quinta-feira, 31 de maio de 2018

Uma Boa Causa De Marajó City


Olá, pessoal! 
Dessa vez, venho trazer uma boa causa pra todos os amigos do blogue.
Em Marajó City, especificamente na cidade de Breves, no Marajó, há uma escola chamada Maria Rafouls, mantida pela Congregação das Irmãs da Caridade de Santa Ana. É uma escola maravilhosa que recebe, alimenta, alfabetiza e EDUCA muitas crianças que não teriam outra oportunidade! Muito mais do que ser uma escola, Maria Rafouls é a família para muitas crianças, é onde recebem carinho, efetivo cuidado e onde podem sorrir, aprendendo, também, responsabilidades. O trabalho é incrível! Lindo! Comovente. 
Eu, pessoalmente, estive lá algumas vezes. E, em cada vez que estive por lá, eu me senti pequeno. Muito pequeno. Porque todos ali, absolutamente todos, certamente são muito maiores que eu aos olhos de quem realmente importa, porque fazem de forma abnegada, sem olhar pra dificuldades, o que eu, com tantas Graças, com tanta generosidade da vida, quase nunca faço, ou quase "nunca tenho tempo" de fazer, atolado em mil desculpas esfarrapadas que certamente me diminuem como gente, como parte da sociedade, como Cristão que sou.
A escola precisa sempre de ajuda. As crianças precisam. As irmãs fazem um trabalho heróico. Os funcionários doam-se! … no fim, deitam-se cansados, mas, tenho certeza, com um sorriso na alma muito maior do que meu egoísmo me permite.
Daí que estou tentando fazer um mínimo pra contribuir para que esse trabalho não pare. Editei o CONTO DE ELLA, e fiz uma publicação (por enquanto), em e-book. O preço na loja brasileira (Amazon / Kindle) ficou em R$ 5,99. Fora o que fica para a Amazon, TODA, ABSOLUTAMENTE TODA E QUALQUER RENDA QUE ENTRE, será destinada à escola, seja dois, três, ou vinte, ou oitenta e-books que sejam vendidos (ou mais, quantos forem).
Vou colocar aqui no blogue os relatórios de venda a cada 30 dias e, assim que algum centavo entrar, passo integralmente para a Escola, sem descontar nenhum imposto, nada, absolutamente nada.
Peço aos amigos que puderem, que deem um clique, percam um tempinho e comprem o e-book.  Abaixo, o link. 
Alguns amigos que acompanham o blogue há tempo, constam nos agradecimentos e eu sei que estou esquecendo muita gente. Conforme eu for lembrando, colocarei a atualização dos agradecimentos (quem já tiver baixado o e-book, recebe a atualização sem custo, evidentemente).
Para quem visita o blogue, tem a capa do e-book exibida nas informações (menu do blogue) no lado direito para quem acessa pelo computador ou iPad. Para quem acessa por telefone, tem de ir até o final da página e clicar em “visualizar versão para a web”, que daí aparecem todas as informações que sempre vou colocando, inclusive o número de vezes que o blogue já foi visitado.
Desde já, agradeço a todos e realmente peço que quem puder, perca alguns minutos, e baixe o e-book! Vai estar ajudando pessoas de verdade e uma ótima causa de “Marajó City”. Uma causa real, cujo dinheiro podem ter certeza que será aplicado de forma maravilhosa pelas Irmãs, como tudo o que elas realizam por lá!
Estou tentando a publicação impressa, mas a loja da Amazon só tem esse serviço fora do Brasil, e o preço ficará em US $ 9,00 (nove dólares americanos), mais toda a despesa de remessa ao Brasil (o que é bem salgado)… mas se alguém realmente quiser, é só entrar em contato comigo, que explico como fazer e, se quiser por meio de mim próprio, escreverei a dedicatória no próprio exemplar que é impresso sob demanda, e levará aproximadamente 40 dias para chegar no destino no Brasil. 
Abaixo tem o link para acessar diretamente o e-book.
E duas fotos de algumas crianças da escola.
Desde já, mil obrigados!







Luís Augusto Menna Barreto

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Bem Ali, Seu Espirro e os Exames

Bem Ali, Seu Espirro e os Exames

— Doutor, vou bem ali.
Não sei se vou conseguir explicar direito: “bem ali” é algo muito misterioso para quem não é nativo. Demorei pra ter alguma noção. É mais ou menos assim: quando alguém diz “vou bem ali” está simplesmente dando a informação que vai sair, não quer dizer onde e não sabe dizer que horas voltará. Aliás, quem é daqui, jamais pergunta “onde?” ou “demoras?”, se a informação é vou “bem ali”.
Mas, naqueles tempos, chegado há pouco tempo no Estado do Pará e menos tempo ainda no Marajó, eu não sabia e cometi a quase heresia:
— "Ali" onde, Goela?
Esse é o momento do “hein?”, mas o “hein" é meu, não do Goela, que estranhou mas respondeu a única resposta que entendeu possível para aquela pergunta despropositada:
— Bem ali!
E foi saindo.
Respirei fundo. Mas eu estava, ainda, descobrindo como funcionava o ritmo da vida por lá. Daí, pra manter a autoridade, quando o Goela já devia estar lá no meio da praça, falei com tom grave na voz: 
— Vai mas não demores!
Dali um pouco, estranhei o silêncio incomum no Fórum. Não que seja um lugar muito movimentado, mas sempre tem alguém conversando no corredor pra fugir do sol da rua, ou mesmo alguma movimentação na praça, mas tudo estava silencioso. Acabei de examinar o último processo que estava na mesa e, lembrando que o Goela havia ido em qualquer lugar que eu não sabia onde era, chamei o Barganha. Nada.
Insisti:
— Bargaaaaaaanha! 
Nada. 
Com alguma irritação e, confesso, curiosidade, levantei e fui procurar alguém. O corredor estava vazio. A sala do Ministerio Público, vazia. Na salinha da distribuição, onde a Tutela recebe as iniciais e, invariavelmente alguma fofoca está sendo contada… nada. 
Daí que olhei pra porta e a D. Boneca, a “faz-tudo” do fórum, veio entrando devagar. 
— D. Boneca, onde tá todo mundo?
— Bebendo o Espirro, doutor. 
Hein?!
Como eu ainda não tinha muita intimidade com a D. Boneca, nem tentei interpretar. Voltei para o gabinete e decidi esperar pelo Goela.
Pouco antes do meio dia, o Fórum começou a ficar com a agitação normal e pude distinguir, entre os barulhos, o Barganha e a Tutela retornando. Em seguida, ouvi a voz, sempre alta e com entonação animada, do Goela.
— Goelaaaaaaa!
— Pois não doutor?
— Qual é dessa história de “beber espirro”?
— Não, doutor, é que o Espirro, aquele senhor que teve aqui outro dia, querendo tirar a certidão de nascimento, levou farelo. Tava todo mundo bebendo o morto, que o enterro tava marcado pra 11 horas.
Eu me lembrava do tal Espirro. Ele apareceu outro dia querendo registro de nascimento que nunca havia sido feito. Nascido e criado numa ilha do outro lado do rio, nunca havia sido registrado:
— Não tem certidão de nascimento até essa altura da vida, seu Espirro? — eu perguntei.
— Nunca precisei, doutor. Mas agora fui atendido pelo doutor no hospital e tenho que fazer um tal exame que nem sei. Mas exame só com documento doutor. 
— Nunca foste em médico antes? Nunca fizeste exame?
— Nunca precisei, doutor. Saúde sempre foi boa, mas agora o mijo tá saindo vermelho.
— E como é seu nome?
— Espirro!
— Não, não pode ser apelido, tem que ser nome. Nome e sobrenome. Como é?
— Ah, veja um aí, doutor. Não faço caso de nome, não. Sou o último dos 12 irmãos, doutor, e a mamãe sempre dizia que foi fácil me parir, que saí como um espirro. Daí, chamam assim pra mim desde gitinho.
Eu lembro que segurei o “hein" e tentei, ainda, pelo nome dos pais.
— Então me diga o nome dos seus pais.
— Pra minha mãe, chamavam de Preta, e pai não tenho não, que sou filho do boto.
Por ali eu desisti. Alguém que não tem nome, imagine descobrir a data do nascimento?
O que sei é que encaminhamos o Seu Espirro para o Ministério Público que fez o pedido com todos os dados (que eu confesso, não questionei muito se eram exatos ou não) e seu Espirro ganhou até nome!
Pois foi então, que Seu Espirro morreu. Comentei com o Goela, quase de forma retórica, e sem esperar resposta:
— Coitado. Os exames não deram bons resultados, então…
Mas o Goela não deixou o assunto morrer:
— Ah, doutor, diz que tava tudo bem. O problema é que o médico viu os exames  e deu duas notícias pro Espirro!
— Que notícias?
— O doutor disse que pelo resultado dos exames, o Espirro ia morrer de velho!
— Mas então, Goela, o que deu de errado?
— A segunda notícia, doutor!
— E qual foi?
— Que o Espirro tava velho!

Por Luís Augusto Menna Barreto


domingo, 20 de maio de 2018

Contículo de Um Milagre

Contículo de Um Milagre

Antes da fama, ele tinha fé. Por algum motivo que ele não soube explicar, lembrara-se disso olhando o desenho de uma lágrima em chamas tatuada na mão, enquanto o avião que levava a banda de rock do momento, da qual ele era o vocalista, voava por entre pesadas nuvens em direção à Capital do Estado do Pará, onde em poucas horas, fariam um show e em seguida rumariam a um festival de Rock na Cidade do Panamá, a 7ª cidade mais competitiva economicamente, da América Latina.
De repente, não muito longe de Belém, o aviso luminoso de apertar o cinto ascendeu e a voz do piloto avisou que enfrentariam uma área de turbulência. Mal deu tempo de o piloto terminar o aviso, o copo de uísque caiu no carpete do jato executivo que há meses era o local onde a banda passava mais tempo. Ele já havia enfrentado turbulências antes, mas aquela, somada às lembranças que rememorara, deixaram-no particularmente apreensivo. Num gesto instintivo, levou a mão ao pescoço, onde durante quase toda a vida usara um escapulário, o qual fora descartado por recomendação do produtor e da diretora de imagem da banda. Com o coração acelerado, o efeito da última carreira cheirada passando e algum álcool na cabeça, tentou lembrar de alguma das orações da infância e não conseguiu. Então, talvez agarrado às lembranças que estava tendo da infância vivida sob a fé ensinada pelos pais, vivida na escola, e na amizade com os Padres da Igreja próxima a sua casa da infância, ele fez uma promessa!
Algum tempo depois, naquele mesmo dia, em uma Igreja de um dos bairros de Belém, a equipe responsável pelas músicas da missa estava, já, reunida no mezanino, acima da entrada cujo único acesso é por meio de uma escada em espiral, que permanece fechada, para que ninguém não autorizado suba. Naquela igreja, a equipe da música não fica aos olhos dos fiéis e, nos momentos de cantar, apenas o som dos instrumentos e vozes dos cantores espalham-se em toda a nave da Igreja.
Pois a equipe, composta de um frade capuchinho que cantava, um leigo de aproximadamente 50 anos que tocava violão e sua filha de 20 anos que tocava um teclado eletrônico, fora surpreendida com um rapaz de capuz, que pedira para cantar as músicas da missa. Enquanto o leigo ficara em silêncio com um ar de interrogação no semblante, o frade cantor aproximou-se e pra explicar que não era permitido subir ao local… mas fora interrompido pela tecladista, que, de olhos vibrantes, pegara no braço do frade e falara-lhe, com alguma empolgação, ao seu ouvido, pedindo que lhe deixasse cantar, e explicando quem seria o rapaz de capuz. Até mesmo o frade já ouvira falar em seu nome. 
— Podem ser estas músicas? — perguntou o rapaz, entregando à equipe um pedaço de papel com uma lista de músicas antigas, mas ainda conhecidas. O frade mostrou-as à equipe e todos concordaram, embora não desse mais sequer tempo de falar com o Padre celebrante para avisa-lo da mudança das músicas.
A igreja não estava lotada naquele domingo à noite, chuvoso, mas havia poucos bancos vazios. Assim que começaram os primeiros acordes, e iniciou-se a marcha de entrada do séquito seguindo a Cruz levada com devoção pelo primeiro dos cinco coroinhas, o Padre estranhou por não ser a música que lhe fora informada, mas reconheceu-a, embora ha muito não mais a ouvisse. Assim que entrou o vocal, quase todos na Igreja repararam. Era diferente. Vibrante. Foi difícil ouvir sem a pele arrepiar, tamanha força e emoção que transbordavam na voz. Alguns mais jovens quase levaram um susto. Poderiam jurar que a voz era a do vocalista daquela banda famosa que nesta noite faria show no Hangar, em Belém! 
Feita a saudação inicial, a benção, e a primeira oração respondida, veio o canto penitencial. Ali, muitos já tinham a certeza de que conheciam aquela voz. E que interpretação! As pessoas na missa parece que podiam sentir lágrimas nos olhos do cantor ao entoar os versos "embora eu me afastasse / e andasse desligado / meu coração cansado / resolveu voltar”.
Nesse momento, contra todas as recomendações, várias cabeças voltavam-se para trás e tentavam olhar o mezanino, embora não fosse possível enxergar quem quer que fosse. 
No canto de glória, a voz por vezes propositadamente grave, porém suave, inundou a Igreja e para desaprovação do Padre celebrante, muitos dos mais jovens sacaram seus celulares e começou uma enxurrada de mensagens de texto e, até mesmo, áudios dos que haviam gravado o final do canto de glória. Só podia ser ele! Muitos dos fiéis eram fãs da banda, não poderiam estar enganados acerca daquela voz! Em poucas horas, a banda tocaria no Hangar! Talvez fosse algo promocional. Era incrível e inacreditável, mas tinha de ser ele, o vocalista de rock mais celebrado do momento! E bem ali, cantando na missa!
Já durante o canto de ofertório, a Igreja começou a ficar lotada. Já não havia nenhum lugar nos bancos e os espaços laterais começavam a ser preenchidos por pessoas em pé, na maioria jovens. O frade cantor teve de descer de modo a evitar que qualquer pessoa vencesse a tentação de subir pela escada em espiral, e postou-no no primeiro degrau da escada, impedindo qualquer acesso, e recomendando silêncio. Mas decidiu que iria fazer uma selfie com o rapaz e pedir que gravasse um “oi" para a irmã adolescente que não seguira os mesmos passos religiosos que ele.
Quando da procissão da comunhão, já era difícil até mesmo entrar na nave da Igreja, nem sentados, nem em pé, nos amplos espaços laterais, cabia mais alguém. Jamais a Igreja estivera cheia assim. As redes sociais estavam inundadas pelos áudios das canções na missa, por imagens do mezanino, sem, contudo, que se pudesse ver o rapaz de capuz que cantava segurando o microfone com as duas mãos, exibindo a mão tatuada com uma lágrima em chamas.
Terminada a procissão da comunhão que, pela quantidade de gente, levara quase quatro vezes o tempo normal, antes que o Padre celebrante levantasse para a benção final, o rapaz começou, à capela, uma canção. E quase todos foram às lágrimas, tamanha dor que a voz transmitia ao cantar os versos finais: “… e, se jamais acreditei / perdoa-me Senhor / Pois hoje eu te encontrei”.
A Igreja inteira, ficou em transe. Poucos olhavam para o altar, a quase totalidade das cabeças voltadas ao mezanino. Os dois músicos, pai e filha foram até o muro do mezanino e foram recebidos por uma avalanche de cliques de fotos e vídeos de celulares e gritos de fãs que esperavam a aparição do rapaz. O Padre celebrante conformou-se em proferir a benção final para um mínimo de pessoas que prestavam atenção, embora jamais a Igreja tenha estado tão cheia. O frade tinha imensa dificuldade de conter as pessoas que se empurravam tentando subir. Havia confusão. 
Quando o frade foi finalmente vencido, quase arrancado dos degraus e os primeiros fãs alcançaram o mezanino, houve decepção. Havia ali, apenas os dois músicos, pai e filha. Estiveram olhando a agitação na nave e, quando se viraram os primeiros fãs da banda já estavam chegando no mezanino. Perguntaram por ele! Onde estava? Todos queriam fotos e vídeos com o astro do Rock.
Não estava lá. Os dois músicos ficaram com uma profunda interrogação? Teria ele saído quando estavam olhando a nave? Mas por onde? Ninguém soube responder. Somente depois de muito tempo, os fãs convenceram-se de que ele não estava mais lá. Restava, então, correr ao Hangar para ver o show, cujos ingressos já se haviam há meses esgotado.
Naquela noite, horas mais tarde, uma multidão gritava impaciente no Hangar, frente ao palco vazio, apenas com os instrumentos da banda, aguardando a entrada que era sempre espetacular. O atraso passava do comum para tais eventos.
Até que um homem sobe ao palco, com um semblante tenso. Ao mesmo tempo, os noticiários espalhavam no mundo a mesma notícia:
“É com profundo pesar que informamos a queda do jato comercial que trazia a banda para Belém. O piloto conseguiu um pouso forçado em uma fazenda, salvando quase todos os passageiros e tripulantes que tiveram apenas ferimentos leves. Infelizmente, houve uma morte. A do vocalista.”

Por Luís Augusto Menna Barreto


sexta-feira, 18 de maio de 2018

unplugged writings (2): ... tarde demais!

unplugged writings (2): … tarde demais!

Mais uma da séria “unpluggd writings”, escritos que descobri guardados e empoeirados, da década de 80, quando ainda tinha coragem de escrever só com o coração e a coragem que a juventude nos dá. Posto-o assim como o encontrei: velho, amarelado, esquecido, com caligrafia sofrível… 

Como a caligrafia é terrível e a imagem fraca, transcrevi abaixo do original.




... tarde demais!

Olha pro lago agora.
Vês?, ela foi embora.
Sentes, agora, o vazio?
Notas então o frio?
Olha sozinho pra frente,
Vê tu contigo somente...
Sentes toda a solidão?
A culpa é toda tua,
Se olhas agora pra lua
E dói o teu coração.
          - O que havia de errado?
          Por que toda essa dor?
          Qual foi meu pecado?
          Por que olho pro lado
          E sinto falta de amor?
Amor...
Foi tão fácil perder,
Tão difícil conquistar...
Agora é simples chorar,
A solidão é mais fácil, vê!
Uma frase tão antiga,
Teria mudado tua vida,
Se tu soubesses dizer...
          - Agora é tarde demais,
Eu amo você!
(outono - 89)

Por Luís Augusto Menna Barreto

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Contículo de Uma Tragédia Alheia

Contículo de Uma Tragédia Alheia

Sentiu o sangue gelar quando viu os sapatos brancos entrando pela porta daquela lanchonete/bar insalubre. 
Ele detestava o barulho e o cheiro de fritura no ar, misturado ao cheiro e fumaça de cigarros que começava pelo dono do lugar, um gordo sem asseio que passava o dia fumando e anotando jogo do bicho, o tempo inteiro com um engordurado rádio de pilha ligado em uma frequência AM.
Ele lavava pratos, irritado com o cheiro da gordura e fumaça. Irritado com a mistura de sons do rádio engordurado, TV engordurada pendendo no suporte da parede, murmúrios dos clientes de aspectos tão desprezíveis e dos hambúrgueres sendo amassados na chapa por aquela mulher tão silenciosa e estranha que se limitava a faze-los o dia inteiro sem dizer uma palavra. A chuva lá fora emprestava um aspecto ainda mais lúgubre, tonalizando de escuro, cinza e pingos, a única janela do local, e aumentava os ruídos em sua mente já tão preocupada com a notícia que recebera de sua namorada, única namorada que tivera na vida, que conhecera há quatro meses, sem família, sem parentes, sem passado saudável: iria ser pai! Foi o único motivo que o fez aceitar o emprego naquele lugar miserável; mas em nenhum outro lugar aceitariam um garoto de 18 anos recém feitos, que não sabia nada além de lavar os pratos dos padres e das orações que aprendera no seminário.
Então, ele viu os sapatos brancos entrando. Sabia que poderia ve-los a qualquer momento. Há dois dias ela vinha sentindo dores fortes e sangrando muito. Por isso chamaram o médico de sapatos brancos que decidiu que ela deveria ser internada. Agora, os sapatos brancos estavam ali, vindo em sua direção. Ele dera ao médico de sapatos brancos o endereço de onde trabalhava, porque era o único endereço que tinha, desde que a menina fora internada e ele tivera de desocupar a pensão porque não teria como pagar o médico e a pensão.
Os sapatos brancos dirigiram-se lentamente, quase se arrastando, até o balcão, até que ele não os enxergasse mais, mas recusava-se a olhar mais acima, recusava-se a olhar nos olhos do médico de sapatos brancos. Concentrou-se nos pratos branco que lavava, esperando ouvir a voz do homem, como quem espera que o carrasco desfira o golpe do machado brandido no ar. Quando ouviu a voz do médico de sapatos brancos, não era ainda a sentença, e sentiu-se mais apreensivo. O médico pediu um duplo, com uma voz cujo timbre parecia carregar uma infinita melancolia. Ele lavava os pratos brancos. não ousava sequer se virar.
Dez minutos. Dois duplos. Vinte minutos. Quando o médico de sapatos brancos pediu o terceiro duplo, ele não aguentou mais. Largou o prato branco que lavava, secou as mãos em um pano que havia sido branco um dia. Virou-se lentamente…
Naquele exato momento, não viu o rosto derrotado do médico de sapatos brancos. Não notou as olheiras de mais de quarenta horas insones lutando por uma vida, não conseguiu sequer ver as lágrimas que o próprio médico beberia de volta por caírem no copo de uísque. Ele via apenas o sorriso da menina grávida que entrava devagar pela porta do bar imundo. Pulou o balcão em um ímpeto e com a velocidade do amor, do alívio, do sonho, estava a abraça-la! 
Um instante depois, lembrou-se do médico de sapatos brancos. Colocou a mão em seu ombro e interrogou-o com o olhar.
O médico de sapatos brancos olhou pra ele, e seu rosto era indecifrável entre um sorriso forçado e uma dor lancinante que tentava perscrutar uma ironia ferina do destino que lhe era impossível entender. E neste misto de emoções, quase em um espasmo último, saiu-lhe o fio de voz, seguido de frêmitos soluços:
— Minha esposa morreu…
O rapaz pediu um duplo.


Por Luís Augusto Menna Barreto

domingo, 13 de maio de 2018

unplugged writings: … Namoro!

Descobri escritos da década de 80, escritos de um tempo sem bits…
Inauguro a série:

unplugged writings: … Namoro!




Por Luís Augusto Menna Barreto

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Pensamentos perdidos: … lágrimas no rio!

    A viagem levava e noite inteira. Todas as semanas. Atava minha rede e o barulho alto do motor do navio era como uma canção de ninar, enquanto as águas generosas do Marajó embalavam meu sono.
Na última viagem, eu não dormi. E mesmo tendo passado as doze horas, olhando o rio e o céu, eu não consegui contar todas as estrelas.
Hoje, quando olho o rio, eu o vejo maior… As lágrimas da minha despedida, fizeram aumentar seu volume…


Por Luís Augusto Menna Barreto

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Contículo de Uma Pequena Tragédia

Contículo de Uma Pequena Tragédia

E deu-se uma pequena tragédia… 
Ela definhava a olhos vistos, em frente ao quarto que alugara por tanto tempo. Sentada na calçada. 
Muitos pensaram, dela, uma indigente. Quando fora despejada, porque o novo proprietário ali construiria um novo prédio comercial, demolindo o pequeno sobrado de quartos velhos sem janelas, ela se agarrou no cobertor que ficava sempre em sua cama, enrolou-se e simplesmente sentou na calçada do outro lado da rua… e passou ali, vendo o sobrado ser demolido…
As pessoas desviaram dela na calçada… Uma ou outra, largou moedas na frente dela, para o quê, ela olhou com indiferença.
Morara muitos anos ali. Era bastante reclusa. E via o mundo, fora do trabalho de dez horas na pequena lanchonete onde fazia hambúrgueres e cachorros quentes, pela tela do celular. Horas e horas, falando ao telefone, ou teclando em aplicativos de conversas. E suas testemunhas, eram aquelas velhas paredes que davam espaço para sua cama, o guarda roupas e um pequeno frigobar. Da sua vida, sabiam as paredes! Foram confidentes, ouvintes, foram voyeurs de concreto.
Como seu mundo particular, onde era ela mesma, eram aquelas quatro paredes. Ao trabalho, ia como um autômato: não conversava, não ria, não interagia. Fazia os hambúrgueres, conforme os pedidos chegavam, em uma eficiência quase mecânica. Em mais de dez anos na mesma pequena lanchonete, mal sabiam seu nome. 
… mas aquelas paredes.. ah!, sabiam seus segredos… viram a intimidade das fotos que enviava… viram as expressões que usava. Viram o suor de seu corpo em conversas que seriam impublicáveis…. Aquelas paredes sabiam e poderiam retratar toda sua vida. 
Então, vendo as paredes serem demolidas, nenhuma outra parede buscou. Apenas resignou-se a sentar no outro lado da rua. Por dias, não fora sequer trabalhar.
Permaneceu ali.
Era uma corrida… uma prova de resistência. Quem pereceria…? Ela, ou as paredes que lhe eram o relicário de si própria…? Olhava sem expressão. E seria impossível decifrar seu olhar e seu coração. Talvez, somente as paredes que se acabavam a marretadas, pudessem sabê-la.
Enfim, a última marretada fora brandida… e desferida! 
As paredes, enfim tombaram… antes dela!
Largou o cobertor. Sentiu-se livre! Decidida a viver uma nova vida. Não fora qualquer sentimento de apego que a mantivera ali, vendo as paredes serem demolidas. Quis, apenas, ter a certeza que seu passado fora apagado. 
Simplesmente levantou-se e começou a caminhar. Decidida a encontrar um lugar com janelas grandes.


Por Luís Augusto Menna Barreto