terça-feira, 27 de abril de 2021

O Problema da Vacina não é Virar Jacaré! O Problema é o Calendário!

 — Pronto! Agora eu vou tomar a vacina!

D. Orquidéia, a mãe da Lurdinha, quase foi às lágrimas. Já havia recebido a vacina há algum tempo! Depois, Tetê, a filha mais velha, também recebeu a vacina! A Dinorá não contava, era mais nova, mas trabalhava em farmácia e já havia recebido a vacina antes de todo mundo na casa!

Mas a Lurdinha, por muito tempo não quis ser vacinada!

A sobrinha, muito chegada, insistia:

— Mas tia Lurdinha…

— Não, Não e NÃO! 

— Mas mamãe já se vacinou, a Tetê já se vacinou…

— Eu sei! E eu estou muito feliz por elas! Ainda mais a tua mãe, que não para quieta, e insiste ficar visitando todos os parentes, e entrando em ônibus todos os dias!

— Então, tia! Se tuas irmãs já se vacinaram, porque tu não queres?

— Não vou e pronto!

— Tia, até tua cunhada, já tomou vacina!

— Eu sei! Fiz questão de levar aquela uma que se acha no posto de vacinação!

— Mas então, tia… a senhora tem que ir…

— Já disse que não! Para de insistir, Maria Eugênia! 

— Meu Deus, tia, mas eu não entendo… 

Pois é. A Lurdinha, de jeito nenhum queria tomar vacina. Ninguém entendia! A sobrinha não sabia mais o que fazer para tentar convencer. As duas irmãs também. Nem os apelos da D. Orquidéia adiantaram!

Lurdinha sempre foi vaidosa, sempre se cuidou; até ali, passara a vida em uma renhida batalha com a balança. Malhava. Era sempre a primeira a ir tomar a vacina da gripe. Mas a vacina para COVID não tinha jeito!

— É medo de que coloquem um chip, filha?

— Que bobagem, mãe! Claro que não!

— Medo de virar Jacaré?

— Ah… eu seria uma jacaré linda né? Imagina meu bocão?! — debochou Lurdinha!

Enfim, ela parecia decidida.

Até que um dia, aparentemente “do nada”, ela anunciou:

— Pronto! Agora eu vou tomar a vacina!

Ela não deu explicação, mas todos ficaram alegres assim mesmo!

Apenas para a sobrinha ela confessou: como a vacina estava sendo ministrada por idades, ela tinha de esperar chegar na idade que ela anunciava!

Ou isso, ou iriam descobrir a idade que ela escondia!


Luís Augusto Menna Barreto

24.4.2021 para 27.04.2021

terça-feira, 20 de abril de 2021

Posso Ser Sincera?

 

"NÃO!" 

Isso, assim em maiúsculas, pra saber que tem que dizer de maneira firme, peremptória!

Tu jamais podes vacilar diante dessa pergunta! Tens de nega-la veementemente! 

Não queremos sinceridade… O espelho já nos dá sinceridade em excesso. A balança (aquela traidora!), já nos atormenta com sua desagradável sinceridade! Para quê, afinal, iríamos querer observações sinceras a nosso respeito, vindas de quem amamos?

Depois dessa pergunta (“posso ser sincera”) é impossível vir algo agradável! 

Se nós nos aprontamos para uma festa, e aparecemos na porta, com a roupa escolhida e conseguimos acertar, e agradamos na escolha, não há preâmbulos! O comentário vem ao natural e sem pagar pedágios de raciocínios:

“Uau, um arraso!”

“Choquei!”

“Nossa”!

Ninguém usa “posso ser sincera” para dizer que acertamos, que arrasamos!

“Posso ser sincera” é um retórico prelúdio de algo que será frustrante. Ao ouvirmos o “posso ser sincera”, se não tivermos treinamento suficiente para agirmos por instinto, por reflexo, se não atacarmos com um “não" incisivo, já sabemos que haverá algo que guardaremos na caixinha de rancores, quase um relicário, para abrirmos na nossa vez de “posso ser sincera”!

E cuidado: é uma pergunta “semi-retórica”. Se não for imediatamente repelida com decisão, a sinceridade vai ser exposta! Não respeita o silêncio ou “nãos" hesitantes! A única chance é um “NÃO" maiúsculo! 

Mas há um outro elemento! 

“Posso ser sincera” é quase um paradoxo! É uma pergunta quase sem resposta possível! Porque se permitimos a pergunta, lá virá algo que não queremos ouvir… Porém, se conseguimos agir com rapidez, evitamos a pergunta… mas sabemos que existe algo ali, guardado, pronto para sair, que não queremos ouvir… 

Então, não basta somente o “NÃO”, aquele maiúsculo lá do começo da crônica! É preciso bezuntá-lo com o conveniente sabor do cinismo! Precisamos dizer o “NÃO”, e reagirmos como se realmente não quiséssemos saber (o que é uma mentira!).

Resumindo: ao rejeitarmos a sinceridade de quem nos pergunta se pode ser sincera, rejeitamos a nossa própria sinceridade em estarmos morrendo de curiosidade sobre o conteúdo da sinceridade sobre nós!

Posso ser sincero? Mente para agradar-me, que eu finjo que acredito!


Luís Augusto Menna Barreto

14.4.2021 para 21.4.2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

bora cronicar - O Que Ela Tem Que Eu Não Tenho?

 


Só quem já passou por isso sabe a dor que vai agarrada nessa frase. Só quem já pronunciou essa sentença de morte da auto-estima, pode mensurar o peso que tem!

É quase uma pergunta retórica! Mas quem pergunta, quer uma lista, quer argumentos, quer comparações! 

“É o cabelo? Eu aliso! Só pode ser o cabelo, aquele maldito cabelo liso, hidratado com Moroccanoil!”

Mas não, eu lamento, não são teus cachos… na verdade, não haverá lista. Tu jamais terás chance de ouvir o rol de itens possíveis que tu imaginas, para comparar!  E o pior… o pior é o silêncio, porque tu não ouvirás nada contradizer-te, depois de pronunciares a frase fatídica! … ou ouvirás, o que é pior! Porque normalmente, apenas uma frase vem em contraponto a “o que ela tem que eu não tenho”. A pior, a mais cruel, a mais canalha: 

“Olha… não és tu. Tu não tens nada de errado, tu és uma pessoa maravilhosa…”

(E prepara-te, que lá vem:)

“… sou eu. O problema está em mim"

Pronto… o pingo de auto estima que tu tinhas, está ali, óh… olha rápido: perto do ralo… foi-se!

Antes tu tivesses ouvido uma lista de defeitos! Porque se lista houvesse, tu poderias contestá-los, tu poderias saná-los, tu poderias superá-los! Mas a maldição de tu ouvires que não tens problema, e que o problema está na pessoa com quem tu dividias tua vida, é arrasador, frustrante!

Se tu não tens defeito elencável, então tu simplesmente sentes que, não és suficiente!

Neste ponto, tu deverias, se a auto estima não tivesse, já, escoado pelo ralo, acabar qualquer conversa, apenas ir para o quarto e fechar-te na solidão, planejando acabar com o pote de sorvete na geladeira, afogando as mágoas, comendo com uma colher de sopa, diretamente no pote!

Mas não… tu ainda arrisca um “eu não sirvo pra ti?”. Ah… que erro terrível! Porque agora sentirás as palavras caindo em ti como uma bigorna cai nos desenhos animados em quem passa na calçada: “olha… tu és uma pessoa incrível! Vais achar alguém melhor que eu, que vai amar-te muito!”

Pronto! Receber consolo de quem está te dando o pé na bunda, é a derrota final… é a sarjeta amorosa, é o fim da linha do ônibus com destino à falta de amor próprio!

Agora, imagina o que meu amigo sentiu, quando sua namorada deixou-o, e ele perguntou: “o que ela tem que eu não tenho?”… 

É… nesse caso, acho que é o que ELE tem, que está de alguma forma sobrando…!


Por Luís Augusto Menna Barreto

14.4.2021