Seu Juiz, aqui é a população… esvazie o fórum para ninguém se machucar que nós vamos tomar o fórum em protesto”!
Báh! (Isso, sou gaúcho e vim para o Norte!). 
“Seu Juiz, aqui é a população… esvazie o fórum para ninguém se machucar que nós vamos tomar o fórum em protesto”! 
Ele repetiu mesmo a frase. Achei até que estava ensaiado e era só o que ele havia decorado! Mas então ele improvisou:
“Seu Juiz, a população dá 2 minutos para sair do fórum.”
Como diz minha irmã, lá no interior do Rio Grande: “Daí, me caiu os butiá do bolso”. (Ela fala assim, de propósito sem concordância… mas quando ela fala, fica engraçado!).
Por muito menos, já soube de juiz saindo pela janela e só parando de correr quando não se ouvia mais grito nem latido de cachorro. Mas na hora não consegui pensar muito, e fiquei com raiva. Fui logo ver o que era aquilo. Os servidores do fórum já estavam todos do lado de fora e ficaram olhando pra mim, como que querendo saber se eu tomaria alguma atitude, ou me borrava todo!
Eu até que estava mais para a segunda opção, e até hoje não sei o que me deu, pra não me agarrar a esta, que seria a mais natural. Mas fiquei na porta do fórum e olhei firme para a manifestação e o qüera do megafone.
Pra começar, o que ele chamava de “população" não tinha mais de 200 pessoas… mas convenhamos que para invadir um fórum no interior até que está de bom tamanho. Parei na porta! E falei alto, sem megafone:
“Bom dia pra vocês também!” Eu sempre começo assim, quando alguém fala comigo sem me cumprimentar!
"Pois é o seguinte: estou chegando agora na cidade e não estou entendendo muita coisa. Mas até onde eu sei, a Ministra nem sabe que existe um fórum aqui! E digo mais: ouvi dizer que vocês estão trancando a estrada há uns 15 dias e nada acontece. E nem vai acontecer! Pelo que tenho conhecimento, não é esse o caminho que a Ministra usa para ir pro trabalho!”
Como até ali, ninguém tinha esperado que eu fosse falar, ficaram olhando um pro outro. Quando o cara do megafone foi levantar o cone pra falar de novo, eu atalhei:
“Seguinte: eu não tenho como segurar vocês. Então, quem quiser pode entrar. Mas prometo uma coisa: se eu ficar vivo, o PRIMEIRO que atirar uma pedra ou que passar por essa porta, ESSE vai ser preso. Pode não ser hoje nem amanhã, mas eu PROMETO que vai ser preso e responsabilizado! Os outros não vou nem ficar cuidando quem é, nem tentar impedir. Mas o PRIMEIRO, esse eu prometo!” E nisso, saí pro lado abrindo passagem!
Querem saber? NINGUÉM foi o primeiro! 
Não perguntem de onde eu tirei essa, mas me veio na hora e deu certo!
O pessoal já passou a me respeitar. E na audiência pública à tarde, quando eu falei no ginásio lotado, que fiquei triste porque enviaram o “Ouvidor Agrário Nacional” em vez de um “Contador Nacional”, virei uma especial de “popstar”. E eu falei aquilo porque em todas as audiências públicas que eu já havia participado, quando havia um ouvidor, eu nunca notava efeito prático. Parece que o ouvidor desempenhava perfeitamente sua missão: OUVIA… mas não contava nada do que ouviu e ficava por isso mesmo! Então fiquei esperando um dia em que enviassem um “Contador" em vez de um “Ouvidor”.
Pois foi nesse clima que cheguei na cidade. 
E tinha um promotor… barbaridade! Pense num Promotor a fim de trabalho! Não me dava sossego. Lembro que no primeiro mês, gastei quase metade do meu vencimento comprando livro para poder entender e despachar certo tudo que o Promotor pedia em mil procedimentos diferentes!
Pois o Promotor (que nem sei se dormia) inventou uma noite, que faria um “Patrulhão" da Infância e Juventude para recolher menores de 18 anos das festas noturnas! Pois o Promotor articulou tudo: falou com Polícia Militar, Polícia Civil, Conselho Tutelar, tudo… e me convidou! 
Eu fui, né?!
Pois por volta das 2 horas da madrugada de uma sexta para sábado, depois de passar em todos os locais de festa, foram recolhidos mais ou menos uns 100 adolescentes em festas, desacompanhados de responsáveis. Foram recolhidos para uma sede que nem lembro do que era. Depois, o Conselho Tutelar e a Polícia começou a ir nas casas dos pais ou responsáveis para avisar, de modo que começou uma procissão de pais, mães e ambos, vindo buscar menores e já saindo intimados para uma audiência junto ao Ministério Público!
Pois eis que lá pelas tantas da madrugada, com muito café na cabeça, estávamos já apenas com uns 8 ou 10 apreendidos, e conversávamos, eu, o Promotor, o comandante do Policiamento Militar e o Delegado, na frente da sede, quando chegou um rapaz numa motocicleta. Nós quatro paramos para olhar a situação: a motocicleta estava sem placa e o rapaz, apesar do capacete, desceu de chinelos de dedos! Eu vi que estava nervoso, porque, como comecei contando, já veio com a mão estendida há uns 10 metros de distância. Cumprimentou a todos e falou:
“Eu vim buscar o ‘Taxinha’”.
“Hein?”. Saiu sem eu pensar, mas é que eu não estava acreditando mesmo!
“O Ronaldo Alfredo”, ele corrigiu!
O Ronaldo Alfredo, apesar do nome, era um garoto até bem miudinho, que contou que tinha 12 anos de idade e estava furioso por ter sido apreendido, logo na primeira festa dele! O Apelido era “Taxinha”.
“E o senhor quem é?” Perguntou o Promotor.
“Eu sou o ‘Prego’… digo, sou Gustavo Afrânio. Responsável pelo Ronaldo Alfredo”.
Nós nos olhamos, mas ninguém riu! Seguramos.
“Quantos anos o senhor tem?”. O Promotor que perguntou (a operação era dele; eu também faria essa pergunta, ok?!)
“17”, respondeu o “Prego".
Podem imaginar o que aconteceu, né? O “Prego” foi imediatamente apreendido e ficou ao lado do “Taxinha”.
Depois soubemos a história. Estava muito estranho mesmo, um rapaz de 17 anos ter a coragem para ir lá, enfrentar todos nós e tentar tirar o irmão dali. O que houve, foi que o “Prego" (Gustavo Afrânio), foi pegar escondido, a motocicleta do pai; e o “Taxinha" (Ronaldo Alfredo) viu. Daí, disse que se o “Prego” não levasse ele junto, contava para o pai. O  “Prego” levou e deu o azar de ser justamente no dia da operação do Promotor!
Agora… pense num homem zangado: pois assim estava seu Ricardo Nelson, pai do “Prego” e do “Taxinha”, quando foi buscar os dois. Só não saiu batendo nos meninos porque a esposa o deteve! 
A propósito: o apelido do Ricardo Nelson era “Martelo”! E ele tinha 7 filhos… juro que não quero saber o nome nem o apelido dos outros 5.

Por Luís Augusto Menna Barreto