bora cronicar
O Tesoura de Boneca, o Caminho de Rato e a Briga
Que todo mundo tem algum apelido em Marajó City, tu, caro leitor, já sabes, certo?! Pois é. Mas não sei se já contei, que às vezes, os apelidos por lá evoluem, involuem, ou mesmo se modificam.
Por exemplo, já contei há muito tempo, na crônica do "Fila-Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri”*, que o Medida só virou medida depois de morto, antes era Sagüi. O primeiro apelido ganhou, porque subia em árvores com uma facilidade enorme. O segundo (Medida), ganhou só depois de morto! É que ele se matou errado! Não lembram? Eu conto rapidinho: como ele foi denunciado pelo Cava-Cova, resolveu matar-se: subiu numa árvore, amarrou uma corda num galho alto e a outra ponta no pescoço. Decidiu, o caboclo, pelo enforcamento. Mas errou na medida da corda e deixou muito comprida. Quando pulou, a corda não chegou a enforcar-lhe… mas morreu quebrando o pescoço na queda! Daí que, tendo errado a medida da corda, depois de morto, virou “Medida”.
Teve o caso do Tesoura e do Caminho.
Os dois eram cabeleireiros, cada um em um box, lado a lado. Sim, em Marajó City, há uma rua em que o Município fez uma espécie de feira no canteiro central e colocou vários “box" medindo 2mx2m, um ao lado do outro, e criou, assim, vários postos de trabalho. E deu-se que lá estão dois cabeleireiros. Nascidos Cebola e Picote (tá, o nome de batismo, mesmo, eu não sei, mas desde pirralhos eram Cebola e Picote) viraram Tesoura e Caminho. Quis o destino (ou o secretário de obras, que distribuiu os quiosques) que o box de um fosse ao lado do box do outro. Cada “salão" é composto de uma cadeira em frente a um espelho e uma pequena prateleira com utensílios ao fundo. Ao lado da cadeira, tem espaço suficiente para o cabeleireiro movimentar-se, desde que não engorde. Se há algum cliente esperando, a “sala de espera” são duas cadeiras de plástico com patrocínio de cervejas, que são colocadas na frente do box, ou esperam no açougue do Retalho, até que ouvem o grito do cabeleireiro dizendo: “quem tá na vez?”
O Caminho sempre foi melhor cabeleireiro que o Tesoura. Aliás, o apelido original (Picote) recebeu porque um dia ganhou uma tesoura escolar para fazer um trabalho e começou a picotar tudo o que via pela frente! Até que descobriu os cabelos da única boneca que sua irmã, a Barbiguel, tinha! Pronto: amor à primeira vista! A cada dia, a boneca começou a aparecer com cabelos mais curtos, mais curtos… até que a Barbiguel pegou o Picote tascando a tesoura nos cabelos da boneca e foi a maior confusão. Mas dali pra frente, o Picote não parou mais e aos 12 anos já cortava cabelo de todo mundo na vizinhança! Dali pra ter o próprio “salão" no box, foi um passo natural.
Já o Cebola, que “atentava” muito os seus 6 irmãos, ganhou o apelido porque toda hora fazia um dos irmãos ir chorando pra mãe. De tanto fazer os irmãos chorarem, a própria mãe começou a chama-lo de Cebola! Pois o Cebola, sem tantos dotes, conseguiu também um box e decidiu por abrir um “salão”. Como não era muito versado na tesoura, arranjou uma máquina e, então, usava preferencialmente a máquina e raspava o cabelo de todo mundo. Um ou outro que não queria cabelo cortado à máquina, o Tesoura até tentava… mas no fim, o corte era estilo “caminho de rato”.
Por evidente que o “salão" do Caminho tinha muito mais movimento. Foi então, que o Tesoura teve uma idéia: começou a abrir o “salão" na madrugada, e esperava o pessoal que chegava no navio que vinha de Belém e passava em Marajó City na madrugada. Negociou com o Boleto do box que imprime boletos e outras contas ao custo de R$ 1,00, para fazer uma folha com vários retângulos escritos “Salão do Cebola - corte a 2 real - 2 cortes por 5 real” e passou a distribuir no trapiche, na chegada do navio. A sorte é que ele mesmo ia distribuir e fazia a propaganda boca a boca, porque quase ninguém sabia ler. Mas começou a ganhar clientes, e, pior, a “roubar" clientes do Caminho.
Quando o Caminho soube, deu-se a confusão. E a briga teve hora marcada, porque o Caminho tinha de terminar de atender os clientes e não poderia brigar a qualquer hora. Cada um armou-se a seu modo, o Caminho com uma tesoura e o Tesoura com a máquina de cortar cabelo, ia girando o fio, pronto pra desferir golpes de rabicho de tomada!
E foi nessa briga que ganharam os apelidos, porque o Caminho começou os desaforos acusando o Tesoura de não saber cortar cabelo, "que qualquer um corta de máquina e que raspa o cabelo de todo mundo, porque só sabe fazer “caminho de rato”!
O Tesoura devolveu o desaforo, dizendo que era “mais avançado que o Caminho e que faz três cortes no tempo que o Caminho leva pra cortar um cabelo com a tesoura de boneca’'”.
E foi um tal de “caminho de rato” pra cá e “tesoura de boneca” pra lá, que os apelidos pegaram… mas ao contrário. Cada acusador foi “premiado" pelo próprio xingamento. Daí que o Picote passou a ser o “Caminho de Rato” e o Cebola passou a ser o “Tesoura de Boneca”. Como os apelidos são compostos, com o tempo, foram sendo reduzidos e o Picote virou apenas “Caminho" e o Cebola virou apenas “Tesoura”.
Ainda se estranham às vezes… mas dizem até, que hoje em dia um corta o cabelo do outro.
Luís Augusto Menna Barreto
13.8.2019
Para ler a crônica O Fila Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri - parte 1, CLIQUE AQUI!
Para ler a crônica O Fila Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri - parte 2, CLIQUE AQUI
Para ler a crônica O Fila Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri - parte 1, CLIQUE AQUI!
Para ler a crônica O Fila Bóia, o Cara de Cuspe e o Júri - parte 2, CLIQUE AQUI
Muito legal conhecer a história dos apelidos, Poeta!
ResponderExcluirAcho muito interessante essa peculiaridade do Marajó!!!! Gostei!!!!
Obrigado, amiga!!
ExcluirAnda tem muito mais, evidentemente...!! Os apelidos por lá são tantos quanto são as pessoas... e, considerando a evolução e mesmo as trocas, há mais apelidos que pessoas, tranquilamente, em Marajó City!!!
Amanhã, vem mais por aí... de Marajó City e apelidos!
No Marajó, estranho é ter um nome próprio rsrs
ResponderExcluirA pessoa ganha apelido até depois de morto, eita
Gostei mesmo foi do cabeleireiro que fez laboratório na boneca da irmã, a Barbeguel(adorei esse nome)
Enfim, as histórias marajoara são maravilhosas.
E a mãe que deu apelido ao próprio ilho, o Cebola?!!!! Rsrsrsrs
ExcluirAcho que eu tenho qualquer coisa de Marajoara, porque antes de nascer eu já tinha apelido, é só fui registrado 5 anos depois do meu nascimento!!!!!🤣😂
Foi o destino que me levou ao Marajó!!!!
Muito divertidos e criativos esses apelidos! Adorei!
ResponderExcluirA criatividade é do povo do Marajó!!! Eu apenas descrevo...!
ExcluirViver no Marajó, é como estar em uma maravilhosa "Macondo" de Gabriel Garcia Marquez... quase posso lembrar-me de quando "me levaram para ver o gelo..."
Obrigado, Denise!
Amoooo as histórias de Marajó City!!!Os apelidos são um caso a parte!!A mãe apelidar o filho de 'Cebola' foi demais!!!É um povo de uma criatividade sem limites!!! A D O R O!!!!
ResponderExcluirAh!, Marajó, que falta fazes na minha alma...!!!! Que nunca me faltem suas histórias... eu saí do Marajó... mas o Marajó jamais haverá de sair de mim...!
ExcluirObrigado, Michele!!!
Aí gente me divirto com estas aventuras e os apelidos kkkk. Mas uma máquina de cortar cabelo como arma ou ferramenta de defesa é de chorar de rir. 😂😂
ResponderExcluir.... e pelo que sei o Caminho levou umas “rabichadas”... a briga foi “animada” até que o Tonelada chegasse pra colocar ordem na praça!!!!!
ExcluirDelicia de conto...
ResponderExcluirAdorei as gravuras que estão acompanhando, além de todas as prendas que conhecemos na sua pessoa a arte do desenho está perfeita. Mais uma faceta para nós deleitar.
Baaaaahhhhhhhhh no Rio Hrabde, chamaríamos isso de “Garatuja”..!!!!
ExcluirTenta descobrir o que é......!!! 😂🤣
Obrigado, Lola!!!
A mamãe falava isso, mas com certeza os seus desenhos não são garranchos 😊
ResponderExcluirrsrsrsrs.... aaaaahhh... isso é que dá ter bons amigos...!!! Obrigado, Lola...!!!
ExcluirNossa ,dei muitas risadas e me reportei ao meu tempo criança em que sendo filha de uma cabeleireira meu irmão fez laboratório em meus cabelos compridos
ResponderExcluirComo o caminho kkkk
E a briga entre os dois com seus instrumentos de trabalho a forma criativa de fazerem concorrência
O cenário e as cenas que descreveste de forma que estive ali vendo tudo se passar , demaisssss!!!
Adorando Marajó City!!!!
Ahhhhhh...!!!!! Obrigado demais!!!!
ExcluirÉ tão bom pro meu coração saber que alguém consegue “entrar” em Marajó City e participar das conversas na praça, consegue ver o Rio passar.....!!!! Ah!, como é bom!!!
Bommmm demais !!!!!
ResponderExcluirMarajó city sempre surpreendendo
Essas figuras peculiares, as cenas engraçadas numa cidade meio lendária
Que dá vontade de conhecer cada vez mais
Marajó City é deliciosa e peculiar... Pretendo, em um futuro breve, compilar as histórias de Marajó City em uma deliciosa novela....!!!
ExcluirMil obrigados por teu comentário!!!