domingo, 23 de agosto de 2020

Um Conto Sobre um Amor Guardado - parte 3


Parte 3


Naquele dia, quando seu marido acordou, estranhou que ela ainda estivesse em casa. 

Mas se limitou a dizer “oi amor”, enquanto ela parecia ver uma revista no sofá. 

Da porta, ele ainda falou: 

— Peça para a Vera preparar uns wraps de truta para eu ver o jogo dessa noite? Ah… e você poderia separar um vinho Quinta do Vallado para levarmos ao Olavo quando formos lá?

Ele não esperou resposta. Mas ela também sequer havia conseguido ouvir direito a pergunta. Quando a porta fechou, ela correu para o closet. Estava atrasada, mas estava decidida. Colocou uma antiga calça Levi Strauss, com costuras reforçadas com rebites, de uma série “revival” da antiga linha que catapultou Levi Straus à fama. Colocou uma blusa branca, de alças e pegou aquela velha caixa do closet. 

Era a primeira vez em mais de 15 anos, que colocava novamente um All Star… e riu, quando nos primeiros passos, o jeans do All Star original desprendeu-se da borda do tênis. Pegou uma sandália Jimmy Choo que combinasse com o jeans, e saiu.

No trabalho, todos estranharam ao ve-la de jeans… mas de alguma forma, ela continuava elegante. Embora houvesse chegado atrasada, saiu apressada ao final do expediente, porque queria passar no shopping, naquela loja da All Star… Comprou, apressada, um All Star branco, e sentiu-se divertida, ao caminhar sem salto, porque saiu da loja com ele, e com as sandálias na caixa do tênis. Correu para o supermercado. Temia não o encontrar, porque estava atrasada… ao mesmo tempo, sequer sabia o que faria ou diria se o encontrasse. Estava experimentando uma sensação que nem lembrava conhecer.

Ela ficou mais de 40 minutos por entre as prateleiras do supermercado… e ele não apareceu. Talvez tivesse chegado tarde, tendo atrasado por conta da ida no shopping.

De alguma forma, ficou triste por não ter encontrado aquele homem estranho, que lhe era, estranhamente, familiar.

Mas então, lembrou-se das batatinhas, e decidiu ir até aquele carrinho que vendia batatinhas. Quase hesitou ao chegar.

— Olá querida. Quer as batatinhas da Dora?

Ela sorriu:

— Eu quero. 

— Pra viagem?

— Vou comer aqui.

— Você não é a mesma que ontem esteve aqui e não quis provar as minhas batatinhas? Já sei: você se arrependeu, não foi? Todos se arrependem de não provar as batatinhas da Dora! 

Ela nem sabia explicar, mas parecia contagiada por aquela mulher simples, por estar de jeans, por estar em uma esquina, conversando com pessoas que há muito não conversava, experimentando uma das vidas que suas escolhas passadas fizeram-na não mais encontrar. 

Nos restaurantes, no clube, em casa, sempre que pedia algo para que lhe servissem, ninguém fazia comentários ou puxava conversa. Limitavam-se a uma reverência, ou a um automático “sim senhora”. Mas ela estava ali, conversando com uma vendedora de batatinhas em uma esquina do centro da cidade. Então, arriscou:

— Será que você não conhece um amigo meu? Ele costuma vir aqui neste horário e comprar batatinhas para viagem…

— Ah, o Marcos? Eu conheço, sim! Gente boa. Mas vou lhe falar: Nem adianta tentar nada com ele, querida. Ele é perdidamente apaixonado pela mulher dele! 

Ela não soube o que dizer… algo nela, como se fosse uma esperança, parecia ter sido quebrado. Esforçou-se por perguntar:

— Você a conhece?

— Não. Mas dá pra ver nos olhos dele o quanto é apaixonado. E pelo que ele fala, ela também é apaixonada por ele! Nem gaste seu tempo, querida!

— Não… é só um amigo…! Queria encontrá-lo…

— Venha amanhã!

— O quê?

— Venha amanhã. Ele sempre compra batatinhas nas segundas, quartas e sextas para levar para ela! Religiosamente. Pouco antes das 19h, ele aparece!

Ela sabia, então, como o encontrar… mas se sentiu tola… de repente, a roupa, o tênis, nada fazia sentido. O que ela pensara? Que num passe de mágica, num conto de fadas, teria outra vida? E com um estranho que vira somente duas vezes? Um lunático que a confundiu, um louco que achou que ela fosse outra pessoa? 

— Vou querer mais uma, por favor… pra viagem.

Quando chegou em casa, mais uma vez ouviu a TV ligada na ESPN, o marido com a cerveja… 

Diferente de outros dias, sentou-se ao lado dele, e ofereceu-lhe batatinhas… queria sentir-te dividindo o momento com alguém. Queria de alguma forma, sentir aquilo que Dora havia falado sobre o estranho e sua esposa.

— Amor, o que houve com você? Acha que vou deixar de comer esses Wraps de truta fumada com queijo branco, pra comer essas batatinhas nesse saco todo gorduroso? Isso é nojento!

Ela se levantou em silêncio. Colocou o saco de batatinhas no lixo. Tomou um banho demorado. Depois, deletou a página da internet, em que vira a receita do drink de cointreau com laranjas. Esvaziou o cointreau, e apenas tentou dormir.

 

No bairro simples, ele estava no banho, mas falava alto: 

— Meu amor, pelo jeito que você está cansada, seu dia foi difícil. Pode deixar a louça comigo de novo. Descanse. Amanhã, trago novamente suas batatinhas e vamos ver um bom filme! Você quer massagem com creme nos pés para relaxar e dormir?

Ele podia ouvir as respostas. Respostas que jamais ecoaram no apartamento vazio.


Luís Augusto Menna Barreto

26.7.2020

31 comentários:

  1. "...experimentando uma das vidas que suas escolhas passadas fizeram-na não mais encontrar."
    Que trecho mais belo!
    E reencontrará ela aquele modo de viver, que havia deixado para trás?
    Estará nele aquele sonho?
    Torço para que isso aconteça, Poeta.

     





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    1. Maria... estou gostando demais desse conto! Tenho 8 capítulos prontos... e sei exatamente onde levar este conto!
      Eu espero que gostes dos destinos das personagens....!

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  2. Muito lindo e contagiante, aguardando ancioso o próximo capítulo.

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    1. Batisti, obrigado demais....!!!!
      Acho que o próximo capítulo fará ficar ainda mais interessante!!!!!

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    2. Está difícil esperar, acho que vou pedir batatinha por enquanto.

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    3. Bora marcar de comer batatinhas na Dora, na segunda-feira!!!

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  3. Gente!!!
    Estou confusa...
    Eu sinto que estou do lado dela...Estarei errada? Balançada!!! Que texto maravilhoso...

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    1. Vem, Michele... vem encontrá-la... bora comermos juntos, batatinhas da Dora...!

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  4. Contagiante...Próximo...Sei lá... Identificação? Confusa, Poeta!!!!

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    1. Vem... conversa com a Dora... ela tem ótimas respostas, tu vais ver.....

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  5. Ahh... Vamos esperar o próximo episódio para ver se desvendamos através do encontro na Dora!! Bom dia ótima semana!! 👏👏

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    1. A Dora vai conquistar os leitores!!!!!!
      Obrigado, Liuu!!!!!!!!!

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  6. Estou ficando curioso. Quero ler mais, não consigo esperar até segunda.

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    1. Rsrsrsrsrs!!!! O brigado, Jorge!!!!
      Já tenho 8 capítulos prontos!
      No próximo, penso que já poderemos ter a exata ideia das questões dos personagens... e veremos o crescimento de Dora na historia!!!
      Bora comer batatinhas?

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  7. Excelente semana a todos! Estou contagiada com estes personagens! As batatinhas a Dora prometem muito...

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    1. Bora marcar de irmos todos comer batatinhas da Dora na segunda que vem???
      Obrigaaaaaado, Inês!!!

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  8. Muito instigante, pena que o encontro dos dois não foi desta vez. É bem verdade que algumas escolhas que fazemos nos levam a simplesmente deixar de ver ou encontrar com algumas pessoas. Abraços!

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    1. A gente toma decisões todos os dias... às vezes, não é uma única grande decisão que muda nosso destino... às vezes várias pequenas decisões diárias e quotidianas fazem-nos trilhar por determinado caminho....! Vamos descobrir que decisões nossos personagens haverão de tomar....!

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  9. Gostei! Desencontros, encontros e reencontros. ❤️

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    1. Um velho tema, tema, né...?! Mas, de alguma forma, o desencontro parece ser sentido apenas por um....!

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  10. E curiosa para os próximos capítulos! 😄

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    1. Bora marcar de comer batatinhas na Dora, segunda-feira, e descobrir mais um pouco...!

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  11. O que mata o amor..é a falta de amor! Que vontade de dar um abraço nela e convidar para comer batatinhas. Que conto lindo!

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    1. Dá o abraço...! Bora..... bora come batatinhas na segunda-feira....!

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    2. Bom dia, Denise, me fez lembrar nossos pequenos e leves passeios de segunda-feira... "bora come batatinhas na segunda-feira"!

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    3. Bora junto, Dra. Teresinha!!!! Acho que Dora pode ter boas histórias pra contar... e parece sempre ter um bom conselho......

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  12. Adorei as combinações e as descrições de cada um dos itens... Imaginação que flui é tudo e faz toda a diferença... Parabéns, Poeta!

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    1. Essa personagem merece que se tenha harmonia em sua composição....! Assim, ela tenta proteger-se da desarmonia de seus sentimentos.... mas vem... vamos comer as batatinhas da Dora, e ver se ela chegará a um equilíbrio.......!

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  13. Tenho a sensação de que, ainda que seja o mergulho em uma fantasia, para uma perua, é mais excitante que a própria vida.

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  14. Volto agora, numa manhã de setembro, para te dar um abraço e fazer um cafunezinho em tua carequinha!

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  15. "Ele podia ouvir as respostas. Respostas que jamais ecoaram no apartamento vazio." Eita...quanto mistério, Poeta!
    Eu acho que a Dora...sabe bem mais do que parece!

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