quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Oi? Veja bem...

Bora Cronicar

Oi? Veja Bem…

Veja bem… ontem, eu tentei falar sobre a expressão “sabe o que eu tava pensando?”, e não deu tempo, acabou o espaço da crônica.
Eu queria chegar em algumas expressões que me assustam um pouco, mas, pra isso, eu queria chamar atenção para algumas expressões que são corriqueiras, e que, de alguma forma, ou me assustam ou irritam profundamente. O “oi" é uma delas. Não, não o “oi" cumprimento, desse que a gente avista alguém do outro lado da rua e diz: “oi!”.
Note que neste “oi”, o ponto que o acompanha, é o ponto de exclamação! Porque quando a gente diz “oi”, normalmente é com alguma satisfação. Tudo bem, eu sei que nem todo mundo costuma cumprimentar as pessoas com entusiasmo. Em alguns casos, o “oi" vem acompanhado simplesmente de ponto final. Assim: “oi.” É um “oi” mais seco, de quem não quer dar muita conversa. Mas tem "oi" ainda mais entusiasmado do que o “oi" com o ponto de exclamação. Tem o “oi” seguido de vírgula e um “e aí?”. O “oi" seguido de vírgula, eu tenho um pouco de medo, porque significa que alguém quer que eu fale mais, que eu diga alguma coisa, que entabule conversa. E nem sempre estou nesse clima. Prefiro o “oi" que fica entre o ponto final e o ponto de exclamação. Tipo o “oi" de elevador: a porta abre, a gente vai entrando e vendo quem está nele, e a gente pode limitar-se a apenas um “oi”, assim, meio indefinido, aquele “oi” por edução, o “oi" que seja suficiente pra chegar até o térreo e sair fingindo pressa pra não ter que dar conversa. E tem outro oi, também que eu não gosto tanto, o “oi" seguido de reticências, tipo o “oi" do Ross do seriado Friends. Um “oi" de quem sente pena de si mesmo e quer que lhe pergunte: “e aí, tudo bem?”, ou “oi, o que houve?”. É um “oi” que o “i" vai sendo mantido em uma espécie de MRUV (não lembra? Você aprendeu em física: Movimento Retilíneo Uniformemente Variado) Assim: “oi i i i …”. Mas tem um, pra mim, pior que todos esses: o “oi” com ponto de interrogação, quase uma interjeição, muito usado quando alguém quer ganhar mais tempo que o “veja Bem”, quando alguém quer fingir que não entendeu:
— Passaste na costureira pra pegar o vestido, que eu pedi? 
— “…Oi?”
Esse! Esse é o pior. Claro que o pobre marido dessa mulher entendeu a pergunta! Junto com a pergunta veio o choque de ver-se confrontado com algo que ele esqueceu, porque é a última coisa que escolheria fazer. Se ela tivesse dito algo como:
— Lembraste de passar no açougue e comprar a picanha maturada e depois passar no mercado pra comprar a cerveja pro churrasco com o pessoal do futebol? 
Se a pergunta fosse assim, a resposta não teria nenhum “oi”, seria clara e direta: 
— Claro que sim, meu bem! 
Mas, no primeiro exemplo, o da costureira, o recurso foi o “oi" com ponto de interrogação. Esse “oi" é pior do que o “veja bem”, porque enquanto o “veja bem” já é um começo direto, o “oi” com ponto de interrogação força à repetição da pergunta, o que dá inestimáveis segundos para o cérebro disparar toda sua energia de processamento na elaboração de uma resposta convincente: 
— Não, meu bem, eu estava indo para a costureira, e o Adroaldo ligou porque a pressão da mãe dele caiu e ele pediu pra eu passar na farmácia pra comprar o remédio da mãezinha dele, tadinha… Mas amanhã eu passo na costureira sem falta!.
Mesmo que esse “oi" com ponto de interrogação seja útil em algumas situações, eu detesto que seja dirigido a mim. Especialmente em interrogatórios.
— O senhor invadiu a sacristia e roubou o celular do coroinha?
— Oi?…
Isso me deixa louco! Daí, que desenvolvi uma técnica:
— O senhor invadiu a sacristia e roubou o celular do coroinha?
— Oi?…
— Oi! — Eu devolvo! Assim, seco, e fico encarando o sujeito. Meu ponto de exclamação fica cravado ao lado do “oi" como uma lança! Isso inibe a invenção de uma desculpa. O indivíduo não espera por isso, e, então, em vez de o cérebro sair desesperado em busca de uma desculpa para seja lá o que for, fica confuso tentando entender se foi cumprimentado de volta, ou o “oi" foi o que tive a intenção de que fosse: o resumo da repetição da pergunta seguido de “desembucha logo”. Tudo num “oi" com ponto de exclamação, que se seguiu a um “oi" com ponto de interrogação.
Pois bem. Acho que de todas as expressões possíveis, a que mais mete medo em um homem é quando a mulher diz: 
— E aí? Não notaste nada? 
Pânico! Paralização total. A gente olha em silêncio: cabelos! Ela cortou? Estavam assim ontem? Unhas! As unhas! Já estavam vermelhas, né? Ou não? Sobrancelhas! Meu Deus! Será que ela fez as sobrancelhas? Como diabos ela pode pensar que eu vou notar algo assim? 
As opções não são muitas e os resultados vão desde a execração até o desprezo com a ameaça velada: “
— Vamos ver se o Eduardo lá da firma não vai notar! 
Eu sugiro a seguinte opção: escolha alguma coisa e diga rápido com convicção. Se demorar um pouco, elas farejarão o cheiro do medo. Seja rápido. Já que é inevitável, seja homem! 
— Eu gosto quando você pinta as unhas assim!
Provavelmente não dará certo. Mas se você acertar o chute, será coberto de bênçãos e favores! 
Existe, também, a saída segura: 
— Além do fato de que você está mais magra, gostei do cabelo!
Ainda que ela saiba que você não faz idéia sobre o que era pra ter notado, as palavras mágicas “mais magra” fará tudo ser amenizado. Mesmo ela sabendo que você disse isso sem ter idéia do que ela queria que notasse, ainda que ela nem sinta sinceridade na sua voz, o fato é que se ela ouvir “mais magra”, você terá uma atenuante irrefutável à sentença que se seguirá! Então, lembre: ou o chute seco, uma espécie de “all in”, de “tudo ou nada”, ou, apele para as medidas e errará, mas amenizará a pena!
Bem… ainda não consegui entrar no assunto que eu queria, que era o “sabe o que eu tava pensando!” Perdoem. Vou precisar de uma nova crônica pra isso!
Você está me perguntando se eu vou mesmo falar sobre o “sabe o que eu tava pensando?”?
— Oi?…
Luís Augusto Menna Barreto

1º.3.2019

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Sabe o Que Eu Tava Pensando?

Bora Cronicar

Sabe o Que Eu Tava Pensando?

Sabe o que eu tava pensando? 
"Veja bem”…
Quando eu ouço essa expressão, chego a ficar nervoso. É uma expressão típica de quem está organizando as idéias pra enrolar-me. Sério. Ou eu sou muito azarado, ou minha estatística está certa: quando alguém começa uma frase com “veja bem”, normalmente eu tenho um problema pela frente. A verdade nunca vem seguida de “veja bem”.
Por exemplo: eu estava no plantão criminal (eu sou titular de Vara Cível, mas três vezes por ano, eu fico no plantão cível e criminal, durante o final de semana). Então, como eu estava dizendo, eu estava no plantão criminal, e chegou o flagrante de um cidadão acusado de roubo simulando o emprego de arma de fogo. O malandro queria tomar umas cachaças e, tendo decidido isso, estava sem dinheiro. Foi então, que avistou uma moça que desceu na penúltima parada do ônibus antes do final da linha, em um bairro da periferia de Ananindeua. A moça vinha do trabalho, e chegava perto de sua casa, depois de dois ônibus, vinda de Belém, onde trabalha numa lanchonete que nada mais é do que uma carrocinha de venda de tacacá na calçada. Trabalha perto de uma escola e atendem até por volta de 22h. Ela chega em casa por volta de 23h30, e, como óbvio, poucas pessoas estão na rua. O bairro por mais esforço que a administração municipal faça, não tem a melhor iluminação, porque os próprios malandros tratam de quebrar a lâmpada da iluminação pública justamente para facilitar seu labor ilegal.
Pois foi que vendo a moça descer no local ermo àquela hora, e agarrar-se com as mãos cruzadas ao peito na bolsa de pano em que levava apenas o cartão de passagem, um batom Avon e um celular, que o larápio decidiu-se por assaltá-la. Enfiou a mão sob a camisa e anunciou o assalto com as palavras da moda: “perdeu, perdeu”.
Assustada, a moça entregou-lhe a bolsa. Mas qual não foi a má sorte do assaltante, por que naquele instante, saiu da casa quase em frente, um morador que, por acaso, é policial militar e assistiu à cena. Armado que estava, embora de calção e camiseta, no mesmo instante deu voz de prisão e deu-se o flagrante.
Tudo estava muito claro no auto. Na audiência de custódia, eu li o auto de flagrante e e perguntei: 
— Foi isso?
— Veja bem… — começou o incauto. 
Suspirei. 
— Veja bem, doutor, não foi bem assim. Eu pedi o celular emprestado pra ligar pro meu primo pra ele emprestar com ele um dinheiro pra comprar remédio pro meu sobrinho que está doente.
— E pra isso anunciaste um assalto, gritando “perdeu”?
— Veja bem, — de novo!!!! — eu tava falando comigo mesmo, indignado porque meu primo me disse que tinha perdido o dinheiro do pagamento dele. Por isso não ia emprestar!
— Que primo? Mas tu já havias falado com ele? Pra quê pedir telefone emprestado pra vítima, então?
— Veja bem, — Deus! Só podia ser cacoete do sujeito! — ele ligou pra mim antes.
— Se tu tens telefone, por que foste pedir o da vítima emprestado?
— É que — ufa, se ele tivesse dito “veja bem” de novo, eu surtava! — eu tô sem crédito, doutor. Daí fui pedir o dela…
Vocês podem imaginar que tinha muita ponta solta na história. Eu levei um tempão conversando com o sujeito, porque ele sempre parecia ter uma justificativa, mas nada encaixava direito. A história dele, enfim, não importa. O que eu queria era mostrar que, começando com “veja bem”, eu já desconfio. Inúmeras vezes, sobretudo em programas de entrevistas com políticos, diante de uma pergunta difícil e, especialmente aquelas em que o entrevistador fundamenta a pergunta com dados concretos, o político que está sendo entrevistado começa a resposta com “veja bem”. 
Acho que o “veja bem” para o político equivale ao “com certeza” para o jogador de futebol. Muitas vezes os repórteres esportivos fazem uma pergunta já com o início da resposta, e o atleta começa com o “com certeza”:
— Então, fulano, o empate não era o que vocês esperavam, não é?
— Com certeza, nós lutamos, corremos, e…
Bem, mas sabe por quê o título de hoje é “sabe o que eu estava pensando”?
É porque eu queria falar justamente sobre esta expressão: o “sabe o que eu tava pensando”. Para isso, eu iria falar antes, sobre algumas outras expressões, para então chegar e arrematar com o “sabe o que eu tava pensando?”. Mas agora, estou chegando no limite a que me propus para cada crônica e nem entrei no assunto ainda.
Vou ter que continuar esta crônica amanhã, e, só então, falar no “sabe o que eu tava pensando?”!
Por que eu não continuo hoje?
Ah, leitor, veja bem, eu…

Luís Augusto Menna Barreto

28.2.2019

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Três Histórias - Uma Microcrônica

Bora Cronicar

Três Histórias - Uma Microcrônica

Às 6h da manhã, num apartamento de dois quartos e um banheiro no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, Carlos levantou quase correndo como todos os dias, mal lavou os olhos e escovou os dentes, ao mesmo tempo em que Eleonor entrava no banho. Em menos de 1h, ele estaria batendo o ponto no Hospital de Clínicas, com seu jaleco impecavelmente branco, lavado à mão por Eleonor, como ela sempre fazia! Ao terminar o banho, Carlos já teria saído para o trabalho, mas ela encontraria o café passado e o pote de requeijão ao lado do cesto do pão, que ela sempre encontrava com uma fatia já cortada para ela! Carlos não gostava de requeijão. Mas Eleonor nunca precisava pega-lo na geladeira.
Enquanto isso, em Brasília, em uma confortável casa no Lago Sul, Rodolfo apertava o controle remoto que abria o portão da garagem de onde saía com seu Jaguar branco, e, antes de ligar o rádio na CBN, ligava pela assistente de voz para Valéria, que ele sabia que estaria ainda dormindo! Com sono, ela passava o dedo na tela, e atendia o celular! Ela sabia que seria ele e que ele diria como estava o tempo, e a previsão da temperatura para o resto do dia. Ela sabia também, que antes de desligar, ele diria: “você fica linda sorrindo”! E então ela sorriria. E ele sabia que ela estaria sorrindo ao desligar o telefone! 
Neste mesmo momento, em Marituba, cidade da região metropolitana de Belém do Pará, Raimundo esperava Socorro acomodar-se sentada no ferro à frente do banco na sua antiga bicicleta barra-forte, para que ele começasse a pedalar por 6 quilômetros, levando-a até o Supermercado Preço Baixo em Ananindeua onde Socorro trabalhava. Depois, ele pedalaria de volta bem mais rápido para não se atrasar para chegar na construção do prédio onde ele era auxiliar de pedreiro! Socorro sabia que às 18h quando  ela saísse do trabalho, Raimundo estaria lá com sua bicicleta!
Estes três casais jamais se conheceriam... 
Suas histórias jamais se cruzariam! 
... e ainda assim, traduzidas em uma palavra, eram histórias iguais: __________!



PS: Hoje, permitam-me usar o espaço para dizer com todo o meu sorriso, FELIZ ANIVERSÁRIO para uma amiguinha distante: Juju (Júlia Basso)! Que o tempo seja generoso pra ti, Juju, que passe devagar, que te conserve, sempre, o sorriso na alma e no coração... 
... ah, Chanel, aguarde essa menina... A Vogue que separe suas capas....!

Luís Augusto Menna Barreto

27.2.2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Parece Que Foi Ontem

Bora Cronicar

Parece Que Foi Ontem

Uma vez eu escrevi um conto chamado “O Teatro” (que foi adaptado para o teatro, com roteiro meu, e será encenado nos dias 14 e 15 de março pela Companhia Paraense de Potoqueiros, no Teatro Margarida Schivasappa, no Centur, em Belém, Pará) e, no começo do primeiro capítulo, o protagonista que não tem um nome (nos contos eu costumo não dar nome a alguns dos personagens principais) começa dizendo que tem coisas que parece que foi ontem que aconteceram.
E é assim que gostaria de começar essa crônica, por mais que eu me repita… mas tem coisas que marcam tanto a gente, que de alguma forma ficaram tão dentro de nós, que parece que foram ontem. Vejam só:
É uma ciência… e, modéstia à parte, eu sempre fui bom nisso. Eu lembro de cada detalhe de como funciona: primeiro, a gente passa a fieira na parte de cima, faz a volta no cabo minúsculo na parte de cima e desce a fieira na vertical, passando pela parte mais larga e acompanhando toda a lateral de madeira até a ponta feita de prego, porque bom é com ponta de prego! Então, circula a ponta de prego com a fieira e começa a enrolar bem apertado de baixo pra cima, da parte mais fina até a parte larga, de modo que praticamente seis quintos do corpo de madeira fica enrolado pela fieira, mas enrolado bem apertado, porque o segredo tá em não deixar nenhuma folga, dando voltas com a fieira até ficar um pedaço bem pequeno de fieira solta. Esse pedaço pequeno, a gente segura com minguinho e o seu vizinho (os dedos mínimo e anelar). Daí, segura ele de cabeça pra baixo e coloca o fura-bolo (indicador) na ponta do prego, e o mata-piolho (polegar) no cabo… concentração… daí atira com força, num ângulo de pouco mais de 45º… sem deixar a fieira escapar dos dedos… ele se vai desenrolando da fieira em um milésimo de segundo, e a dica é que antes da fieira se desprender totalmente, a gente dá um último puxão, que é bem no instante em que ele faz o movimento de ficar com a ponta de prego pra baixo! Fica aquele momento tenso… ele quase raspa o corpo no chão, girando em um círculo grande… depois menor… menor… vai ficando mais vertical… e então, em um segundo, está ali, girando com a velocidade do mundo, da pressa da imaginação de criança… girando retinho no chão quase sem vibrar para lado nenhum, como se estivesse parado e fincado no chão. E é nesse momento, em que a gente coloca as “costas" da mão no chão, abre os dedos fura-bolo e pai-de-todos (médio) vai aproximando por baixo a mão, até que a ponta de prego girando como se fosse uma broca em uma furadeira está quase tocando nossa mão onde as falanges unem-se com a palma e, num movimento rápido, brusco, de “tesoura”, fechamos os dedos e vem o momento da apoteose: o pião gira bem na palma da nossa mão e nós a vamos erguendo para mostrar a todos os olhos curiosos em meio às interjeições de “óóóóhh”. O sorriso é inevitável e saboreamos o momento em que dominamos o pião, e o exibimos literalmente na palma de nossa mão, ainda girando sem qualquer vibração ou indicação de que perderá a rotação. 
Para finalizar o espetáculo, trazemos a mão espalmada onde o pião gira, para a linha de nossa cintura e, num movimento quase inesperado para os incautos, lançamos o pião, ainda girando, para o ar, de modo que ele sobe acima de nossa mão, mais ou menos na altura do queixo, e aterrissa no solo, ainda impávido, ainda altivo, ainda girando.
Então, depois de o pião portar-se exatamente como pretendíamos, nós não o permitimos que tenha um final indigno, e, antes que perca a força, em um movimento rápido e preciso, nós o pegamos de uma vez só, ainda girando, de modo a que descanse ao abrigo de nossa mão, até que, convencido por quem viu o espetáculo, nós o repitamos explicando como se faz.
Sim, no conto “O Teatro”, o protagonista inicia dizendo: "tem coisas que parece que foi ontem”; e em seguida, ele diz: “outras, foram mesmo”.
Eu joguei esse pião no domingo, antes de ontem, frente aos olhos curiosos e maravilhados do meu pequeno João! Ouvi sua expressão de “óóóóhh”. O domingo que combinei com ele de passarmos desplugados e desconectados. Brincamos de pião, peteca, espadas… fomos mocinhos e bandidos com coloridas armas de plástico na mão, disparamos tiros de espoletas, atiramos flechas de espumas e suamos, como há muito não fazíamos… a risada do João fica ainda mais clara e maravilhosa longe do celular, iPad, videogame…
Eu sei que a tecnologia é inevitável. Mas foi um dia absolutamente maravilhoso.
Repeti brincadeiras da infância, repeti brincadeiras que fazia com o João quando ele mal caminhava… brincadeiras que ainda tenho dentro de mim. 
É, tem coisas, que parece que foram ontem… outras, foram MESMO!

Luís Augusto Menna Barreto

26.2.2019

domingo, 24 de fevereiro de 2019

bora cronicar - O Paletó Parou de Emagrecer

Bora Cronicar

O Paletó Parou de Emagrecer

Eu lembro a primeira vez que aconteceu. Fiquei preocupado! Eram 8h30. Nada ainda. Minha sala continuava com cheiro de sala que ficou fechada e serviço público. Decidido e preocupado, desprezando a suprema agilidade do WhatsApp (que naquela época eu ainda usava), levantei-me e caminhei pelo corredor a distância das duas salas que nos separam. 
Abri a porta com o ímpeto que as preocupações nos trazem e ali estava a mesa vazia. A flor no canto da mesa parecia triste. Os processos esperando para terem suas contas calculadas jaziam em cima da mesa. Reuni o ar dos pulmões e perguntei ao Gilberto no melhor vernáculo que consegui:
— Cadê a Lola?
Estava doente! Quase cheguei a pensar mas me arrependi no meio do pensamento: “se ela não apareceu é bom que esteja doente mesmo!” Tá, não pensei! Fiquei com consciência pesada. Estava doente, afinal. Este seria o único motivo pelo qual a Lola deixaria de ter ido até minha sala cedinho pela manhã!
Funciona assim: o cheiro do café expresso (às vezes um capuccino) precede ao “bom dia”. Na verdade, precede até mesmo a porta abrir. Mas é tão certo quanto chover todos os dias no mês de janeiro em Belém do Pará: entre 8h e 8h15, eu sinto o cheiro do café aproximando-se. Abre-se a porta do corredor para a assessoria, e eu ouço vozes indistinguíveis, algum cumprimento de “bom dia”, eu presumo, seguido daquelas frases prontas que nosso cérebro guarda para serem disparadas todas as manhãs, antes de a gente ter de começar a raciocinar.
Então, o aroma do café aproxima-se. Nesse momento, não por intuição, mas antes, despertado pelo olfato, paro de escrever, largo o celular, abandono a leitura do Diário da Justiça; enfim, paro seja lá o que estiver fazendo, e espero! A porta do gabinete abrir-se-á… abrir-se-á… abre-se! Surge o copo de café sorrindo-me em “bom dia”, trazendo a Lola com ele! Ela sempre entra junto com aquele copo de café que carinhosamente pega na mão dela todos os dias e a traz para cumprimentar-me. Ela, para não chegar de mãos vazias, já que o café sempre se oferece a si próprio, traz alguma iguaria maravilhosamente industrializada: pés de moleque da Casa da Colônia de Santo Antônio da Patrulha no Rio Grande do Sul (não faço idéia de como ela consegue isso), ou bolachinhas Nesfit, ou bombons Sonho de Valsa, ou Bis Lacta, ou qualquer outra maravilha não orgânica, da indústria alimentícia produzida com muito estudo químico, feita para conquistar nosso coração e paladar! 
Sorvendo aquele néctar preto, eu e Lola trocamos algumas palavras, e ela sai, sorridente e feliz. O café que a trouxe, transforma-se em aroma que se espalha no gabinete e funciona como se incenso fosse, emprestando ao ambiente de trabalho, um aspecto convidativo. Os advogados e partes, quando entram para falar comigo, antes de semblantes sisudos, são confrontados com o aroma proporcionado pela Lola com seu café todas as manhãs e, então, na maioria das vezes, assola-lhes um sorriso e mesmo os problemas são tratados com mais amenidade. 
Esta rotina já tem dois anos, desde que eu me removi da maravilhosas Marajó City, para a região metropolitana de Belém, município de Ananindeua. Reencontrei Lola! Lola é servidora do Poder Judiciário que havia trabalhado comigo quando cheguei no Estado do Pará. Trabalhamos juntos por dois anos, enquanto eu era Juiz Substituto, e estreitou-se uma grata e sincera amizade. Por algum motivo, ela gostou daquele rapaz magricela que ficava esbelto em um paletó (eu usava paletó nessa época, lembram?*) e tinha, ainda, cabelo.
Depois, a vida deu-nos destinos diversos e por 13 anos estivemos separados apenas com encontros casuais.
Então, quando cheguei em Ananindeua, qual agradável surpresa foi reencontrar Lola trabalhando a duas salas de distância! E não é só acompanhada do café que vejo a Lola. Diariamente, ela entra de forma furtiva na sala de audiências, no meio da manhã, para deixar-me um bolinho, um amendoim caramelado, um mandolate…
Ao final do expediente, sabendo que todos sairão e eu ficarei, ainda para uma jornada pessoal de mais 3 horas pelo menos, ela jamais vai embora sem me deixar na companhia de um generoso copo de chocolate quente, acompanhado com algum doce ou chocolate! E assim, por dois anos, ela se despede diariamente com um sorriso, que é sempre mais doce pelas gentilezas diárias que me traz!
Mas ocorreu que na terça-feira passada, deram-se quase 9 horas, e nada do aroma do café ou da Lola! Preocupei-me! Somente a doença havia, antes, afastado a Lola de sua visita diária. Novamente, agora sem nem ter mais conta no WhatsApp**, levantei-me e fui com passo decidido e preocupado até sua sala. A surpresa foi tamanha ao abrir a porta e ver Lola em sua mesa, que me escapou a indelicada frase:
— Como assim, tu não estás doente?
Ela me olhou com alguma culpa. E em um fio de voz, respondeu-me:
— A Ana me ligou. Proibiu-me de levar qualquer coisa, até o senhor entrar no Paletó!

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PS: apenas para atualiza-los: já entrei no paletó. O próximo desafio da dieta, agora, é eu conseguir respirar dentro dele!

*Vide “O Paletó Emagreceu” (primeira parte) - crônica do dia 22.2.2019, postada no final do dia 21.2.2019.

**Vide “O Vilão é o WhatsApp” de 11.2.2019, - crônica postada no final do dia 20.2.2019.

Luís Augusto Menna Barreto
25.2.2019


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

bora cronicar - O Paletó Emagreceu

Bora Cronicar

O Paletó Emagreceu

Quem me acompanha desde quando comecei as “Crônicas de Marajó City”, onde me perco (ou me acho) no delicioso meio de vida marajoara, que parece saído das páginas de Gabriel Garcia Marquez e seu realismo fantástico, sabe que nunca fui muito dado ao uso de paletó.
Mas eu tenho! Usei todos os dias, por dois anos inteiros, durante o período de vitaliciamento. E, quando exerci a profissão de advogado, sempre usava paletó. Então tenho alguns. Três deles, feitos sob medida, na mesma alfaiataria em que Leonel Brizola fazia seus ternos, quando ainda no Rio Grande do Sul. Bom, daí, vocês podem imaginar que os alfaiates eram bem… ‘vividos’, digamos assim! Mas eram muito bons! Tanto que, depois do primeiro paletó, em que tive de ir algumas vezes na alfaiataria para fazer os tais moldes, não precisei mais ir. Mesmo depois de mudar-me para o estado do Pará, encomendei por telefone dois paletós, e ficaram impecáveis! 
Vitaliciado, com uma breve passagem por Novo Progresso no sudoeste do Pará, fui removido para o Marajó, onde fiquei por deliciosos 11 anos. Mas vou contar uma coisa: no Marajó, aprendi que existe “um sol para cada um”! É insanamente quente! Foi daí, que fui relaxando… primeiro a gravata, depois o casaco… depois a calça social… e, por último, até mesmo mangas compridas fui diminuindo. 
De lá pra cá, uso paletó apenas esporadicamente, quando em alguma solenidade de maior expressão, ou quando oficio algum casamento!
E então, fatos ocorreram: tempos atrás, enquanto eu jogava vôlei, fui abaixar para pegar uma bola mais rápida e algo fez “creck”. Não senti dor naquele momento, mas quando tentei ficar em pé… nada feito! Alguma coisa havia-me feito travar em uma posição de quase 90º. Simplesmente não conseguia endireitar. 
Passados alguns dias, com alguns analgésicos e repouso, as coisas meio que voltaram ao normal. Mas logo depois, jogando futebol, senti como se fosse uma torção no joelho e ficou inchado! Daí, desta vez preocupado, fui ao médico que me indicaram como sendo especialista em joelho. E aconteceu algo surreal. Primeiro, que desde o começo já não foi confortável: o médico atende no “Hospital da Mulher”, em Belém! Já pareceu estranho. Mas surpreendente foi o diálogo com o médico depois de examinar-me:
— E então, doutor? Foi apenas uma torção?
E o especialista em joelho respondeu-me:
— O seu joelho aguenta mais um pouco: tu vais ter que tratar primeiro dessa hérnia de disco! 
— Hein? — Pois é. Não me pergunte como, mas o médico examinando meu joelho, detectou que eu estava com hérnia de disco. Depois de exames, foram detectadas duas hérnias. Foi o que me havia travado. Com o médico que consultei acerca da hérnia de disco (cuja especialidade realmente não lembro, deve ser algo como um “herniologista”), o diálogo foi o seguinte:
— Duas. O senhor tem duas hérnias.
— E qual o tratamento para curar?
— Isso não vai ter cura. E não vale a pena cirurgia. Trata de fazer exercícios para fortalecer a região da lombar. 
Foi aí, que de uma hora para outra, descobri hérnia de disco e rompimento de um tal ligamento cruzado no joelho. O que eu tinha? Um mal incurável: estava fazendo aniversário todos os anos! 
Bem, o fato foi que daí em diante, entrei pela primeira vez em uma academia e comecei a fazer exercícios regularmente com uma Personal (escolhida pela Ana, claro). Comecei a ficar mais sedentário, sem o futebol e o vôlei e, depois da cirurgia no joelho, mais ainda, tanto que ainda nem voltei a jogar bola. 
Outro dia, eu e a Ana fomos convidados para uma formatura de Direito. A Ana foi logo experimentar um vestido e eu, com aquela rotina afeita aos homens, deixei para experimentar o paletó alguns dias depois. O vestido ficou um pouco folgado e ela decidiu que falaria com a costureira para fazer os ajustes. Quando decidi experimentar, dias depois, quem disse que eu entrava? Ou o paletó emagraceu, ou o sedentarismo havia-me transformado! Meu Deus, o que fazer? Preciso providenciar um paletó com urgência! Mas qual loja? Ainda teria o telefone dos alfaiates porto-alegrenses? Mais: estariam vivos? Apertei o botão de pânico:
— Anaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!
Ela veio calma, como que pré saboreando aquele momento de triunfo. Ela olhou com ar de especialista, aquele ar que intimida, porque me joga na cara “o que seria de ti sem mim”, seguido de “eu sempre sei como resolver”. 
— Ana, tu tens o telefone dos alfaiates? Ou tu achas que conseguiremos um bom paletó pronto em alguma loja? 
— Vou resolver! — Ela pegou o celular e saiu calmamente do quarto. Retornou com a tranquilidade de quem tem as coisas sob controle.
— E aí? Resolveste? Ainda estão vivos os alfaiates? Conseguiste falar com eles?
— Resolvi. Liguei pra Camila. Tu tens dez dias pra entrar no paletó. Ah: estás de dieta! 
Eu não havia dito? “Camila”, além de ser a formanda em direito, é a Personal
Alguém aí tem, pelo amor de Deus, um chocolate?

Luís Augusto Menna Barreto

22.2.2019

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Com a Mãe Certa, o Filho é Santo

Bora Cronicar

Com a Mãe Certa, o Filho é Santo

Santo Agostinho e São Tomás de Aquino são tidos como os dois maiores filósofos da Igreja Católica. De São Tomás de Aquino li a Summa Theológica, livro de 1200 páginas que herdei do meu pai, e de Santo Agostinho, eu já li alguma coisa, especialmente (e mais de uma vez) as “Confissões”. 
Eu li obras de Santo Agostinho, porque sou mesmo fã dele. Por dois principais motivos: primeiro, que ele teve uma vida mundana, cheia de pecados, até quando se converteu, com mais de trinta anos, depois de ter um relacionamento de mais de quinze anos com uma mulher que deu à luz a seu filho Adeodato. Eu sei que já passei da idade em que Santo Agostinho converteu-se, mas, por outro lado, talvez não tenha o currículo de pecados que ele havia acumulado na época e para os costumes da época. Então, o fato de que este maravilhoso Santo tivera antes uma vida mundana, dá-me esperança.  Mas tem mais um motivo que me faz gostar muito de Santo Agostinho: o fato de que muitos atribuem sua conversão não a ele próprio, mas, antes, à fé de sua mãe. 
Conta a história, que já quando Santo Agostinho morava em Milão com sua mãe Mônica (Santa Mônica), ao aproximarem-se da amizade com o Bispo Ambrósio, de famosa retórica, Mônica (nesta época apenas Mônica, mas já destinada à santidade por ter um filho como o então Agostinho), ia todos os dias, TODOS, ter com Dom Ambrósio, e lamuriar-se pelas estrepolias do filho, que lhe dava tanta dor de cabeça. Dizem que todos os dias chorava, e lamentava-se para o bispo! 
Pois o bispo que ainda não era santo (depois se tornou Santo Ambrósio), enquanto apenas humano, aguentou o que podia… mas, convenhamos: aturar todos os dias, todos os dias, todos os dias, a mesma mulher com a mesma lamúria, por conta de um filho mala, não deveria ser fácil. Um dia, aconteceria de acabar sua paciência! Pimba!, foi o que aconteceu: num desses dias, em que Ambrósio levantou-se com o pé esquerdo, chega lá a Dona Mônica, para mais uma vez, desfiar o rosário de lamúrias, antes do rosário de orações. E aconteceu: não aguentando mais, o bispo Ambrósio encheu o saco e disparou: “vai-te daqui, mulher! Chega! Voltes pra tua casa! Não há de perder-se um filho de tantas lágrimas!”  
O que aconteceu com isso? Bem, a história não conta ao certo se Mônica desmaiou, teve um piti, ou mandou o bispo às favas, lembrando-lhe de sua devoção… mas a história dá conta de uma coisa: neste dia, houve-se a conversão de Santo Agostinho!
É por conta destes episódios, que muitos atribuem a conversão de Santo Agostinho à Santa Mônica, quando ia chorar as pitangas para Santo Ambrósio! E repararam? O desregramento de Santo Agostinho, no fim das contas, fez gerar dois Santos para as fileiras da Igreja Católica!
Eu penso que se tenha dado o seguinte: Santo Ambrósio virou santo, porque aguentou Santa Mônica (até então e para o então bispo Ambrósio, apenas “Mônica, aquela mulher chorona”); Santa Mônica virou santa porque por intercessão direta sua, pela sua fé, pela sua dedicação e constância, teria realizado o milagre da conversão de Santo Agostinho! E o Santo Agostinho, no final, deu-se bem, e virou santo porque, por sua causa, duas pessoas foram santificadas!
Ok… ok… pode não ter sido exatamente assim, exatamente estes os motivos da beatificação dos três, mas esta é a maneira como eu gosto de pensar! 
E foi daí, que virei fã de Santo Agostinho: ele não foi santo o tempo todo (como eu não sou!). E nem foi tanto por sua própria fé que se converteu, mas, antes, foi pela fé de sua mãe! Bom, então eu tenho chance! Não de virar santo, não!, isso não vejo chances, mas quem sabe a salvação! Deposito muita esperança na fé da minha mãe! Tudo bem que a mãe não vai todos os dias encher o saco do Padre da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, ou simplesmente Igreja da Cidade Baixa, em Santo Antônio da Patrulha (lá não tem bispo, não é sede de diocese). Mas ainda assim, ela sempre foi querida pelos padres (talvez, justamente por se limitar a ir na missa aos domingos e não ficar lamuriando-se com o padre). Mas minha mãe, D. Zélia, tem uma fé muito forte, e eu acredito que pela oração dela, eu posso ser salvo!
Santo Agostinho que me traz esta esperança! Daí, minha devoção a ele! 
Mas eu comecei dizendo que Santo Agostinho foi um dos maiores filósofos da Igreja Católica! Pois foi! E numa dessas filosofadas, Santo Agostinho propôs-se a definir a eternidade. E eu, com minha modesta genialidade, vou resumir: Santo Agostinho fala que a eternidade não é o tempo infinito, não é ter todo o tempo do mundo! Eternidade é, justamente, a ausência de tempo! Ou seja: tudo acontecendo junto: tudo foi, tudo é, tudo será - ao mesmo tempo! No paraíso, seremos consciência (alma) de forma plena, e sem depender de tempo. Isso justificaria e explicaria, inclusive, o dia do juízo final, porque não seria necessário uma vinda do juízo final. Assim que adentrássemos à eternidade, viria o juízo final, estaríamos no juízo final e passaríamos pelo juízo final. Ao mesmo tempo. De forma plena, sem filas! Ficou complicado? Bem, Santo Agostinho explica muito melhor! Mas o babado é esse: ele defende que eternidade não é tempo infinito: é ausência de tempo! 
Porque eu falei de tudo isso hoje? 
Ah… porque eu, que não sou santo, tenho um conceito diferente de eternidade! Lá vai: eternidade, é você, meu caro, amigo leitor, casado, em seu papel de marido, ter que entrar naquela loja de roupas femininas em liquidação, e esperar uma eternidade até ela escolher uma única blusinha, enquanto segura todas as outras sacolas pra ela! 
Ausência de tempo o caramba! 
Luís Augusto Menna Barreto

21.2.2019

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

bora cronicar - Teoria (e Prática) da Relatividade

Bora Cronicar

Teoria (e Prática) da Relatividade

Falando sério, quantos de vocês, profícuos leitores, realmente entendem a Teoria da Relatividade do Einstein? Eu confesso que se eu estivesse na platéia para qual fosse dirigida essa pergunta, eu olharia para os lados para ver se teria muita gente levantando a mão… se a maioria levantasse, eu também levantaria, mas torcendo muito pra que a pergunta não fosse pra mim!
Eu já passei por situações parecidas. Uma vez eu dormi em uma aula no auditório da faculdade, e acordei com o professor ao meu lado, quase sussurrando: “o senhor concorda?” Eu acordei com aquela frase na cabeça, sem saber ainda se estava sonhando ou dormindo, naquele momento de banzo, e descobri que eu havia acordado mesmo, quando notei o silêncio absoluto, o professor com as mãos postas à frente de seu paletó, e todos, absolutamente todos no auditório, virados pra mim. Havia tensão no ar, porque o professor tinha fama de “carrasco" e o percentual de aprovação em suas matérias era menor do que 50%. 
… e eu descobri que realmente, sou um filho relapso e querido por Deus. Eu não fazia a menor idéia de qual teria sido a questão ou a pergunta, mas naquele momento, veio uma inspiração como jamais antes eu tivera. Reuni toda minha coragem (que pode ser traduzida por “cara de pau”), e respondi ao professor: “O senhor poderia repetir? Eu tenho certeza que sei a resposta, mas não entendi direito a pergunta”. 
A tensão do momento, dissipou-se com o professor exibindo um sorriso e simplesmente continuando de onde eu presumo que ele havia parado, caminhando em direção ao púlpito do auditório! Eu fui aprovado naquela matéria. E a única vez em que o professor falou comigo novamente, foi depois de eu entregar a prova final, quando ele apertou minha mão e disse: “o senhor vai ser um bom advogado, Augusto”.
É, o professor me chamava de “Augusto”. Ter nome composto é isso: uns chamam de Luís, outros chamam de Augusto, outros, ainda, escolhem o sobrenome. Amigos de infância chamam pelo apelido… Mas, de todas as formas, a pior, indiscutivelmente, é essa: “Luís Augusto!” Assim, com ponto de exclamação no final. Eu tinha um amigo de infância com o nome parecido com o meu: Luiz Gustavo! Mas o apelido era (e ainda é) Cuca! Todo mundo chamava ele de Cuca, até os pais. Mas o terror instalava-se no Cuca, se ele ouvia: “Luiz Gustavo”.
Por quê? Ah… pelo óbvio! Chamar pelos dois nomes, é coisa de mulher! Seja mãe, esposa ou namorada, quando chamar você por dois nomes… prepare-se! 
Acho que isso é uma espécie de convenção feminina: elas nos tratam com carinho, chamam a gente das formas mais carinhosas: “amô”, “vidaaa”, “mozinhôoo”, que são apelidos digamos, mais “universais”, ou mesmo pelos apelidos particulares: “Chiquinhooo”, “Fêêê…” ou “Duduu” (todos dessa maneira que só elas sabem fazer, deixando a vogal quase como um eco, perdendo-se no final de uma palavra pela metade, como quem vai abaixando o volume do rádio bem devagarinho)… Mas espere! Seja mãe ou namorada, basta a gente aprontar alguma e lá vem: “Francisco Carlos!”, “Fernando Augusto!”, ou, ainda, “Eduardo Henrique!” Todos assim, com as silabas bem pronunciadas, sem perderem um pingo de “i” sequer, com imposição e ponto de exclamação!
Então você, com seu nome não composto, perguntaria: “e quem tem um nome só?”  Bem, elas dão um jeito: usam um sobrenome! O João apronta? Lá vem: “João Menna!” Daí, coitado. Como todos nós, homens, coitados, quando somos chamados por dois nomes pelas mulheres. 
E o que isso tudo tem a ver com a teoria da relatividade, que eu comecei falando? Tudo! Podemos não saber definir a Teoria da Relatividade, mas as mulheres fazem com que a gente vivencie a Teoria e a compreenda sem saber sequer explica-la. Entre outras coisas, a Teoria fala que o espaço e tempo não são uniformes. As mulheres provam isso! Por exemplo: se ouvimos a mulher dizer nossos dois nomes, seguido de “vem aqui, agora", o tempo e o espaço mudam na hora. Não há tempo para mais nada, não conseguimos pensar, raciocinar, e já vem o arsenal de acusações com argumentos irrefutáveis (por que irrefutáveis? Experimente contra argumentar quando você for chamado por dois nomes e descobrirá por si só!). 
O tempo simplesmente dispara entre o pronunciamento de nossos dois nomes e o momento de a encararmos. E o espaço some. Nós nem mesmo notamos a distância que nos separa e já estamos sendo encarados, como a presa é encarada pelo predador que a encurrala. 
E a mesma mulher que faz o tempo disparar, sabe congela-lo para que nós definhemos na angústia de nossas próprias culpas, se por acaso ela nos diz: “Luís Augusto, à noite nós teremos uma conversa!” Pronto: o relógio congela-se na parede, a distância que nos separa é sempre longa demais para percorrermos, ficamos com a impressão que estamos naqueles sonhos em que tentamos correr e não conseguimos… E o tempo passa lentamente, como que marinando nossa ignomínia, nossa rendição prévia, nosso ato de contrição.
Há muitos outros exemplos sobre a alteração do tempo causada pelas mulheres, como, por exemplo, quando estamos esperando elas escolherem o vestido ou quand….
Não dá tempo de terminar!
Acabei de ouvir: “Luís Augusto” pronunciado pela Ana… droga, eu sabia que deveria ter trocado a lâmpada da cozinha ontem!

Luís Augusto Menna Barreto

20.2.2019

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

bora cronicar - O Gesto de Agnes

Bora Cronicar

O Gesto de Agnes

Quando eu morava no centro de Porto Alegre, num “kitnet", e trabalhava no Bamerindus (entre 1988 e 1995), havia uma livraria que eu ia todas as terças e quintas-feiras, na Rua da Praia, que, na verdade, chama-se Rua dos Andradas (mas que já foi Rua da Praia, foi)!
Depois que eu fui promovido a “chefe dos caixas” aos 21 anos de idade, eu tinha uma hora pra almoçar. Daí, eu saía como um foguete do banco, no horário de almoço, corria para um restaurante que parecia uma lancheria, e devorava um almoço tipo “prato feito”, no balcão mesmo! Toda essa operação, acreditem, levava menos de 10 minutos! Daí, eu tinha 50 minutos todos meus pra fazer duas coisas que eu adorava: ir no fliperama e ir na livraria!
Havia um fliperama um pouco mais acima, na mesma rua da minha agência, a Rua Vigário José Ignácio. Eu jogava em uma máquina de pimball que se chamava “Vortex”. E eu era tão bom na coisa, que eu comprava apenas uma ficha e, às vezes, tinha de abandonar a partida, porque acabava meu horário de almoço e eu ainda não havia perdido as 5 bolas. Depois vieram umas máquinas mais modernas com apenas 3 bolas, mas a “Vortex" tinha 5! Eu ia no fliperama nas segundas, quartas e sextas-feiras. Terças e quintas-feiras, eu ia na livraria.
Eu li alguns livros ali, em pé mesmo! Eu pegava um livro, ia para um canto e ficava lendo. Daí, quando terminava meu horário de almoço, eu dobrava a página do livro, e “escondia" em uma prateleira de livros que eu achava que nunca eram vendidos, e colocava atrás de outros. Daí eu decorava onde estava e, na próxima terça ou quinta-feira, eu o procurava e continuava a leitura. Tá, se fosse hoje, não precisaria decorar, bastaria tirar uma foto do local onde teria escondido e pronto. Mas naquele tempo, era tudo mais “artesanal”. Naquele tempo a gente decorava muita coisa. Até número de telefone a gente sabia. O número daquela menina linda que morava na Rua Tiradentes, eu sabia de cor e de trás pra frente! Era comum a gente saber vários números de telefone. Hoje, a gente às vezes não sabe o nosso próprio! Mas, enfim, eu ia dizendo que eu lia escondido na livraria. Algumas vezes, claro, eu ia procurar o livro e ele não estava lá. Isso me deixava furioso! Onde já se viu alguém tirar do lugar o livro que escondi? A vontade que eu tinha era de reclamar para o atendente. Mas a prudência mandava eu ficar quieto, procurar outro exemplar e tentar achar a página em que eu estava. Daí, eu ia lá pro meu canto e continuava a leitura. Em pé. Naquele tempo, as livrarias não eram como hoje, com cafés, lugar pra sentar, e todo um ambiente convidativo. Eram corredores, prateleiras e livros.
Pois foi nessa pequena livraria da rua da praia que eu li meu primeiro Milan Kundera que naquela década, chegou a ser cogitado para Nobel de literatura com o clássico “A Insustentável Leveza do Ser”. Na verdade, eu achava quase insustentável ler Milan Kundera. Era uma leitura densa. E ele era monótono. Nos livros dele não acontecia muita coisa. A maior parte do tempo, ele descrevia por páginas e páginas alguma situação que se passava em segundos. Mas por algum motivo, eu simplesmente não conseguia parar de ler Milan Kundera. Agora que percebo que vai ver o tal era bom mesmo!
Enfim, mas não foi a "Insustentável Leveza do Ser" que me conquistou. Foi outro: "A Imortalidade"! Nesse livro, Kundera alterna a vida contemporânea com um inusitado encontro de Hemingway e Goethe no céu! Isso me encantava! Imagina um escritor com talento para falar de Agnes, em Paris, ao mesmo tempo em que falava de Hemingway e Goethe no céu! Ah, sim, Agnes era a protagonista terrena e profana de seu romance! Eu fiquei apaixonado por esse livro. Mas não o tenho, porque eu li na livraria e por lá ele ficou! Mas eu gostei tanto, mas tanto, que decorei a frase mais bonita, perdida no meio do primeiro terço da história: “A verdadeira vocação da poesia não é nos deslumbrar com a descoberta de uma idéia surpreendente, mas sim, fazer com que um instante do ser se torne inesquecível e digno de uma insustentável nostalgia!” 
Eu li isso apenas uma vez na minha vida há mais de 25 anos atrás e jamais esqueci. Tenho certeza que a frase é exatamente esta sem jamais a ter lido novamente. Acho que foi essa frase que me fez aguentar o resto do livro. Porque em um determinado momento, Milan Kundera conseguiu a proeza de usar duas páginas inteiras e um pedaço de uma terceira, para descrever um gesto da Agnes. Isso: um, unzinho, um mínimo e solitário gesto que Agnes fazia com a mão! Mais de duas páginas! Mas aquela frase que citei, far-me-ia aguentar 10 páginas de gestos se fosse preciso. Aquela frase, valeu o livro!
Eu jamais imaginei que algum escritor pudesse levar mais de um parágrafo para descrever um gesto. Quer ver? Pois vou descrever em poucas palavras, um gesto que fiz quando estava olhando a revista da National Geographic que eu assino (revista física, que a gente tem que pegar no colo e folhear). Usarei poucas linhas e você, atento leitor, saberá de que gesto trata, sem eu precisar gastar duas páginas. Lá vai:
Na página 19 da edição de janeiro de 2019, na reportagem “Elegia a um leão”, há a fotografia do leão “C-Boy” (esse é o nome dele), um dos mais longevos e queridos leões que se tem notícia, falecido recentemente. Eu achei seu olhar triste, e quis ver de perto. Então, coloquei a revista na mesa, coloquei meu polegar unido com o indicador em cima da figura, bem onde eu queria ver melhor e comecei a afastá-los… 
Preciso dizer mais alguma coisa?

Luís Augusto Menna Barreto

19.2.2019

domingo, 17 de fevereiro de 2019

bora cronicar - 1001 Utilidades

Bora Cronicar

1001 Utilidades

Ouro dia, meu filho estava vendo YouTube, e apareceu o ator Carlos Moreno. Lembram dele? Do comercial do Bombril, aquele esfregão de lã de aço. O João estava vendo alguma coisa sobre recordes e descobriu que esta foi a campanha publicitária mais duradoura da história da TV mundial com o mesmo ator! E ele ficou intrigado com o slogan que em que o ator dizia que “Bombril tem 1001 utilidades”. Como assim, 1001 utilidades?
Bem, deixa eu explicar algumas coisas. O João está numa fase bem “literal”, ou seja, se falam 1001 utilidades, ele quer saber quais são. Na verdade, o João não conhecia nenhuma das utilidades! Nenhuminha! Nem a utilidade “padrão”, que é arear panelas, ele conhecia. Daí, claro, eu expliquei para quê serve o Bombril. Mas então, ele perguntou:
“Tá, e as outras 1000?”
Eu falei que mil eu não conhecia, mas tinha algumas tradicionais, falei pra ele. Ele quis saber que “tradicionais”? E eu falei, por exemplo, a clássica utilidade de melhorar o sinal da TV colocando Bombril na antena!
“O quê? Que antena?”
Pois é… o João tem 11 anos. Ele não sabe que as TV’s tinham antena! Daí, quando eu tentei explicar que a gente tinha que ficar movimentando as antenas de um lado para outro até achar a melhor recepção de sinal, ele achou engraçado, e pediu para que eu contasse mais. E ficou assombrado em saber que além da antena na própria televisão, todas as casas tinham uma antena externa, quase num formato "espinha de peixe”, normalmente em cima do telhado. E, quando vinham ventos fortes, viravam a antena de posição, e a gente tinha que subir no telhado, ou pegar uma escada e ficar o mais perto possível para ajeitar a antena com o sarrafo que servia para erguer a corda do varal… 
Nooooooossa…! Foi muita informação: "antena externa", "sarrafo", “varal"…? Tentei explicar tudo devagar! Um mundo pré-histórico surgiu aos olhos do meu pequeno João. Ficou impressionado ao saber que havia uma roda que girávamos para trocar de canal. I E isso, quando mais de um canal tinha sinal! Nem me arrisquei a contar acerca das TVs em preto e branco (a da nossa casa era assim) que muitas pessoas colocavam papel celofane na frente pra ver com alguma cor.
Isso é do teu tempo? Báh, então teu maior problema de saúde já começa a ser “feliz aniversário”!
Eu fiquei pensando que quando eu era criança, isso tudo era parte de nossa rotina, e nada soava estranho como para o João soa, hoje. Mas eu lembro que ficava rindo e imaginando como o mundo deveria ser chato no tempo do meu pai, que contava que no tempo de criança dele nem havia televisão! “Que mundo chato”, eu pensava! Como pode haver um mundo sem televisão? Eu lembro que eu li uma tirinha (história em quadrinhos publicada nos jornais) em que havia a “Família Brasil” do escritor Luís Fernando Veríssimo e, numa dessas o neto estava no colo do avô que contava para ele que no seu tempo não havia televisão. E o garoto perguntou: “Mas então, onde vocês ligavam o videogame?”
A lógica do João é essa do garoto. Se eu contar que não havia internet, é capaz de o João perguntar mas então como a gente via os vídeos do YouTube? É difícil pensar em um mundo sem algo que faz parte do nosso dia a dia desde que nascemos!
O meu dia a dia tinha pasta de dentes Kolynos. Aquela amarela, com as letras verdes. Os tubos eram de uma espécie de metal, com a tampa verde fininha. Lebram? O Nescau era vendido em latas que a tampa, quando estava atarraxada, a gente tinha que abrir enfiando o cabo de uma colher por baixo e, depois, tinha de cortar o lacre, em um metal muito mais fino!  As mães davam Biotônico Fontoura para os filhos!
A novela das 8 (20h) começava mesmo às 8. E era um evento para a família. E havia aquela coisa muito legal que, antes do último intervalo anunciava: “a seguir, cenas dos próximos capítulos”. Daí, se a gente queria saber se já estava terminando a gente perguntava: “Já deu o ‘a seguir’”?
Era um tempo de lojas de departamentos; tempo em que a gente se programava para ver aquele filme legal na Sessão da Tarde, e no intervalo a gente corria para ir no banheiro, porque não havia a tecla de pause.
Pensando em tudo isso, fiquei imaginando, quando chegar na vez do João contar para seus filhos como era o mundo no tempo dele… Talvez explicar que ainda tinha que ter o "imenso" trabalho de colocar o iPad para carregar em um fio, ou que ainda tinha lugares em que se pagava com dinheiro de papel espante muito os filhos dele, meus netos… Fico pensando quais aparelhos com tecnologia de ponta hoje, serão inimaginavelmente obsoletos para meus netos no futuro.
Lembram que tudo começou porque o João queria saber das 1001 utilidades do Bombril? Lembrei de mais uma: trazer o passado de volta, com esse delicioso sabor de nostalgia…!
Luís Augusto Menna Barreto

18.2.2019