domingo, 26 de novembro de 2017

O TEATRO - parte 3 - suspense

O TEATRO
Parte 3 - suspense

O cartaz do terceiro dia, dizia “suspense”. Já não tava tão cheio… havia algumas cadeiras vazias… e ficou muito difícil convencer a vó a me deixar ir. Eu fiz toda a tarefa da escola, comi toda a comida do prato, não arrotei na mesa, não fiquei correndo pela casa, e até arrumei minha cama (a vó foi lá e arrumou de novo, quando eu não tava vendo, mas ela nem me disse nada). Depois disso tudo, ela deixou eu ir. Mas disse que não ia me dar dinheiro, porque eu já tinha ido no circo dois dias, e que não ia ter nada diferente.
Eu sabia que não adiantava insistir. E nem ia adiantar explicar que teatro era diferente de circo. Mas eu tinha que conseguir o dinheiro!
Daí eu fui correndo pro Juca, porque às vezes a gente conseguia dinheiro vendendo garrafas pras bancas de cachaça da rodoviária e vendendo jornal velho pro armazém São Luiz. O problema era que eu e o Juca já tínhamos catado todo o jornal velho da vizinhança pra vender na semana passada, ninguém tinha mais jornal velho guardado pra dar pra gente. E garrafa é mais difícil, porque o pessoal usa pra trocar no supermercado quando compra garrafa cheia.
— Vamos cortar grama! 
— Como? A gente nunca cortou, Juca. E a gente nem tem máquina.
— É fácil. E o vô tem uma máquina daquelas de empurrar, sem motor.
Daí, nós fomos. Só carregar a máquina em cima do carrinho de mão de madeira que o Juca arrumou com o pai dele na construção que o pai dele tava trabalhando já era pesado e um trabalhão. Quando conseguimos finalmente, um quintal pra cortar, antes da metade, a gente já tava morto de cansado e a grama tava horrível. O dono chegou e brigou com a gente. Passamos toda a tarde tentando terminar e nem ficou muito bom. Daí o dono da casa só nos pagou a metade. Mas dava justamente as duas entradas, porque a gente só paga meia entrada!
Daí, quando a gente terminou, devolveu a máquina e o carrinho de mão, só deu tempo de tomar banho correndo, e ir pra praça. Eu queria estar lá quando a Luísa chegasse. 
E eu vi quando ela apareceu vindo por trás da igreja, na direção da praça. Ela vinha pulando na frente da mãe dela. Eu meio que me escondi, porque queria ficar só olhando e entrar assim que ela entrasse na parte do teatro. Mas daí, lá veio o gosmento do Conrado e falou com ela e a mãe dela, e a Luísa saiu com ele pra barraca de algodão doce. E eu vi o Conrado pagando um pra Luísa. 
— Ihhh. Olha lá o “Sabão”. E agora? O que você vai fazer?
— Não sei, Juca… não tenho dinheiro pra comprar um doce pra ela como o metido do "Sabão". 
— Tem sim…!
O Juca estendeu a mão dele sorrindo, com o dinheiro do ingresso dele.
—… e eu nem sei o que é “suspense”, mesmo! Amanhã você me conta como foi. Vai lá recuperar sua garota.


Por Luís Augusto Menna Barreto

sábado, 18 de novembro de 2017

O TEATRO - parte 2 - drama

O TEATRO
Parte 2 - drama

— … óh!, Alberto… por que você nunca está junto quando quero você ao meu lado? — E Carolina afastou-se com um dramático movimento encostando o punho na testa, girando sobre si mesma e antes de cair, fora amparada por Frederico.
— Carolina! — Gritou Frederico, e, depois, repetiu mais baixo: — Carolina… — Pegou-a nos braços, olhou desafiadoramente para Alberto: — Desapareça, covarde! — Alberto deixou cair os ombros, baixou a cabeça e caminhou para fora do palco, sumindo por entre panos que traziam o desenho de uma estrada. 
Primeiro, silêncio. Em seguida, aplausos. Muitos aplausos.
Fechou-se a cortina. Panos vermelhos apareceram de um lado e de outro, movendo-se em direção ao centro. 
O teatro foi na praça, na frente da igreja. A missa tava cheia. Terminou a missa, e todo mundo parece que foi no teatro. O teatro tava mais cheio que a missa. Lá no lugar em que a gente joga bola na praça, cercaram com uma lona. Daí, tinham aquelas cadeiras de metal, com propaganda de cerveja. Muitas mesmo, tudo em fila, bem lindo. Na frente das cadeiras, o caminhãozinho, todo enfeitado. Em cima dizia “Paris” e no fundo, tinha uma torre pintada, parecida com a torre da antena da repetidora da TV. Na caçamba, que era o palco, dois bancos iguais aos da praça. 
E toda a peça foi ali em cima do caminhãozinho.
Eu não era muito ligado nessas coisas de teatro. Na verdade, eu nunca tinha visto um. Nunca tinha assistido. Pra mim, pareceu gente falando de um jeito que a gente não fala na rua. Porque mexiam muito os braços, e pra qualquer coisa falavam “óh”, “ah”… e andavam de um lado pro outro. As pessoas que eu vejo conversando, ficam paradas, não ficam andando assim, como os atores. E eu não sabia direito quando era pra rir, ou pra ficar com “cara de óóóóhhh”… mas daí, eu ficava cuidando a Luísa. Ela não parou quieta! Ela ria, ia pra frente na cadeira, quase levantava, depois sentava, ficava assustada… e fazia “cara de óóóhhh”. 
Eu lembro que no cartaz, lá na entrada dizia “Grande Drama”. Eu não sabia o que era “drama”. Quando fui perguntar pra vó, ela perguntou se eu já tinha feito a lição de casa da escola. Daí eu disse que ainda não, e ela respondeu que eu ia aprender o que era drama se eu não fizesse a lição naquela mesma hora! A vó é meio braba. Preferi não aprender com ela o que era drama. 
Quando eu tava indo, encontrei o Conrado. Ele é muito metido. Eu e o Juca apelidamos o Conrado de “Sabão”… porque ele acha que sabe tudo! Daí, perguntei pra ele o que era drama. E ele me disse que era quando a gente via alguma coisa e ficava “óóóhhh”. Eu acho é que ele nem sabia nada. Mas eu queria descobrir, porque tava com medo que a Luísa me perguntasse e eu não soubesse dizer. Mas ela não perguntou. No fim, passou a peça inteira, e eu não descobri o que era drama. Mas seja lá o que for, eu adorei. Porque cada vez que todo mundo fazia “óóóóhhh”, a Luísa segurava no meu braço e apertava. Ela nem olhava pra mim, acho que ela nem sabia que tava apertando meu braço… mas eu sabia uma coisa: não queria que a peça terminasse… E drama, pra mim, podia ser “óóóóhhh pro resto da vida…


Por Luís Augusto Menna Barreto

sábado, 11 de novembro de 2017

O TEATRO - parte 1

O TEATRO
Parte 1

… foi de repente… 
Jamais vou esquecer. Faz um tempo, já. Nem sei quanto. Sempre que a gente lembra que era menor, parece que o tempo some… e tem coisas que parece que foi ontem. Outras, foram mesmo.
Eu estava com a Luísa, e ela estava me mostrando umas figurinhas novas do álbum. Eu nem sei direito que figurinhas eram ou como eram as figurinhas. Eu lembro dos olhos da Luísa… E daquele sorriso de lábios finos… Ah!, mas não era isso que eu queria contar. 
Eu estava ali, com a Luísa e, de repente, virou na esquina, uma Kombi toda colorida, cheia de cartaz colado. E tinha auto-falantes:
… venham ver esta incrível história de amor! Frederico terá coragem para largar tudo e ir com Carolina? E Alberto, que secretamente nutre seu amor, abandonaria sua mãe doente para disputar com Frederico o amor de Carolina?…
E atrás da Kombi, veio uma espécie de caminhãozinho, todo velho e barulhento, e em cima do caminhão quatro atores iam e voltavam, quase perdendo o equilíbrio, ora a moça abraçava um, ora, repudiava outro, ora dois deles parece que pegavam em facas pra lutar… e logo a Kombi e o caminhãozinho passaram por nós, deixando só fumaça e aquele resto de barulho, que parece poeira de ouvir…
Eu tava louco que passassem, porque eu queria conversar com a Luísa. Eles estavam me atrapalhando, porque não é sempre que eu conseguia falar com a Luísa sem o grudento do Conrado se exibindo pra ela. 
Daí, quando passaram e a poeira de barulho e a fumaça foram ficando menores, a Luísa estava diferente: parecia que estava e que não estava ali ao mesmo tempo. Umas figurinhas até caíram no chão. Eu comecei a juntar todinhas pra ela e ela continuava ali, paradinha. Eu achei que deveria até chamar ela, fazer algo pra ela se mexer de novo. Mas ela tinha paralisado com um sorriso tão lindo, que já não sabia se queria que ela se mexesse, ou ficasse ali, paradinha e sorrindo daquele jeito pra sempre. Porque eu ficaria pra sempre olhando…
… hoje à noite, na praça, depois da missa, não percam a estréia do Grand Teatro Ranulfo Penha! Toda noite, uma peça diferente, que vai fazer você”. Era o restinho da poeira do barulho…
Quanto eu levantei com as figurinhas que caíram ela se mexeu, mas os olhinhos ainda acompanhavam a Kombi… daí, quando a Kombi e o caminhãozinho viraram a outra esquina, ela olhou pra mim, e me disse segurando meu pulso! 
— Eu quero ir!
Ela segurou meu pulso!


Por Luís Augusto Menna Barreto